Acabei de assistir ao filme Capitão Fantástico. Trata de uma
família que vive de forma alternativa no interior dos Estados Unidos. O local é
muito parecido com a minha Barra do Ouro, com vales, florestas de encosta,
escarpas rochosas, animais selvagens e pequenos rios de corredeiras. Nos
trailers e nos primeiros momentos do filme, fiquei empolgado com a temática e
curioso com o desenrolar da história. Um casal cuida e instrui seis filhos,
nenhum frequenta a escola ou tem algum contato com a sociedade organizada. Lembrei
de muitos vizinhos que empreenderam fuga das cidades e também acreditam que
seus filhos terão vidas mais saudáveis e felizes sem a segurança do aglomerado
urbano. Eu mesmo sou um, corri para as montanhas tentando me salvar. No cinema,
mesmo afastadas da formação acadêmica, as crianças tem educação rigorosa. Lêem
os clássicos da literatura mundial, aprendem outros idiomas, estudam matemática,
física e biologia e passam por exames em casa. Além disso, mesmo os pequenos
tem treinamento militar de corrida, escalada, defesa pessoal, sobrevivência na
selva, caça e construção de abrigos. As crianças são responsáveis por cuidar da
horta, cozinhar, arrumar e limpar suas próprias coisas. O desenrolar da trama
nos leva a refletir sobre vantagens e desvantagens da educação em casa (unschooling),
do convívio com a natureza, do radicalismo nas escolhas, socialização, intolerância
religiosa, relacionamentos familiares, alimentação saudável e muitas outras
questões pertinentes. É difícil até perceber o que o diretor gostaria de
evidenciar, se há algo, porque o filme é bom em expor as muitas mazelas sociais
da atualidade. O enredo vai aos poucos tomando partido e o esforço daqueles
pais em educar seus filhos da melhor maneira possível começa a ser desconstruído:
Eles passam a ser pintados como malucos desajustados que põe em risco a vida da
prole em nome de ideais estapafúrdios. E as cores do quadro são fortes. Apesar de,
segundo o filme, com aquele estilo de vida, as crianças obterem melhor
condicionamento físico, melhor aptidão para interpretação de textos,
conhecimentos sobre flora, fauna, clima e relevo da região onde vivem e
autonomia numa situação difícil na natureza, são completamente despreparadas
para interagir adequadamente com o resto da humanidade. O filme é uma grande caricatura
das pessoas que se arriscam a sair do sistema. Galhofa de forma grotesca com as
habilidades sociais dos personagens. As roupas, a ignorância sobre produtos
conhecidos como marcas de tênis ou refrigerantes, a idolatria a pensadores de
esquerda, tudo é motivo de troça no filme. Algumas cenas são patéticas, como a
comemoração do nascimento de Noam Chomsky ao invés do Natal, a participação num
velório com roupas ultra coloridas ou aquela que o adolescente pede a mão da
menina em casamento após o primeiro beijo. No final, a irresponsável decisão
das crianças e adolescentes, claro, é ficar naquela vida de parque temático
militar, pois seriam incapazes de decidir diferente. Mas o pai, com o resíduo
de sanidade mental e maturidade que o filme lhe reserva, decide morar numa casa
normal ao lado da estrada, faz a barba e põe todo mundo na escola. O filme acaba
com esse grande Ufa! O movimento de unschooling e interiorização está ganhando
muita força no mundo, especialmente nos Estados Unidos. Capitão Fantástico me
incomodou uma barbaridade. É uma história forjada para sutilmente desmerecer o
esforço de construção de uma nova sociedade, com outros valores. O começo do
filme é cheio de elogios àquela proposta de vida, mas, do meio para o fim,
começa a didaticamente “provar”, por A+B, que a tentativa é um disparate de
loucos. É um filme que recomendo vivamente que assistam, mas com esse olhar
crítico, o roteirista discorda do unschooling. Proponho que todos vejam e
comecem a pensar num outro roteiro, com outro final. Que seja também num local
lindo, quem sabe até aqui na minha Barra do Ouro, com bela fotografia e
crianças de revista de moda. Mas que agora haja uma integração social normal,
que haja vizinhos, visitas e que a caricatura agora seja das crianças da cidade
grande, obcecadas pelo consumo, obesas, que sofrem e praticam bullying e que não conhecem nenhuma
espécie nativa da região onde moram.
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