Mundo masculino
Cada ano de Parobé (fiz
seis) tive uma (e somente uma) colega mulher diferente. Elas fingiam não ver
nem ouvir nada, tentando ser o mais discretas possível. A gurizada, na maior
parte do tempo, nem percebia elas ali mesmo, porque eram uns buchos quietos,
como plantas, todas. Eles diziam e faziam tudo como se estivessem num vestiário
da fábrica em que trabalhavam, geralmente as gargalhadas e coçando o saco. -
Ah, não, daí eu cumi o cu daquela vagabunda, sem camisinha mesmo, azar, guspi
no pau e soquei... Tudo isso acompanhado de toda a gestuália característica.
Mas quando eles se lembravam da presença delas ali, as coitadas sofriam. Teve
uma vez no terceiro ano, quando um professor faltou num dia de chuva, ficamos
na sala contando causos, escrevendo e desenhando nas paredes e nas classes (sim,
éramos nós) e debochando uns dos outros. Tudo aos risos e empurrões, derrubando
tudo. A única que não ria de nada nunca era a nossa única colega. Um colega
tirou o pau para fora das calças e botou a trouxa toda em cima da mesa na
frente da guria. Ele disse: - Pode pegar, Cristina, não te envergonha, a gente
sabe que tu nunca viu nada assim mesmo, pode pegar, experimenta, aproveita... A
coitada da Cristina, não disse nada, não riu nem chorou, não fugiu, não se
mostrou irritada ou amedrontada, não mudou um músculo da cara ou do corpo. Se
manteve calma olhando para sua pasta embaixo da classe como sempre. Talvez
tivesse uma arma na pasta, não sei. Pode parecer estranho, mas era uma turma
que eu não via malícia nenhuma, muito engraçada, sincera, eles me faziam rir
muito. Uma das colegas, a Margarida, que se formou comigo, encontrei anos
depois. Eu e a mãe estávamos fazendo o rancho no Zaffari. Ao passar as compras
pelo caixa ela era a operadora. Percebi que ela me reconheceu e torceu para que
eu não a reconhecesse, mas também percebi que tanto eu como ela vimos que não
tinha como evitar de nos falarmos. Ela constrangida de estar ali naquela
posição servil, mal remunerada, tendo a mesma qualificação que eu. E eu
constrangido de ostentar aquele opulento rancho de filinho da mamãe, sem nem
precisar trabalhar, mesmo já tendo uma boa qualificação. É, eu gosto de iogurte
de morango... Ela tinha sido demitida logo após a formatura, como estagiária
era ótima, mas funcionária não servia. Procurou por um tempo, na área, depois
desistiu. Nas empresas em que técnicos em mecânica são necessários o clima é o
mesmo do nosso curso, só que nas empresas dá processo aquele papo de pau no cu.
Pobre das colegas, por mais talento que tenham, são, no mínimo,
desrespeitadas ali, no máximo, ignoradas.
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