Bola de neve
Há 24 anos,
fiquei desempregado logo depois do ano novo, aluguei o quartinho mais barato de
um hotelzinho de quinta, era a cumeeira do telhado. No inverno, a coisa mais
esperta a fazer em Amsterdam é hibernar, eu dormia bastante. Uma vez, acordei
no meio da manhã com frio, a calefação do quartinho era uma bosta. Estava recém
clareando o dia, tinha nevado a noite inteira. Abri a janelinha para ver melhor
o espetáculo. Senti o frio entrando, sem licença, sem vento, sem nada. Olhei a
linha dos telhados de Amsterdam, tudo branco e silencioso, o único movimento
era do ar que saía de meu nariz, o único ruído era o que eu fazia na tramela da
janelinha. Fiz um punhado com a neve que acumulou ali sobre as telhas e joguei
longe no canal lá embaixo. Eu estava sozinho, sem dinheiro, sem nada para
comer, com frio, sem passagem de volta, ilegal no país, sem perspectiva de
emprego. Mas, naquele momento, vivi um êxtase eufórico e comecei a rir sozinho.
Rir não, gargalhar. Foi minha primeira bola de neve. Eu tinha vinte anos e
estava vivendo intensamente! Percebi como eu era um privilegiado de estar ali sentindo
aquele frio, aquela fome, aquela angustia. Percebi como meu coração se enchia
de esperança exatamente por isto. Percebi o manacial de alegria que aquele
momento de vida generosamente me oferecia. Era um momento épico, de filme
mesmo, e eu tive a felicidade de perceber isto na hora. A gargalhada ficou
soluçada e logo não sabia mais se estava chorando ou rindo. Vinte anos foi para
mim a idade em que o riso e o choro eram indistinguíveis e muito intensos. Como
eu queria caminhar de novo em Amsterdam! Sentir de novo aquelas emoções.
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