Pegada Ecológica
Não
sei se tu já ouviste falar da pegada ecológica. É um conceito simples, mas as
pessoas têm dificuldades de entender. Cada ser humano tem um impacto no meio ambiente,
ocupa espaço e deixa marcas nele. Este impacto, esta marca na terra que a
pessoa deixa é chamado de pegada ecológica. Umas pessoas têm uma pegada maior e
outras menores. Tu vês, pega eu como exemplo. Hoje eu cozinhei uma vez e fiz
bastante comida para o dia inteiro. Comi um pouco no almoço e o que sobrou
coloquei na geladeira. Preparei batata doce e duas cenouras cozidas, um punhado
de arroz com meio tomate e meio pimentão para dar uma corzinha, cortei uma
cebola para fazer três bifes acebolados e usei algumas folhinhas de espinafre
de salada, usei um pouquinho de sal, umas gotinhas de óleo de oliva e um dente
de alho para temperar. Muito bem. Estas coisas todas tiveram que ser plantadas
em algum lugar que não foi aqui no meu apartamento do centro da cidade. Foram
plantadas por alguém que não fui eu, porque eu estava dormindo ou trabalhando
com as crianças. Cada cenoura precisou do que para nascer? Acho que uma cenoura
precisa de no mínimo um quadradinho de uns vinte por vinte centímetros de terra
fértil em algum lugar que bata sol e tenha água para que ela cresça. Acho que a
raiz da cenoura não explode no chão pronta de uma hora para outra, ela precisa
de uns quarenta dias para sair da semente e ficar do tamanho das que eu peguei
no super. Então, só para eu comer cenoura no dia de hoje, um pedacinho de 20
por 40cm (duas cenouras) da superfície do planeta precisou ficar quarenta dias
a minha inteira disposição. É como se eu tivesse ficado em pé, lá no campo,
quarenta dias com meus dois pezões ocupando esta área. Esta área do mundo não
pode ser usada por mais ninguém durante todo este tempo. Eu, na verdade não
fiquei lá em pé, a marca dos meus pés não está lá na terra fofa, mas a pegada
destas duas cenouras é inegavelmente minha. Se eu comesse só duas cenouras a
cada quarenta dias e vivesse pelado na rua, minha pegada ecológica no mundo ia
ser só esta mesmo: dois quadradinhos de vinte por vinte centímetros. Mas eu
como mais coisas, me visto com alguma roupa, e moro em algum lugar. Batata,
arroz, espinafre, cebola, tomate, alho e até azeitona pro azeite eu comi só
hoje. Vamos imaginar que alguém plantou uma hortinha especial só para mim comer
hoje. Digamos que ocupei um espaço de um metro quadrado de mundo durante
quarenta dias, para me alimentar somente hoje. Somente um exercício mental,
para fins didáticos, porque só a oliveira ocupa um espaço grande por muito
tempo. Vamos pensar em termos de fração ideal de espaço e tempo. Bom, alguém
teve o cuidado de plantar e tratar desta horta ideal para mim, porque eu não
precisei fazer nada. Digamos que esta pessoa que ficou lá cuidando da minha
horta seja parecido comigo, mesmo tamanho, mesmo peso. Ele também vai ter que
comer, tanto quanto eu. Então, para que eu e ele tenhamos comido hoje, dois
metros quadrados de mundo vão ter que ficar a minha disposição. Mas, se eu
quiser comer amanhã e nos dias seguintes, daí as coisas começam a complicar.
Não posso plantar as coisas da refeição de amanhã no mesmo terreno das de hoje,
as plantas não crescem empilhadas em edifícios como nós. Então, outro metro
quadrado ensolarado de terra fértil bem irrigada terá que ser ocupado para mim
e outro para o agricultor que planta e cuida da minha hortinha ideal. Somente
passados quarenta dias, desde que plantei até o momento da colheita do
alimento, eu posso começar a repetir o terreno. Fazendo as contas, quarenta
metros para mim e mais quarenta para o agricultor, dá oitenta metros quadrados,
só para eu comer. Minha pegada ecológica já se mostra bem grandinha, né? Um
terreninho de oito por dez metros. Na verdade é bem mais que isto, mas, para
fins didáticos, está bom. Isto, claro, se eu só comesse vegetais. Se eu quiser
comer carne daí minha pegada ecológica quadruplicará. As vacas, porcos,
galinhas, estes danados, comem muito. As coisas que eles comem também tem que
ser plantadas e cuidadas. Eles tem pegada ecológica própria e é muito maior que
a humana. Se eu como animais, a fração ideal da pegada ecológica deles tem que
ser incorporada a minha. Eles só são criados porque eu os compro. Os animais
também tem que ser cuidados por alguém, que seja o pecuarista, o avicultor, ou
o suinocultor. Eles também comem e eles só não estão fazendo outra coisa porque
eu desejo comer carne, ou queijo, ou presunto, ou ovo, ou beber leite ou até
passar uma manteiguinha ou requeijão no pão. Como eu como carne em quase todas
as refeições, não cuido de nenhum bicho eu mesmo, a pegada ecológica dos
cuidadores de bicho tem que ser somada a minha.
Ao
fim, para te resumir, a pegada ecológica de um vegetariano é cerca de dois
hectares, mesmo com os modernos meios de produção agrícola de alimentos que
existem atualmente. Antigamente eram vinte hectares. A de uma pessoa que come
carne aumenta para algo em torno de nove hectares.
Sabias
que agora que a população do mundo já está batendo em sete bilhões de pessoas
(além das sete bilhões de cabeças de gado e 18 bilhões de porcos) a ONU está
pensando em como fazer para que o consumo de carne diminua. Eles se flagraram
que não dá para todo mundo comer carne. E eles só se deram conta disto quando
os chineses e indianos passaram a comer carne de uma hora para outra com a
melhoria e abertura de sua economia. Eram só um bilhão de pessoas que comiam
carne no mundo, de repente virou três bilhões. A Amazônia está sendo desmatada
para plantar soja que vai alimentar o gado que os chineses e indianos passaram
a comer. A pegada ecológica daqueles esquisitos asiáticos pisoteia até o Brasil
se eles comem carne. Não é que a ONU quer evitar que o pobre coma bem. A ONU só
percebeu que aquele bilhão, aquelas pessoas privilegiadas que comiam carne
antes, viviam numa opulência imoral e insustentável que simplesmente não pode
ser compartilhada por todos os habitantes humanos do planeta.
A
humanidade vem evoluindo aos poucos. Primeiro lutamos contra o xenofobismo, a
discriminação e exploração de pessoas de outras culturas. Depois lutamos contra
o racismo, a exploração e discriminação de pessoas de outras raças. Depois a
humanidade lutou contra o sexismo, a discriminação e exploração de mulheres. Agora
estamos lutando contra o especismo, a discriminação e exploração de outras
espécies animais. Quem luta pelos direitos dos animais agora é arrogantemente
debochado, desdenhado e ridicularizado exatamente como quem lutava pelos
direitos dos negros ou pelos direitos das mulheres um dia foram. Os pioneiros,
sensíveis, inteligentes e extraordinários, sempre sofrem com a ignorância e
brutalidade da grande massa de ordinários. Até a ONU, aquele bando de brutos
ordinários, só admitiu agora que a luta dos vegetarianos era de extrema
importância para a sobrevivência da espécie humana. E eles só estão admitindo
porque não tem mais como escapar disto. Os vegetarianos agem localmente, mas
pensam globalmente. Fazem o mínimo que cada um deve fazer. Detalhe: eu como carne,
não sou nem sensível, nem inteligente ou extraordinário.
Outra coisa
interessante do conceito de pegada ecológica é que não se limita somente aos
alimentos. Ela engloba tudo que tu consomes. Te veste? De onde vem o algodão
para fazer tuas roupas? Foste tu que fiou e teceu o algodão? Ah! É de lã? Onde
que criaram a ovelha? Foste tu que cortou e costurou o tecido? Tens casa? De
onde veio os tijolos para fazer tua casa? E o cimento? Foste tu mesmo que
construíste? Algum morro teve que ser cortado para tirar as pedras da fundação
de teu inocente lar. Tua pegada está lá também! Tens carro? De onde veio o aço
e o alumínio usado na sua fabricação? Para cada quilo de aço, quatrocentos
quilos de minério tiveram que ser extraídos de algum lugar por alguém. Um carro
pequeno tem mil quilos. Isto são quatrocentos mil quilos de morro que tiveram
que se deslocar para fabricar um único carrinho. Tua pegada está começando a
pesar no mundo. Depois de alguém ter minerado, outro alguém aqueceu este
minério a 1600 graus para que o ferro derretesse e se separasse da terra.
Depois alguém levou este ferro bruto a uma siderúrgica onde aqueceu de novo
para fazer o aço. De novo alguém levou os lingotes de aço para laminar e fazer
chapas e barras. Depois ainda outro alguém teve que moldar as chapas para fazer
o carro. Alguém teve que transportar o carro para a revenda, alguém teve que
ficar lá na loja esperando para te vender o carro, alguém tem que manter o
carro, alguém tem que abastecer o carro, alguém, alguém, alguém. Alguém que não
é tu e tu estás cagando para quem seja, desde que não seja tu. Além de toda a
destruição ambiental da fabricação do carro, sem falar no petróleo e dos
rejeitos que gera seu uso, uma fração ideal de toda esta gente que trabalha
para que tu usufruas o luxo do carro vai entrar na conta da tua pegada
ecológica pessoal. Ao fim, feitas as contas, a pegada ecológica de quem come
carne e anda de carro particular é de aproximadamente 18 hectares. Uma pequena
fazendinha. Por isto que se diz que se todo mundo consumisse como os
americanos, precisaríamos de quatro ou cinco planetas terra para prover de
insumos toda a população.
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