Sexo, amor, paixão,
bicicletas, motocicletas e automóveis
Converse com
qualquer pessoa que tem carro e bebê para ouvir a mesma história: a criança
está irritada, chorando, incomodada com alguma coisa, basta dar uma voltinha na
quadra para que pare de chorar e durma. O motivo é óbvio. A cadeirinha é justa,
macia e acolhedora, o contato físico é intenso, a posição é fetal de
imobilidade física, a criatura fica presa ali, com grande restrição de
movimentos, o ronronar constante do motor e o balanço do movimento são muito
semelhantes ao útero materno. O sistema nervoso do recém-nascido interpreta a
situação da seguinte forma: bueno, agora tá beleza, estou de volta ao meu
aconchego, aqui todas minhas demandas serão atendidas automaticamente, nada
pode ser mais seguro, aqui é meu chão, daqui que vim, posso relaxar. Algo
semelhante sente um adulto que está curtindo uma praia quando chega um vento
frio e começa a chover forte. Guarda-sóis voam, o som forte do vento nas
orelhas assusta, a areia lixa as canelas, o calorzinho do sol é substituído por
pingos gelados que agridem a pele exposta. O cara recolhe tudo e volta rápido
para o automóvel. Se o meio ambiente não está mais legal, basta correr para o
colinho da mamãe. Assim que bate a porta, uma grande sensação de conforto
inunda a consciência do veranista. Ali dentro do carro o sujeito fica isolado
do meio ambiente e ainda é melhor que voltar ao útero materno por que tem
janelas que permitem a visão do exterior e até porta se quiser sair. Os
elementos da natureza que por ventura possam incomodar ficaram de fora. Até o
ruído amedrontador da tormenta é filtrado. Naquela barriguinha metálica de
bancos envolventes que a gente pode escolher a temperatura e o som que vai
ouvir na posição fetal não entra frio ou calor, vento ou chuva. Podemos relaxar
e comer uma rosquinha de polvilho desperdiçando os blues de Djavan enquanto se espera
a borrasca passar.
Essa sensação de
bem estar que tanto bebês quanto adultos temos na imobilidade física, sem gasto
energético, isolado do meio ambiente, podemos chamar de amor. Tu não percebes que
amas alguém quando tens prazer em ficar horas, bem encolhidinho no sofá,
enroscado no corpo do outro, embaixo do edredom, mascando uma pipoca
maratonando uma série de Netflix? Amor é bom, dá muito prazer, amamos
intensamente nossos carros. Faça o experimento de tirar o veículo de alguém que
tem carro há algum tempo. O sofrimento é de luto, depressão profunda. A
necessidade de caminhar ou esperar um ônibus é a certeza da eminência da morte,
sensação semelhante ao nenê que nasce e se vê cruelmente jogado ao meio
ambiente, obrigado a fazer esforço físico e interagir com os elementos da
natureza. Se entrevistados, tanto o recém nascido quanto o adulto, diriam: ponham-me
de volta lá dentro, pelamordedeus!
Agora, tente lembrar
a alegria de uma criança ao ganhar sua primeira bicicleta. Aquela maquininha movida
a pedal dá uma liberdade fantástica, na mesma tarde o guri vai subir e descer a
rua dezenas de vezes, talvez dará até algumas voltas na quadra se sua mãe
permitir. Você lembrará da criança tentando manobras ousadas, tirando a mão do
guidon, fazendo curvinhas apertadas, ficando em pé nos pedais, pedalando a toda
velocidade ladeira abaixo, dando cavalinho de pau, descendo degraus, tentando
empinar, cada dia mostrará orgulhoso suas novas habilidades para quem se
dispuser a olhar. Mesmo sozinho e sem ninguém para se exibir, a diversão está garantida,
é um momento de auto entretenimento, a hora de se dar prazer. Uma criança pode
passar horas simplesmente andando de lá para cá e a razão é realmente só essa
mesmo: prazer. Gastar muita energia em atividade física intensa, extraindo
prazer do meio ambiente, é sexo! Claro que, no primeiro tombo e ralado no
joelho, o chorão procurará a segurança. De novo, se o meio ambiente não está
mais legal, basta correr para o colinho da mamãe.
Se nunca for
apresentado aos automóveis, a criança seguirá andando prazerosamente de
bicicleta, passará toda sua adolescência gostando e entrará na idade adulta
ainda tendo prazer em circular pedalando. O prazer sexual numa pessoa que
treina todo dia nunca acaba. Há países desenvolvidos como Holanda, Suécia e
Dinamarca, que a maioria dos deslocamentos urbanos são feitos sobre bicicletas
por adultos com grandes benefícios na saúde e longevidade da população, silêncio
e poluição do ar das cidades. Os cidadãos dessas culturas muitas vezes nem
entendem o porquê de pensar noutra opção modal de transporte, mesmo abaixo de
neve, se existe essa tão prazerosa. Há muitos anos, assisti uma reportagem de
uma senhora francesa que completava 124 anos e estava lúcida e conversando. Ela
contava que o que mais sentia falta era de andar de bicicleta, pois o médico a
proibiu de pedalar depois de um tombo em que quebrou o quadril quando tinha cem
anos.
Os automóveis
são uma das invenções humanas mais prejudiciais a saúde e ao meio ambiente. Nos
Estados Unidos, país que adotou os carros como principal modo de ir e vir, as pessoas são obesas e as cidades ruidosas e poluídas. Na Holanda, onde a
bicicleta é a opção primeira para deslocamentos urbanos, a população é magra e as
cidades são silenciosas. Se fossem inventados hoje em dia, com os conhecimentos
que temos sobre o meio ambiente global, a saúde humana, o problema da superpopulação
ou escassez de recursos naturais, os automóveis particulares seriam vistos como
uma piada de mau gosto. No entanto, o mundo os ama, um amor doentio, um vício
que faz mal para saúde e endivida as pessoas como qualquer vício.
Muito bem, você compreendeu.
Os automóveis são amor: prazer que vem da inatividade física, do isolamento dos
elementos da natureza, útero, casamento, assistir Netflix comendo Ruffles, engorda.
As bicicletas são sexo: prazer que vem da atividade física, do contato físico intenso
com o meio ambiente, do vento na cara, o nascimento, a solteirice, o gasto de
energia, emagrece. E as motocicletas? Bueno, isso é interessante de se
refletir. As motos são a intersecção entre os dois. Ao mesmo tempo em que se
fica inativo fisicamente, se interage com os elementos da natureza de forma intensa.
Tudo é intenso no motociclismo: o ruído do vento, o barulho, o calor e a
vibração do motor, a sensação de velocidade. Moto é um troço que dá muito
prazer. Qualquer chuvinha se sente na pele como uma tempestade e qualquer
ventinho um furacão. Tanto quem está habituado com carros quanto com bicicletas
fica apavorado. Moto dá medo! Costumo resumir as motocicletas com uma palavra:
paixão! Elas são intensas, apavorantes, mas apaixonantes e o usuário fica
querendo sempre mais e mais. Motos são namoro, sexo com amor, desejo com alguns
desentendimentos eventuais. Mas elas não duram para sempre. Os acidentes são
graves e geralmente, depois de passar um tempo no hospital, o cara decide por
casar com um carro, se aquietar, se meter no útero protetor da barriga de lata,
se socorrer do colinho da mamãe. Eu já fui um grande ciclista, cruzei
continentes pedalando, sexo puro. Também já fui casado com carro, fui viciado
no aconchego amoroso e protetor que proporciona, engordei bastante. Atualmente
estou namorando, feliz com minha moto, sexo e amor nas medidas exatas. Mas,
apesar de me dar muito prazer há 34 anos, motos ainda me dão muito medo, me
apavoram. Sinto uma atração incontrolável por elas, um tesão louco, tenho
alguns desentendimentos eventuais, mas as amo demais, são minha paixão. Mas sei
que se sobreviver a um tombo feio, a paixão vai evaporar. Enquanto tenho
virilidade suficiente, vou mantendo esse relacionamento tesudo.
Ai Que saudade dos teus textos.
ResponderExcluirEu prefiro o carro.o aconchego. A protecao de ter para onde ir.
Ter um ninho ê muito bom, me da seguranca sempre que sair, ter pra onde voltar.
Amei o texto.
Ai Que saudade dos teus textos.
ResponderExcluirEu prefiro o carro.o aconchego. A protecao de ter para onde ir.
Ter um ninho ê muito bom, me da seguranca sempre que sair, ter pra onde voltar.
Amei o texto.