O ato de amor de ser professor
"A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa."
Paulo Freire
Dezembro chegou, eu e qualquer outro professor começamos a avaliar o ano. O que se ensinou? Conseguimos ensinar algo? Ou melhor seria perguntar: o que os alunos aprenderam? Estava eu agora aqui em casa preparando os últimos atos pedagógicos antes das férias e das festas de fim de ano e lembrei dessa música do inglês John Lennon que sempre aparece nessa época (Happy Xmas (war is over)) e me faz pensar. A letra pergunta: o que fizemos? Alguns alunos estão saindo da escola, se formando no ensino fundamental. Será que realmente os ensinamos o fundamental? Será que lembrarão de nós depois de alguns anos? Lennon, quarenta anos após sua morte, pelo menos eu, sigo lembrando. Dois mil anos depois ainda lembramos também daquele militante do amor e da partilha, aquele judeu palestino, descendente de negros africanos fugidos da escravidão no Egito. Até mesmo o ateu Lennon lembrou e o homenageou com uma reflexão natalina em forma de canção. O cristão Lula terminou o ano emocionado, chorando de amor e compaixão pelos despossuídos, podendo dizer que terminou o ano fazendo alguma coisa para os próximos: lançou um programa para construção de banheiros e outro para urbanização de favelas como fez Olívio Dutra, há mais de 30 anos, em Porto Alegre. Eu, quando chega essa época, encontro alento pensando que dei aulas. O trabalho é de formiguinha, invisível, mal remunerado, mas às vezes a gente ganha uma homenagem também, não exatamente como fez Lennon ao lembrar Jesus, nem ganho uma plaquinha de metal numa caixinha de veludo ou mesmo um busto em bronze na praça, mas minúsculas homenagens em efêmeros papeis. Essa semana apliquei provas e mandei que escrevessem o que aprenderam na Educação Física durante o ano. Como Lula, me emociono, porque agradecem por escrito o que ensinei, coisas que não sabiam, coisas que a mídia omite, claro. Muitos citaram as aulas sobre a cultura africana de cooperação, amor e cuidado Ubuntu, muito mais cristã que a cultura da guerra e da eliminação que os esportes pregam. Outros lembraram a exclusão das mulheres ao longo da história dos Jogos Olímpicos, ou a ainda presente segregação dos deficientes nos eventos esportivos. Alguns se flagram do sexismo dos organizadores dos Jogos que exigem que as mulheres vistam maiôs ou biquínis para competir enquanto os homens cobrem nádegas e coxas com longas bermudas. Muitos perceberam que as drogas onipresentes em todas as competições olímpicas e mesmo nos jogos escolares de Osório são porque a sociedade adoece os indivíduos, os levando a acreditar que somente se derrotarem os outros serão alguém na vida. Essa música de Lennon é de 71, logo em seguida, em 79, o Pink Floyd, outros ateus ingleses (cidadãos do império opressor bretão), fizeram todo um disco refletindo sobre os professores e as escolas e também se perguntando: o que a gente fez? A escola está na base de tudo. O que devemos ensinar para as crianças? Paulo Freire disse certa feita que não há nada que seja mais revolucionário do que ensinar a pensar. Noutra ocasião ensinou como um professor chega a vida eterna: “O educador se eterniza em cada ser que educa”. Estou com a consciência tranquila, eu consigo responder a pergunta de Lennon e de Roger Waters. Ensino a pensar, ler o cotidiano de maneira crítica. Eu também estou construindo o reino que Deus quer, de amor, cuidado e solidariedade, assim como Jesus ensinou a fazer, Freire instigou a fazer e Lennon e Waters nos questionam se fizemos. Amar, não competir.