Mais um textículo (1998) retirado das catacumbas do bolo de cartas,,,
Ontem foi um dia legal. Acordei as oito da manhã sem despertador. Olhei pelas frestas da janela e o dia estava molhado e frio, pensei: Oba! Não tem dia melhor para andar de bicicleta. Tomei café, dei uma folhada na Zero, ajeitei a bici, peguei umas bananas e sai. Nos primeiros minutos eu tremia de frio, mas por dentro eu estava contente e assobiando, sabia o que aquilo significava ali adiante. Logo eu estava quente e suando, os pedais pareciam super soltos e giravam com uma leveza entusiasmante. O ar agora estava fresco e puro, uma garoa finíssima jogava um spray nos meus óculos. Uma gota se formou na ponta do meu capacete e ali ficou. As vezes eu ficava vesgo e olhava para ela, ela ia de um lado para outro seguindo o balanço do meu corpo, mas não caía. Subi o Morro do Osso e desci pelo lado da Cavalhada. Não tinha ninguém nas ruas, única coisa que eu ouvia era o som dos pneus brincando com o asfalto molhado e a minha respiração -Sssss, fuu, sssss, fuu, sssss- As vezes penso alto ou cantarolo sozinho, who’d care, anyway ? Resolvi seguir para a “Boa”. A Boa é uma estradinha de terra que sobe serpentiando um morro que parece ainda estar um pouco esquecido pela modernidade. Comecei a subir lenta e pacientemente o lombão. Lá as galinhas correm espantadas da bicicleta e as vacas ficam te olhando passar desconfiadas. Um velhinho de chinelo de dedo e chapéu de palha capinava com uma enxada. O cheiro do lugar era aquele que mistura grama, terra e bosta molhadas, me vem na cabeça uma sensação de alegria, lá da infância. A cerração lá estava tão densa que os sons ficavam abafados. Coloquei os óculos na ponta do nariz para que não embaçassem, a essa altura já estava suando em bicas, que bom que estava bem frio ontem. A Boa é boa porque se demora muito para subir, que prazer que dá! -O ciclismo é um esporte que se desenvolve “contra o vento e lomba acima”, quem gosta destas situações, gosta de ciclismo. É contra o vento e lomba acima que os adultos se diferenciam das crianças, os fortes dos fracos, os tenazes e persistentes dos débeis e desistentes. Quando eu cheguei lá em cima, que beleza, dava para ver sobre a serração o Morro da Ponta Grossa e o Guaíba. Barbaridade, como eu sou feliz quando os sentidos ficam assim a flor da pele! Será que alguém já viu e sentiu todas estas coisas? I wish someone was there, so I could share. You might say: “-Share what? ...Huffing and puffing up hill? No tanks.” No, not that, but just that nice feeling of being alive.
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