Sobre o Natal
Talvez você nunca tenha lido ou mesmo ouvido falar, mas tem um livro muito antigo chamado Bíblia que é o que mais foi impresso em toda história. Bíblia não é exatamente um título, é o coletivo de “biblos” que significa livro. Em alguns desses livros, que essa grande coletânea de livros contém, eu li essa história que vou aqui resumir.
Atualmente, dia 25 de dezembro, se comemora o natal (nascimento) de um menino. Não que ele realmente tenha nascido nesse dia, é que ninguém sabe exatamente o dia que ele nasceu, sua história é complicada. Ele era descendente de judeus que fugiram da África (negro) para não ser escravizados, foram caminhando no deserto até a Palestina acreditando que lá teriam uma vida mais fácil (refugiado). Seus pais batalhavam muito (pobre) numa vilinha do interior (Nazaré, como a nossa Vila Verde). Sua vida não era nada fácil, sofriam com os altos impostos cobrados pelos colonizadores romanos daquela região. Para piorar, os opressores mandaram matar o primeiro filho homem de cada família judia temendo um levante étnico, já que ouviram falar que estava para nascer uma liderança importante do povo judeu. Como estavam esperando seu primogênito, os pais dessa criança que nasceria correram de volta para o Egito para escapar dessa decisão política genocida (exilado político), no lombo de um burro, mesmo com a mulher estando no final da gravidez e no auge do inverno, pensaram que seria melhor ser escravo vivo do que pobre morto. Na África, além de escapar do governante tirano assassino de crianças, também teriam a vantagem de passar despercebidos na multidão devido à sua cor de pele. O guri nasceu durante aquela viagem angustiante, torcendo para não ser parado numa blitz da polícia rodoviária ou na alfândega. A mãe sentiu as dores do parto com aquele trote duro do burro quando passavam pela cidade de Belém. O casal procurou as pousadas da estrada ao entardecer para pelo menos a mulher ter onde deitar. Mas, vendo aquele casal pobre, negro e empoeirado, com cara de fugitivo da polícia, a mulher quase parindo, gritando de dor, todo mundo dizia que não tinha lugar. Mentira, claro que tinha! As pousadas estão sempre cheias no Natal, mas nem existia Natal ainda! Claro que as pousadas estavam vazias naquele frio. Um dos hospedeiros se apiedou e deixou que passassem a noite no estábulo, entre os bichos, no meio daquele fedorão, tentando não meter os pés nas bostas e no mijo. Estourou a bolsa da mulher e a cabeça da criança coroou na sua vagina perto da meia noite e o desesperado padrasto (sim, a criança não era dele, o menino era bastardo, era um pai adotivo), sofrendo com os gritos de dor da companheira em pé naquele merdeiro, sem saber o que fazer, segurou a criança do jeito que deu. Arrumou alguma palha seca na manjedoura (coxo) em que os animais comiam para acomodar a criança ensanguentada. A mulher, exausta, se atirou finalmente no chão coberto de excrementos. E ali amanheceram os três, provavelmente aquecendo-se nos corpos dos animais, sem nem uma bica d’água para lavar aquele melelê todo. Mesmo nascendo nessa situação de extremo sofrimento, desde piá, o gurizinho já lia e até questionava os líderes da religião dos seus pais, o judaísmo, porque o que estava escrito nos livros sagrados não era o que os rabinos faziam (intelectual judeu). Não se sabe muito da vida do guri depois disso, mas ele não teve uma vida muito longa. Começou a organizar o povo a resistir à opressão romana não com armas, mas com paz e amor. Ele mesmo não aguentava e às vezes fazia uns protestos violentos, entrava dando voadeira nas bancas dos vendedores em volta do templo porque achava um desrespeito com os que tinham aquela fé. Era subversivo, ele dizia que todo mundo deveria se tratar como irmãos (fraternidade), amar uns aos outros e sugeria aos ricos que vendessem tudo que tinham para dar para os pobres, uma forma de dividir as riquezas, dividir o alimento, dividir o pão. Foi, obviamente, o primeiro comunista solidário e altruísta, o exato contrário de um individualista competitivo e egoísta. Ele defendia e ajudava ladrões, gays e prostitutas, dizia que era para perdoar sempre porque só poderia julgar quem não tivesse pecado. Ele queria que houvesse uma igualdade entre os seres humanos e que cada um pudesse ser o que quisesse na vida, todos deveriam ter liberdade. Quando ele começou a falar essas coisas, os poderosos ficaram incomodados, mandaram prender o guri (prisioneiro político). Ele foi condenado à morte por dois poderes: político (romanos) e religioso (judeus). Passou um tempo até que as fichas começaram a cair para quem tinha conversado com ele antes de sua páscoa (passagem). Hoje em dia, mais de dois mil anos após sua morte, suas palavras ainda reverberam.
Algumas pessoas que leram essa coletânea de livros, que contam muitas histórias além dessa do nascimento do pobre negrinho, entenderam que a mais tradicional família cristã era a daquele menino negro de Nazaré na Palestina; de pai adotivo, pobre, refugiado, exilado político, subversivo, bastardo, que foi parido num coxo dum estábulo de beira de estrada, que dizem que nasceu dia 25 de dezembro; e entenderam também o que ele quis dizer. Algumas pessoas entenderam o que significa o Natal, outras preferem nem ler, muito menos entender. Ele nunca pretendeu criar uma religião, ao contrário, ele deixou o judaísmo e disse que bastava lembrar o que dizia em todas as refeições: tem que dividir o pão e amar uns aos outros. Mas teve gente que não entendeu e acha que ele disse para criar uma religião, construir templos e se reunir todos os finais de semana vestindo suas roupas mais caras para adorá-lo. Na política foi onde sua filosofia teve mais penetração, todas as repúblicas modernas têm suas orientações como guia: liberdade, igualdade, fraternidade e laicidade. Acho que li o suficiente daquele livrão antigo para entender algumas coisinhas.
Procurei na internet uma imagem que representasse bem o presépio como foi, não como as pessoas que não leram acham que foi, ou se leram não entenderam o que está escrito. Quase encontrei, mas a imagem é de pessoas brancas… Achei também com negros, de igrejas cristãs na África, mas era aquela cena tradicional fofinha, não gostei. Acho pertinente fazer como o menino Jesus fez com os rabinos no templo, chamar a atenção de quem segue uma religião que geralmente o que está escrito não é o que as pessoas estão fazendo. Os meninos que nascem hoje em condições semelhantes a Jesus, e temos crianças assim na escola onde dou aulas, são induzidos a querer ser como o opressor romano, guerreiro, conquistador. Se a educação não for libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor, já dizia Paulo Freire. Lutam para ser Neymar ou Vini Jr.! Eles não leram ou se leram não entenderam o que está escrito naquele livro antigo. São individualistas, egoístas e competitivos. Felizmente, algumas pessoas leram e entenderam.
O Natal deveria ser um momento de relembrar e refletir profundamente sobre o que aquele menino negro judeu, falou. Ele não queria a vida sofrida que teve para ninguém, sempre em luta, sempre à beira da morte, com fome e frio. Ao contrário, pregava que um outro mundo era possível, um mundo onde haveria vida, e vida em abundância. Quem entendeu o que ele dizia lutou para que as coisas caminhassem para um mundo de amor, partilha e igualdade, por isso temos democracia, cotas, escola pública, merenda escolar, políticas afirmativas, SUS,... Jesus vibraria com essas coisas. Entre os que leram e entenderam, uns poucos, existem aqueles que lutam por um mundo solidário, cooperativo, fraterno, igualitário, tolerante com o diferente e esses são até perseguidos políticos exatamente por isso, como Jesus foi. Fique atento a eles e os siga, ainda que só pelo instagram.
Tiago, tuas reflexões são sempre impactantes, daquelas filosoficamente desacomodadoras. Dignas de um enriquecedor debate para aula de filosofia. Muito obrigada!
ResponderExcluirQue lindo Tiago! Chorei! Tu és o ateu mais cristão que eu conheço! A mãe tá muito feliz lá entre as estrelas... onde voam as almas que partilham a filosofia desse menino negro, perseguido, refugiado político, revolucionário da paz e do amor, solidário, socialista, comunista, filósofo e poeta! Sim Jesus foi um artista da ideologia da partilha! Deu as primeiras pinceladas para conceitos como democracia e a Carta Universal dos Direitos Humanos! Cristão é quem tem amor e empatia no coração, é quem entende que cada um é a luz, a verdade inédita no mundo e uma vida original! Quem usa Jesus pra erguer templos, oprimir as singularidades de cada ser humano único e ainda ficar bilhonário com essas atrocidades, é vendilhão do templo, é falso profeta e totalmente anticristo!
ResponderExcluirParabéns irmão! Esse papai noel é mais cristão do que os religiosos que exaltam o assassinato de Jesus vomitando frases como "Sangue de Jesus tem poder", ou outros, que tétricamente, cultivam rituais macábros de comer o sangue e o corpo de Jesus!
Prefiro exaltar a ressurreição dele e da sua história, sua filosofia ideológica que tanto inspira a humanidade a SER HUMANITÁRIA! O filho de uma DEUSA que engravidou de amor!