A competição da eleição
Foi na cidade de
Atenas na Grécia antiga que inventaram a democracia. A palavra vem de “demos”,
que significa povo, e “kratos”, que significa poder. Ou seja, o poder emanava
do povo. Qualquer cidadão podia propor problemas para debate e todos votavam na
melhor solução exposta, aquela com a maioria dos votos ganhava. Ou seja, se
realizava uma competição de ideias. O proponente falava em voz alta, no meio da
plateia, o problema e sua proposta de solução, outras pessoas poderiam oferecer
soluções alternativas àquela, no entanto, a decisão eleita como a melhor pela
maioria era soberana e obrigatoriamente seguida por todos. Claro que, naquele
tempo, esse sistema de tomada de decisão para o funcionamento da “polis”,
cidade em grego, era muito embrionário e cheio de erros grosseiros aos olhos de
hoje. Mulheres e pessoas escravizadas, por exemplo, não eram considerados
gente, eram objetos negociáveis e sem direitos, como casas ou carretas, portanto,
não faziam parte do povo e não tinham direito a falar ou votar na “ágora”,
palavra que significa reunião ou assembleia. Somente uma pequena elite
dominante, os homens livres nascidos na cidade, podia participar do processo. Isso
significava menos de 10% da população, era um sistema aristocrático. Absolutamente
qualquer assunto poderia ser colocado em votação por qualquer eleitor, inclusive
assuntos estapafúrdios como qual o melhor tempero para salada da próxima festa
na casa do Jorginho, qual atleta de arremesso de disco deveria ser o
representante da cidade nos jogos olímpicos ou se o Vanderlei era mesmo o melhor
flautista da cidade. Sim, eram nesse nível os assuntos propostos pelos
eleitores atenienses. Um assunto, por mais idiota que fosse, poderia se tornar
público e digno de apreciação por toda polis se proposto como tema de debate na
ágora. Mas, perceba que dificilmente alguma pauta do interesse dos dominados
seria colocada em debate, os dominantes é que determinavam o que seria
apreciado nas assembleias. Naturalmente, esse sistema tinha críticos. Platão, o
grande filósofo, talvez seja o mais conhecido deles. Na hora de defesa de seus
pontos de vista, Platão não tinha a mesma eloquência de outros oradores e
perdia no gogó, era um notório derrotado nas votações. Toda sua obra, de certa
forma, é um grande deboche a democracia. Ele acreditava que os eleitores eram
muito ignorantes e facilmente enganados por retóricas apelativas para o senso
comum. Se algum bom orador surgisse com uma polêmica na hora das votações, ainda
que falsa, a ágora se inflamava e votava contra propostas mais sensatas e em
favor do polemizador. Bons oradores eram contratados por muito dinheiro por
quem queria ver sua proposta eleita e obedecida por todos. O principal personagem
dos diálogos de Platão era Sócrates, um homem muito feio, pobre e fedorento, que
andava descalço e maltrapilho, mas que questionava inteligentemente os mais
famosos e bem pagos oradores da ágora, os colocando questões constrangedoras
que não sabiam responder. Platão queria provar, que mesmo os maiores vencedores
de votações na ágora, eram ignorantes em assuntos pertinentes. Junto da
democracia, surgiu a indústria da manipulação do povo. Mesmo com todos esses
poréns, a ideia de democracia, onde cada pessoa valia um voto, era uma grande
evolução diante de outras formas ancestrais para tomada de decisões existentes
até então. A regra mais comum da época era que o poder vinha de um chefe tirano,
filho do antigo chefe já morto. O poder costumava ser hereditário.
Qual seria o
sexo dos anjos? O debate sobre essa questão tomava o tempo de grande parte da
intelectualidade europeia durante a idade média, mas hoje em dia não tem mais
tanta importância, sumiu da pauta das decisões a serem tomadas, pois era um falso
debate, sobre coisas irrelevantes. Algumas outras perguntas clássicas que
pareciam já ter sido respondidas pela humanidade ensaiam uma volta: a Terra é
plana? As ideias humanas vão evoluindo, nem sempre em direção a sensatez.
Quando criança, visitei com a escola o Palácio Piratini e o Museu Júlio de
Castilhos na rua Duque de Caxias em Porto Alegre. Na garagem do museu, havia
uma carruagem em que o cocheiro ia sentado logo atrás dos cavalos, numa tábua
no lado de fora, já o privilegiado passageiro ia abrigado dos humores
climáticos numa cabine com janelas e portas envidraçadas, com cortininhas e
bancos estofados em couro. Li na plaquinha explicativa que se tratava de um “landau”
de uso exclusivo do próprio Júlio, então presidente do estado. O landau me
impressionou, na época admirava muito um carro produzido pela Ford que tinha
exatamente esse nome, cinco vezes mais caro que a Brasília amarela de meu pai.
Entendi o significado daquilo, ter um landau era um privilégio de poucos,
veículo digno de finos aristocratas, obviamente isolados fisicamente da plebe
rude que tomava chuva na cabeça. No entanto, um Ford Landau era mesmo um grande
avanço para uma sociedade melhor em relação àquele de Júlio. Era um veículo muito
mais rápido, não exigia maus-tratos aos animais, não defecava ou urinava nas
ruas, não fedia a suor, não sapateava cascos ferrados em pedras de granito do
calçamento sendo muito mais silencioso, além de ser uma grande concessão da
elite dominante com o condutor, um avanço social, pois o motorista ia dentro da
cabine e também usufruía dos seus confortáveis bancos em couro, telhado, janela
envidraçada e até ar-condicionado. Na minha cabeça de criança, os problemas
humanos estavam todos equacionados com aquele carro. Felizmente, há muitos anos
a Ford tirou o Landau da linha de produção porque consumia gasolina como uma
plataforma de petróleo em chamas, era muito inseguro em caso de acidente, além
de que aristocratas com motorista começaram a ficar mais raros e politicamente
incorretos. As inquietações humanas mudam conforme avançam as técnicas e as
dinâmicas sociais. Discussões sobre o sexo dos anjos foram soterradas para dar
lugar a debates sobre direitos humanos e trabalhistas, preocupações ambientais
ou até mesmo direitos dos animais.
No tempo em que
os landaus de Júlio de Castilhos eram feitos por marceneiros habilidosos, não
existiam cintos de segurança para os passageiros do veículo. Já quando a Ford
produzia os seus em série, cintos de segurança começaram a ser oferecidos como
opcionais que encareciam os carros, muita gente os dispensava na hora da compra,
pois não havia legislação para punir que não os usava. Hoje em dia, temos um
alarme se os cintos de segurança obrigatórios não estão afivelados mesmo num
carro popular. Além deles, existem muitos outros sistemas eletrônicos de
segurança que foram sendo desenvolvidos, como airbags ou freios ABS, todos para
proteger os passageiros dos erros dos próprios motoristas ou de outros veículos.
São todos recursos obrigatórios, não se vende mais automóveis sem eles, pois as
estatísticas provam que para sociedade sai mais barato pagá-los na fabricação
dos veículos do que arcar com despesas médicas depois. A história provou que os
mecanismos de segurança são necessários para proteger as vidas da própria estupidez
humana. Futuramente riremos da segurança dos carros atuais, assim como achamos
engraçado a fragilidade da tábua em que sentava o cocheiro no landau de Júlio.
A brutalidade da diferença social que aquele assento denuncia, também será
destacada como absurda. No entanto, se questões sobre a obrigatoriedade dos
acessórios de segurança fossem colocadas para o povo decidir numa eleição,
muito provavelmente decidiriam por carros mais baratos e sem tais equipamentos,
também não veriam problemas em o motorista ir na chuva, desde que a cabine do
dono fosse protegida da intempérie. O eleitor médio não tem os conhecimentos
necessários para saber da magnitude da importância coletiva dos acessórios de
segurança. Enquanto foram opcionais, airbags e freios ABS foram sempre
preteridos em favor de carros mais baratos.
Já está claro,
para quem pensa o setor, que os automóveis não poderão ser guiados por seres
humanos, essa mudança já está em curso, porque errar é humano. Os carros
autônomos já estão sendo desenvolvidos com sucesso, as máquinas podem ser
projetadas para conduzir o veículo com muito mais segurança: um computador não
sente sono, não bebe, não se distrai, não se irrita, não se apressa, não se
perde, não sente raiva, não tenta se vingar de uma fechada no trânsito, não
esquece a necessidade de manutenção, não acende um cigarro, não precisa olhar
para trocar uma música na playlist e não para na beira da estrada para um xixi.
Essa ideia de um computador nos guiar por aí parece bizarra agora, mas pense
bem: atualmente, ninguém refaz no papel as contas que uma calculadora eletrônica
realiza para ver se realmente estão certas. Já confiamos cegamente no resultado
apresentado no visor da máquina. Ninguém mais escreve uma carta, põe num
envelope e posta no correio. Mandamos mensagens eletrônicas e confiamos que
quem responde realmente é nosso interlocutor humano, o computador não está
inventando as respostas. Médicos tomam decisões observando exames feitos por
máquinas que nem precisam entrar nos nossos corpos para diagnosticar problemas
de saúde. Falta pouco tempo para o próprio médico ser substituído por uma
máquina, como nos alerta o historiador israelense Yuval Noah Harari, pois as
máquinas também podem aprender a observar padrões nos exames. Aliás, poderão fazer
isso com muito mais precisão que um falível ser humano.
Mesmo Platão,
pensador genial que ainda é estudado 2500 anos depois de sua morte, não via
problema em mulheres serem excluídas das votações ou a existência de pessoas
escravizadas. Em nenhum momento, ele propôs mudanças sociais no sentido da
inclusão desses dominados no processo decisório da ágora. Ao contrário, ele
defendia que assim seria o certo para a ordem cósmica funcionar direito. Por
fazer parte da elite dominante, jamais lhe ocorreria propor o fim desses
absurdos morais. Se você não sente algum desconforto nas relações sociais, obviamente
não é um dominado, nunca proporá mudanças. Porque? A vida está boa para você,
já que é um dominante. Mas, vamos fazer um exercício mental imaginando que
Platão ou algum outro cidadão ateniense propusesse a inclusão das mulheres e
escravizados. A proposta não seria nem colocada em debate, pois o organizador
da pauta do dia na ágora não permitiria. E, ainda que tal proposta fosse
colocada em votação, perderia de goleada. Por quê? Ora, basicamente porque
seria como perguntar: Você quer ter igualdade de direitos com seus dominados? Você
quer deixar de ser dominante? Não, seria a resposta óbvia. Mas essa pergunta
jamais foi formulada por qualquer grego e os privilégios se perpetuaram através
dos séculos. Platão só era contra a democracia porque percebia que o sistema
colocava a responsabilidade da decisão do que é melhor para a polis nas mãos de
pessoas que não eram preparadas para tal, ignorantes. Aí está o que é a
democracia.
Demorou 2500
anos, desde a criação desse sistema decisório, para a escravidão entrar em
pauta e ser finalmente reconhecida como abjeta, mais tempo ainda para que
pessoas pobres e sem posses pudessem votar e as mulheres foram as últimas a
entrar no sistema como eleitoras aptas. No Brasil, somente em 1932, mulheres adquiriram
o direito ao sufrágio depois de muita luta, porém, somente com o consentimento
por escrito de seus pais ou maridos. Aparentemente, agora que os dominados
estão incluídos no sistema e podem propor pautas para apreciação pública, o
sistema está perfeito. Esse pensamento está tão equivocado como minha crença infantil
que o Ford Landau equacionou os problemas sociais ao oferecer abrigo ao
motorista ou que tenha resolvido os problemas de poluição tirando bosta e xixi de
cavalo das ruas. Os eleitores ainda se inflamam na hora das eleições com falsas
polêmicas, os temas pautados para apreciação nas assembleias muitas vezes não
são relevantes, e, principalmente, a manipulação das opiniões grassa. Na
eleição para presidente de 2018, Jair Bolsonaro, militar aposentado aos 33 anos
por problemas mentais, era sem dúvida o menos preparado dos candidatos, ele
mesmo admitia sua ignorância em relação a assuntos importantes como economia e
relações internacionais durante a campanha. Mesmo assim foi para o segundo
turno contra Fernando Haddad, mestre em economia e doutor em filosofia.
Bolsonaro ganhou as eleições basicamente assustando o eleitorado dizendo que se
Haddad fosse eleito, kits gay seriam distribuídos nas escolas para que as
crianças virassem homossexuais e mamadeiras de piroca seriam distribuídas nas
creches para que os bebês já fossem se iniciando sexualmente. Apesar de patéticas,
essas alegações pautaram o debate da população e foram decisivas no resultado
do pleito. Em outro caso conhecido, Manuela D’Ávila liderava as pesquisas para prefeito
de Porto Alegre, mas, nas últimas semanas antes da eleição, brotaram boatos de
que ela ofereceria carne de cachorro para a alimentação das crianças nas
escolas e transformaria a cidade numa Venezuela. Assustada, a população votou
no outro candidato, Sebastião Melo, tido como menos preparado pela imprensa
local. Por mais que os boatos sejam uma galhofa ridícula, o povo não consegue
distinguir o que é verdade do que é invenção. Não que o povo seja incapaz para
decidir, mas sim porque ignora as verdadeiras propostas de cada candidato e
suas consequências. Por mais que haja tempo para campanha, o eleitor médio está
ocupado demais com seus afazeres para prestar a atenção devida ao debate. João,
que trabalha no posto de gasolina, chega em casa exausto e não quer refletir
sobre educação das crianças que ele nem tem. Maria, que sustenta sozinha seus
dois filhos fazendo faxinas, ao chegar em casa ainda tem que preparar a janta
para a família, nem tem tempo para pensar nas relações internacionais. Agora quem vota não são aristocratas que não trabalham e podem dedicar algum tempo
para refletir sobre os destinos da polis. As demandas são tão diversas, que
atualmente a democracia não é mais direta, mas sim representativa. Elegemos
pessoas que pensam parecido e delegamos a elas o direito de decidir por nós,
inclusive pagando salários para que se dediquem a isso. Ninguém que trabalha
quer ficar refletindo sobre profundas questões econômicas, sociais, ambientais
ou políticas, a reflexão pode se tornar filosoficamente exaustiva. Além disso,
a população atual de eleitores aptos a votar em algumas cidades e países é tão
maior que na antiga Atenas, que é impossível reunir todos em assembleia. Assim
as possibilidades de manipulação aumentaram muito. Polemizadores com eloquentes
discursos, exatamente como aqueles da ágora, são eleitos representantes. Depois
de 2500 anos, o sistema não evoluiu muito, Platão diria que está até pior:
aumentou a massa de ignorantes manipuláveis aptos a votar.
O grande
problema de uma eleição é que se trata de uma competição. O sistema não prevê a
construção de um consenso, mas sim a derrota de muitas propostas em favor de
uma. A previsão de um segundo turno agudiza a competição, proporciona terreno
fértil para conchavos de toda ordem e uma grande polarização ideológica. O
sistema como está desenhado atualmente desenvolve e aduba o ódio na sociedade.
Esse problema, ao longo dos séculos, só vem aumentando. Os esportes são uma
grande ferramenta da elite dominante para se perpetuar no poder, solidificam no
imaginário popular a justiça do sistema: é normal que muitos saiam derrotados e
somente um seja vencedor. Não é por acaso que os esportes tenham papel tão
importante na sociedade atual. Servem para ensinar a lei da selva ao povo: o
melhor vence. O resto que resigne-se a derrota. Perceba que os dominantes de
determinada modalidade são sempre os mesmos. Como exemplo, examinemos as regras
dos campeonatos de futebol no Brasil. Os times da série A do brasileirão são quase
sempre os mesmos. A regra determina que somente quatro dos vinte times cairão
para segunda divisão no ano seguinte. Coincidentemente serão os quatro que
geralmente retornam a primeira divisão depois de uma rápida punição de um ano.
A estabilidade dos participantes da série A é notável. Dominante não quer
deixar de ser dominante, portanto cria regras para que se perpetuem no poder.
Há um belo discurso, que as regras são justas, que qualquer time do Brasil pode
participar por seus méritos, mas a realidade é diferente do discurso. Os times
que estão próximos ao grande manancial de dinheiro da série A são sempre os
mesmos e isso proporciona comprar os melhores jogadores para que obtenham
melhores resultados. É um circulo vicioso planejado para parecer justo. O povo
cai direitinho nessa conversa manipuladora de eloquentes oradores que ganham
farto tempo para discursar em todas as mídias possíveis. O próprio fato de os
jogadores serem negociados como coisas, são “comprados”, já denuncia a
perversidade corrupta da atividade. Mas o povo não só está acostumado com isso
e aceita como justo como aplaude em pé e até colabora com dinheiro para que as
coisas fiquem como estão.
O povo é dominado e facilmente manipulável pela elite, pois não tem tempo para filosofar sobre coisas reais. As mídias enchem as cabeças da população com debates intermináveis sobre questões absolutamente irrelevantes: a falta foi dentro ou fora da área, o Grêmio deveria escalar o Joelson no lugar do Bita? O novo técnico do Inter vai conseguir reverter a situação ruim no campeonato? Programas esportivos são colocados nos horários nobres, coincidente com a folga da classe trabalhadora, nas noites ou finais de semana. Quem trabalha não pode ficar gastando energia em reflexão em coisas pertinentes se está tão atarefado decidindo questões em falsos debates que preenchem suas mentes. Em todos os telejornais, jornais impressos, programas de rádio, sites de notícias, os espaços para o esporte são fartos. Se você notar, no início de uma transmissão de um evento esportivo, o narrador sempre faz questão de dizer que aquela é uma partida “muito importante”. No entanto, uma análise fria revela que qualquer partida só tem importância para a elite dominante ir passando a boiada por gerações enquanto João e Maria são distraídos para refletir sobre futebol ou outro esporte qualquer. Antônio Carlos Magalhães herdou o poder na Bahia e ficou nele até a morte quando cedeu o cetro para seu neto. José Sarney, no Maranhão, não larga o osso há 65 anos e seus filhos estão na política também. Os Amin e Borhausen em Santa Catarina. No Brasil inteiro as oligarquias se perpetuam no poder assim como o Flamengo ou o Corinthians no futebol. O poder acaba sendo hereditário, como antes da democracia ser inventada. Apesar de as regras democráticas preverem fim do mandato, os dominantes as criam de forma que se perpetuem no poder com um verniz de acaso ou meritocracia, assim como no futebol. Vereador vira deputado estadual, que vira federal, que vira senador, que se elege prefeito, depois governador e então tenta a presidência e lá se foram sessenta anos e seus filhos já são deputados. História comum que a regra permite. Nos Estados Unidos, mais de uma vez o mais votado não foi o eleito. Hillary Clinton foi a mais votada quando Trump se elegeu, porque a regra das eleições foi escrita de forma bizarra para garantir que sempre os mesmos oligarcas ficarão no poder. Em Osório, a mesma coisa. O sétimo vereador mais votado nas últimas eleições foi uma mulher negra, mas ela não se elegeu, porque a regra maquiavelicamente é desenhada para que os mesmos de sempre estejam na câmara. Somente homens brancos ocuparam as nove vagas. João e Maria são barbaramente manipulados a acreditar que as coisas só podem ser assim, já que sempre foram. Os próprios dominados, incrível fenômeno antropológico, seguem votando para ser governados pelos mesmos dominantes de sempre.
Platão admitia que a democracia pudesse funcionar somente se os eleitores passassem por uma escola de filosofia política, ética e cidadania. Ele argumentava, através de seu alter ego Sócrates, que ninguém quer uma pessoa ignorante no comando de um navio. Para que o navio chegue ao seu destino em segurança, é bom que o capitão seja uma pessoa instruída em navegação. A analogia é boa: Quem decide os destinos de uma cidade tem que ser uma pessoa especializada em administração pública, não qualquer um. Aqui no Brasil, de dois em dois anos temos um pleito em que qualquer um tem que decidir qual a melhor proposta para governar a cidade, o estado, o país, mas esse qualquer um não tem a menor ideia de qual seria a melhor e muitas vezes erra elegendo aberrações como o palhaço Tiririca ou o goleiro Danrlei como representantes. Quando o voto era por escrito, o rinoceronte Cacareco teve quase cem mil votos para vereador em São Paulo em 1959. Sério. Claro que a democracia com a qual Platão lidava no cotidiano e planejava para o futuro era como aqueles landaus de madeira de Júlio de Castilhos, onde os servos vão segregados dos aristocratas. Ele nem teve a oportunidade de conviver com democracias Ford Landau em que o motorista tem direito a usufruir dos mesmos confortos do patrão e mulheres e empregados votam, mas gastam muita energia. A democracia evolui, assim como os veículos de transporte de passageiros. Platão não podia imaginar, com as técnicas que existiam então, uma democracia autônoma, cheia de equipamentos de segurança, um algoritmo cibernético de decisão da polis que protege os cidadãos de seus próprios erros. Atualmente a técnica pode produzir um super computador que decida sem a necessidade de uma fratricida competição eleitoral. Basta programá-lo com as leis da robótica de Asimov e alimentá-lo com os dados do local. As instruções do programa são que as riquezas produzidas pela coletividade tem que garantir igualdade de acesso a casa, alimentação, educação, saúde, transporte, segurança, sossego, preservação da natureza e demais necessidades para todos e o excedente ser investido em demandas de ocasião do povo. Uma máquina assim instruída gerenciaria com tranquilidade a sociedade, não haveria pobreza, diferença social, acabariam os privilégios e a criminalidade seria quase zero. A máquina não se corrompe, não tem amigos ou parentes que queira beneficiar, não dorme, não cansa, não tem vícios nem ambições, não se inflamava com assuntos estapafúrdios. Numa situação como a da atual pandemia, que para um ser humano é difícil de lidar, pois nunca viveu, a regra da programação protegeria a coletividade em favor de apetites individuais, a vacinação seria obrigatória para todos por que a doença ameaça a coletividade. As máquinas sempre foram ótimas para resolver problemas mundanos com muito mais eficiência e rapidez que nossos melhores esforços. Qual ferramenta você prefere para cavar uma vala de um metro de fundura e vinte metros de comprimento: uma pá ou uma retroescavadeira? Big data é o futuro das cidades, sem competições, sem eleições, sem dominantes nem dominados. Lembrei agora da música Imagine de John Lennon, filósofo que morreu há quarenta anos, não da República de Platão, que morreu a 25 séculos.
Imagine
Imagine que não existe paraíso
É fácil se você tentar
Nenhum inferno sob nós
Acima de nós apenas o céu
Imagine todas as pessoas
Vivendo o presente
Imagine que não há países
Não é difícil de fazer
Nada por que matar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz
Você pode dizer que sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Torço pra que um dia você se junte a nós
E o mundo viverá como um só
Imagine que não existam propriedades
Será que você consegue?
Sem ganância ou fome
Uma fraternidade do Homem
Imagine todas as pessoas
Compartilhando o mundo inteiro
Você pode dizer que sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Torço pra que um dia você se junte a nós
E o mundo viverá como um só
- 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
- 2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei.
- 3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
- Mais tarde Asimov acrescentou a “Lei Zero”, acima de todas as outras: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.
Belo texto,colega.
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