Coisinha
para ler sobre amor
Hoje
vou tentar lembrar o que o Flávio Gikovate disse naquela palestra, finalmente.
Já faz um bom tempo agora, eu já devo ter esquecido metade, mas foi bem legal e
eu aproveitei muito na época. Achei um monte de respostas que estava
procurando. O cara era muito hábil no falar para o público e, talvez por isto,
eu tenha me impressionado mais. Depois de uns tempos procurei o livro do cara
nas livrarias, o que não foi difícil. Pensei que ia ter que procurar em várias,
mas na primeira encontrei. Era baratinho, mas não comprei. Estava na seção de
auto-ajuda, fiquei um pouco decepcionado, tenho preconceito quanto a este tipo
de livro. Num outro dia voltei lá e comprei. What a heck! I can’t afford a
shrink, anyway!
Ele
começou falando da origem do amor. Segundo o cara, o amor é uma coisa
relativamente nova para a humanidade, antigamente nem existia. Na idade da
pedra os seres humanos tinham uma relação animal. Era só fuqui-fuqui, nenhum
afeto. Os homens, para garantir mais descendentes, tentavam fertilizar o maior
número de fêmeas possível. Era o instinto de sobrevivência da raça. Já as
mulheres, tinham que escolher muito bem o macho que deixariam que as
fecundasse. Afinal, teriam que carregar por nove meses um feto daquela relação
e, depois que nascesse a criança, alimentar, proteger e educar o filho daquele
macho por mais uns bons anos. O macho tinha que ser muito apto, se não o
filhote também não o seria. Era a seleção natural. Entre os pais deste novo
ser, só havia contato durante o acasalamento, depois era cada um por si.
Depois
deste período primal, a humanidade passou a tentar entender o sentimento de
afeto que se sente por outra pessoa. Para a Grécia antiga, muito civilizada,
com uma medicina, uma filosofia jurídica e uma sociologia muito avançadas, eram
mais convenientes as relações monogâmicas. Prevenção às doenças venéreas, partilhas
de bens entre herdeiros e relações de vizinhança eram facilitadas se cada um
tivesse somente um cônjuge. O amor foi, então, um fenômeno psicossocial
induzido pela elite. A primeira tentativa de explicação para o amor veio na
forma de uma lenda mitológica. Se não me falha a memória, foi Aristófanes, num
banquete com Platão, quem descreveu a origem do sentimento amor. Ele contou que
o ser humano era um ser duplo em eras remotas. Um ser que possuía duas cabeças,
dois troncos, quatro pernas e quatro braços. Um ser hermafrodita muito feliz,
auto-suficiente, independente de tudo, seguro de si e que, portanto, arrogante,
se dava ao luxo até de zombar dos deuses. Zeus, irritado com este ser
indolente, parte-lhe ao meio num gesto furioso, mas o mantém vivo, para que
sofra e aprenda. Desde então o ser humano é um ser simples. Tem somente uma
cabeça, um tronco, duas pernas e dois braços e um tremendo oco interior que é a
falta de sua outra metade. Assim, Zeus condenou a humanidade a eternamente
procurar a sua metade perdida. Para os gregos, somos seres incompletos, metades
infelizes e desesperadas. Gastamos a vida atrás de nossa metade complementar e,
quando finalmente a encontramos, se a encontramos, passamos a ser completamente
dependentes dela para nossa felicidade.
Depois
dos filósofos vieram os românticos tentando descrever o amor. Na época deles
também, a sociedade incentivava a monogamia, pelos mesmos motivos gregos mais
os motivos políticos e econômicos. Os casamentos eram arranjados pelos pais.
Dotes e cargos, alianças políticas, militares e econômicas eram barganhadas
numa união entre duas famílias. Os dois coitados nem eram consultados, às vezes
se conheciam somente no momento do casamento. Os autores românticos propunham
que o sujeito somente encontraria a felicidade num casamento onde houvesse
amor. Este sentimento, amor, seria a vontade mútua de duas pessoas conviverem
numa comunhão, somente pelo prazer da companhia do outro, sem a necessidade de
mais nada. Se uma união ocorresse nestes termos, os cônjuges seriam felizes
para sempre. Mas o detalhe é que existia somente uma pessoa no mundo capaz de
preencher todos os quesitos para que este sentimento florescesse. Também aqui
vemos que as pessoas têm um oco interior, uma infelicidade, até encontrar sua
metade faltante, que as completaria. Somos, também para os românticos, um ser
incompleto, uma metade dependente e vulnerável sozinha. O amor romântico
perdurou, inconteste, até 1968, segundo o palestrante.
Há
um momento na vida que nós ainda experimentamos a sensação de ser um ser duplo:
quando ainda não saímos da barriga de nossa mãe. A gestante é um ser duplo. Num
só corpo vivem duas cabeças, dois troncos, quatro braços e quatro pernas. Tanto
a mulher grávida quanto o feto são felicíssimos durante este período. Na mulher
há uma explosão hormonal que a deixa muito faceira, segura de si, otimista e
esperançosa. Já o feto, que não conhece outra vida, acha tudo maravilhoso. Tudo
é perfeito, o ambiente é acolhedor, de uma felicidade ilimitada, sem muito
ruído ou luminosidade, com a temperatura ideal. O feto come e dorme sem
esforço. E note que todos nós já fomos fetos também. Lá dentro nos
desenvolvemos tremendamente, não temos que entrar em contato com a realidade
exterior, não nos estressamos com nada, nos sentimos muito queridos. Mas o
principal é que estamos fisicamente em contato constante com quem nós amos, que
até aí é a única coisa que conhecemos e é tudo para nós, que é o corpo de nossa
mãe, seu coração bate forte bem perto de nós.
Mas,
infelizmente, isto tudo se acaba num instante. Quando nascemos sofremos um
trauma violento. Somos arrancados da nossa metade maior. De repente, saímos da
felicidade completa para o caos absoluto. Se pudéssemos falar diríamos: “- Se
tu me abandonares agora, eu morro.” O que é verdade. O bebê é completamente
indefeso. Depende da mãe para comer, se aquecer, se locomover e até fazer cocô
e xixi. Chora desesperado nos primeiros dias. Sente frio, fome, medo e solidão.
Só se acalma quando todas suas necessidades estão satisfeitas e está junto ao
corpo da mãe. Mas a vida aqui fora segue sendo um tormento, comparado ao útero.
Aos poucos, a criança vai se acostumando à vida exterior, quando grandinha já
nem lembra da vida uterina... Só do trauma, a criança não esquece o trauma da
separação.
Este
trauma nos acompanha para o resto de nossas vidas. Por mais esclarecidos que
sejamos, por mais sessões de psicoterapia que freqüentamos, por mais sorte que
tenhamos nas relações afetivas, lá está o trauma, bem no fundinho do nosso
subconsciente. É a primeira lição da vida e a mais enraizada: se estamos muito
felizes é porque estamos próximos de uma tragédia, de uma separação brutalmente
violenta. Temos um medo enorme de voltarmos a ser felizes. Quando apaixonados,
ficamos felizes. Marcamos um encontro com nosso novo amor, ficamos angustiados
com a espera, nosso coração bate acelerado, suamos frio, as pernas tremem.
Estes sintomas ocorrem não porque gostamos do outro e sim porque temos medo.
São sintomas de medo, não de amor. Tememos que o outro não apareça, ou não nos
queira mais, ou nos rejeite, ou alguma coisa que determine uma nova separação
traumática. Então nos apavoramos, nos encagaçamos, we panic, we freak out.
Tememos ter que de novo viver aquela experiência terrível de separação.
Os
adolescentes ainda têm muito fresco na memória o trauma. Geralmente é a única
experiência de separação afetiva que eles têm. No entanto, eles vêem nas
novelas, filmes e na vida real, quão bom é ter um companheiro, um parceiro
afetivo. Como eles já se acham muito crescidos e sabidos, se acham prontos para
experimentar aquilo também. Desejam uma relação afetiva e, se der, sexual,
porque não? Já são tão “grandes e maduros”! Querem namorar. O que eles fazem
então é arranjar um amor bem difícil de realizar. Uma professora, um vizinho
mais velho, um cantor de rock, uma atriz de novela, alguém do chat que mora do
outro lado do mundo, alguém que nem saiba que eles existam é melhor. Para eles
se apaixonarem, a condição primeira é esta: que o escolhido não de a menor bola
para eles. Assim eles podem, ao mesmo tempo, agir como adultos e se manter
crianças. Eles têm uma relação afetiva, como os adultos, que infelizmente não
se consome, porque não são correspondidos. Fazem uma novela, se deprimem, se
socam no quarto, querem morrer. E eles não correm o risco de terem de se
separar de novo de quem eles amam, como no nascimento. Assim se mantém como
crianças, sem outras experiências de separação.
Todo
mundo tem dois lados. Um lado deseja um parceiro, uma pessoa que complemente a
sua metade. Este lado nos arrasta a nos aproximarmos de outra pessoa para que
tenhamos novamente aquela maravilhosa sensação de prazer e felicidade. E o
outro lado é o lado independente, o lado que se percebe um ser inteiro e sem
necessidade de complemento. Esse lado nos arrasta para longe de outras pessoas
para que não tenhamos de novo aquela horrível sensação de perda. Isto porque
tem um pouco do trauma lá no fundinho, como já disse. Então, o que todo mundo
faz é arranjar alguém que não gosta muito. Gosta, mas não muito. É uma forma de
experimentar um pouco de prazer e felicidade e, ao mesmo tempo, se proteger de
uma possível separação. Se ela me largar, tudo bem, eu nem gosto muito dela
mesmo.
Os
casais mais duradouros são os sado-masoquistas. Não, não aqueles de chicotinho
e máscara de couro. Aqueles em que um é generoso afetivamente e o outro é
egoísta afetivamente. Dois generosos não se entendem, os dois querem dar amor o
tempo todo, não querem parar e receber um pouco, não dá certo. Dois egoístas,
igualmente não funciona, os dois só querem receber e nunca estão dispostos a
dar um pouco de amor. Um bom exemplo são os casais mais antigos. Os dois podem
ser super estudados e prafrentex em muitos assuntos, mas o homem segue querendo
as refeições pontualmente no horário que ele estabeleceu como correto e a
mulher segue servindo. O homem, sadicamente, xinga a mulher por atrasos e faz
troça da comida que nunca está boa. Enquanto a mulher, masoquista, reclama e se
lamenta mas segue obedecendo e se esforçando para agradar. Ficam juntos muito
tempo, it works, some how. Interessante é que, numa análise rasa da coisa, tu
imaginas que quem manda é o sádico. Engana-se. Voltando ao chicotinho, só como
metáfora, o masoquista é que diz onde pode bater, quando, quanto e como. Ao
sádico cabe obedecer, se não o masoquista sai da brincadeira. Na casa destes
casais antigos é assim também. A mulher diz que o chefe da família é o homem,
no entanto, no fim do mês, ela pega o salário dele e sai fazendo compras. Paga
as empregadas, o jardineiro, supermercado, compra “coisinhas” para casa,
terrinhas, florzinhas, adubinhos, vazinhos, sem falar nas roupas, bijuterias e
maquiagens e mil outras coisas. Daí o homem xinga (claro, é o papel dele), daí
ela se lamenta e daí vai...
Todos
temos aquele oco interior, o desejo de ter contato físico com alguém, aquele
contato que perdemos quando deixamos de ser duplo ao nascer. Até certo tempo
atrás, todo mundo se acreditava uma metade. Nos achávamos umas bostas quando
sós. Todo mundo tinha que arranjar um parceiro. Não só para preencher aquele
oco na barriga, mas também para acalmar a sociedade. A sociedade não quer
metades, são muito problemáticas. São inseguras, nervosas e dependentes. Se
alguém aparecesse no cinema sozinho, todo mundo comentava como aquele pobre
diabo era um coitado, solteirão. De tanta vergonha o cara até evitava sair.
Principalmente as gurias, o que iam pensar daquela vagabunda sozinha no cinema
à noite? Toda a sociedade empurrava para que se casasse logo, formar um inteiro
de uma vez. Então o cara casava e se tornava um casal. O casal estava sempre
junto. Tinha que estar, se não o que iriam dizer? Faziam tudo juntos, dormiam,
comiam, tomavam banho, tudo juntos. Iam a tudo juntos, viajavam juntos,
veraneavam juntos... Eram duas metades que somente juntas formavam um inteiro,
um ser integro.
Antes
do desenvolvimento da eletricidade não se tinha muita coisa a fazer depois que
escurecesse. Ou tu tinhas com quem se divertir ou ficava se odiando por estar
sozinho, pensando bobagem. Aos poucos, com o surgimento de novas tecnologias,
as pessoas foram podendo ficar mais satisfeitas sozinhas. Primeiro veio a luz
elétrica, depois o rádio, a eletrola, a TV, já não era mais um sofrimento ser
solteiro. Dava até para se divertir sozinho. Mas ainda tinha muito mais para
vir, o videocassete, o video-game, o computador, a TV a cabo, a Internet, o
e-mail, o chat, o CD player, o DVD... Hoje em dia as crianças já são educadas
para que se divirtam sozinhas. De manhã, colégio. A tarde, sós. A noite, pais.
Somente aos fins de semana, amigos. É um fenômeno social contemporâneo. Elas
têm som, TV, video-game e computador no quarto. Elas não se incomodam de ficar
a só consigo mesmas. Não é mais um martírio. Além disso, os pais têm suas
carreiras, não podem mais ficar em casa, de babás, como as mulheres faziam
antigamente. Hoje em dia o indivíduo pode ser um ser integro, um inteiro feliz.
Ainda se tem aquele oco interior, é verdade, mas é bem pequeno e se consegue
controlá-lo.
O
ano de 1968 foi muito importante para o amor. Os jovens faziam protestos no
mundo inteiro contra a maneira como a sociedade estava organizada. Os hippies
questionavam tudo, principalmente as relações afetivas e a violência. Pregavam
a paz e o amor. Começaram a questionar o modelo amoroso e a fazer os troços da
maneira deles, eram adultos. Surgiu a pílula anticoncepcional. Com ela veio
todas as formas de experimentação amorosa. O sentimento da época era que o
modelo de amor romântico não tinha dado certo e era preciso mudar. E realmente
não tinha dado certo, os casamentos eram somente de fachada. Os homens traíam
as mulheres, as mulheres se sentiam inúteis e confinadas. Poucos eram felizes.
A lei de Murphy diz que uma coisa só vai dar certo quando todas as alternativas
erradas tiverem sido tentadas. Então, como ninguém sabia como seria o novo
modelo amoroso, passara a experimentar. Vários casamentos, nenhum casamento,
diversos parceiros sexuais, nenhum parceiro, muitos filhos, nenhum, filhos de
diversos casamentos... Os anos 70 foram uma loucura. Nesta época é que se
diziam coisas do tipo: “Dois bicudos não se beijam” ou “os opostos se atraem”.
Se acreditava que duas pessoas semelhantes não dariam certo juntas por que
cairiam numa rotina. Aquela coisa de hippie, tolerância com o diferente. Um
negão com uma loirinha, o japa com a índia, o gurizão com a quarentona, o
ordeiro com o bagunceiro. Foram experimentando. Tudo muito lindo na teoria, mas
na prática não é bem assim. Claro que o ordeiro se fascina com a bagunça do
bagunceiro, mas não que eles consigam viver harmoniosamente sob o mesmo teto.
Enfim, tudo foi testado e muita bosta foi feita em termos de educação e
afetividade com as crianças que tiveram o azar de nascer nesta época em
famílias “alternativas”. Apesar de todas as tentativas, até uns dez anos atrás,
ninguém ainda tinha a menor idéia de como seria o novo modelo. Sem outra opção,
todo mundo se julgava infeliz se não estivesse encaixado no modelo de
felicidade em vigor, que ainda era o romântico. Mas aos poucos a sociedade foi
se acomodando e, sem se dar conta, foi achando a resposta. A alternativa de bom
senso.
Segundo
o Gikovate, o amor se resume ao contato físico. Tu amas aquele que tu gostas de
estar em contato. Não vai pensar que estou falando só de sexo. Contato físico é
assistir TV com a cabeça no colo do outro, é fazer cafuné, cosquinha no pé,
dormir de colherinha, é coçar as costas do outro, espremer os cravos no nariz
do outro, este tipo de coisa. E é transar também, claro. Claro que tu só gostas
de estar em contato com quem tu tens uma mínima afinidade
sócio-econômico-cultural, se não o ribeirinho abre a boca e tu já te irritas.
Tem que haver certo diálogo.
Com
a pílula anticoncepcional as pessoas já podiam ter contato físico sem se
preocupar em engravidar. Isto determinou mudanças na sociedade. As mulheres
passaram a ter mais independência, podiam experimentar parceiros diferentes
como os homens sempre fizeram. Começaram a estudar, a ter carreiras de trabalho
fora do lar. Os casais que se formavam já não podiam estar sempre juntos, fazer
tudo junto. O homem tinha que dar uma palestra no Recife e a mulher tinha que
atender os pacientes em São Paulo, não dava para ficarem juntos. O inteiro
tinha que se dividir a toda hora. Os dois eram seres capazes e pensantes. Os
dois podiam ser o chefe da família. Havia uma disputa de espaço e poder dentro
da família. Ninguém tinha muito tempo para as crianças. E com a tecnologia, se
podia morar sozinho sem se sentir um bostão. Foi o golpe de misericórdia no
modelo romântico de amor. Brigas e mais brigas entre os casados, a década de 80
foi a do divórcio.
Atualmente,
segundo o palestrante, esta se chegando ao bom senso. O modelo amoroso é o do
indivíduo mais independente. As pessoas passaram a viver sozinhas, cercadas de
tecnologia de entretenimento para poderem curtir ficar consigo mesmas. Segundo
pesquisas, um terço da população das grandes metrópoles do mundo (Nova York,
Londres, Tóquio, Paris) vivem sós por opção. Sozinhas com um cachorro. Sim, um
cachorro! O cachorro serve para acalmar aquele oco afetivo. Um cachorro é um
cara que te ama incondicionalmente, é um bicho te recebe sempre bem (como se tu
fosses alguém importante), tu podes xingar bem, maltratar, aplicar castigos
cruéis e ele segue te querendo e pondo a cabeça no teu colo. Ao mesmo tempo, os
indivíduos têm suas carreiras intelectuais independentes. Então, durante a
semana, são aqueles workalcholic chatos e estressados, que chegam em casa e
descarregam toda sua fúria sobre um coitado de um cachorro. Aos fins de semana
procuram seus parceiros afetivos, que também tem sua carreira intelectual
puxada, sua própria casa e seu cachorro, to spend some time together. Os casais
só se encontram nos fins de semana. Se encontram para ficarem juntos, em
contato físico, terem momentos de prazer. Vão ao cinema, ao restaurante, a
praia dormem juntos, se carinham, fazem amor, assistem a um vídeo, cozinham
juntos... They have a good time together. As pessoas seguem tendo o oco
interior, mas é pequeno e controlável. Se sentem felizes, íntegros e inteiros
assim.
Antigamente,
filhos eram um patrimônio gerador de riquezas para a família. Cada filho era um
investimento com retorno quase garantido no futuro. Quantos mais melhor.
Ajudavam na roça, na fábrica, no comércio, eram mão de obra grátis, eram a
certeza de uma velhice confortável e assistida. Todos os casais tinham filhos.
O menino de 19 anos, que já era forte o suficiente para trabalhar, casava com
uma guria de 15, que já tinha menstruado e era prendada. Estes eram os
critérios básicos da união. Começavam então, imediatamente, a produção de
filhos. Famílias com 18 rebentos eram comuns. Metade morria antes mesmo dos 10
anos de idade. Lembras daquela música do Kleiton e Kledir? “Eu disse: Fico com
essa guria, só quero mesmo é prá tirar cria!” A família era o núcleo básico da
sociedade e o núcleo básico da economia. Lembras dos nomes das empresas
antigamente? Marcondes & Filhos Ltda., Padaria Santos, Casas Renner...
Famílias. Mas aos poucos as coisas foram mudando. Filhos passaram a ser uma
despesa pesada para um casal. E depois de se investir uma fortuna em cada filho
por 25, as vezes 30 anos, o filho pega sua trouxinha e sai de casa para nunca
mais voltar. A sociedade ocidental capitalista é exploradora e individualista.
Os indivíduos somente refletem a sociedade, eles não são mau caracteres, só
contemporâneos. Assim, analisando o futuro, o Gikovate disse que continuaremos
casando, mais muito mais tarde, e escolhendo o parceiro muito melhor, com mais
maturidade, com critérios mais rígidos. As estatísticas indicam que a cada ano
a média de idade dos recém casados no Brasil envelhece meio ano. Além disso só
vai ter filhos quem gosta de crianças. Para que ter crianças, se for só para
imitar o vizinho?
Vou
tentar fazer o que o Gika já fez para ele mesmo: Uma compilação de todo o
cabedal teórico que adquiri em uma só grande teoria que me explique o fenômeno
natural do amor.
Tudo
se resume a liberdade. Culturalmente não podemos possuí-la em sua plenitude.
Sempre somos dependentes de alguma coisa, ou melhor, de muitas coisas.
A
industrialização da humanidade nos tirou um pouco de liberdade, nos criou de
uma maneira que sempre queremos consumir mais, ainda que não precisemos. O
filme Fight Club mostrou isto direitinho. Para consumir somos escravos do
dinheiro que vem com o trabalho. Sempre têm algo que ainda queremos ou umas
prestaçõezinhas do que já adquirimos e para elas trabalhamos como loucos. Mesmo
os que não tem patrões, precisam ir trabalhar ainda que sem vontade nenhuma.
Vivemos num mundo de trabalhos forçados. Não podemos, de uma hora para outra,
decidir sair caminhando ao léu, temos deveres a cumprir. Ingenuamente
acreditamos que ganhando bastante dinheiro seremos super livres, mas é o
contrário. Quanto mais se ganha, menos livres somos. Temos que comprar minutos
de nossa liberdade com muito trabalho ou, pelo menos, ganhar na loto. Até o
Bill Gates, que é o cara mais rico do mundo, é um cara super preso. Ele não
pode fazer nada sem ser vigiado por toda uma sociedade, ele não pode nem sair
sozinho de sua casa, coitado. Quanto mais tu te esforçares para comprar tua
liberdade, mais preso tu ficarás as comodidades que compraste. É um ciclo
vicioso paradoxal. Se assinas a Net, o que é ótimo, tens que trabalhar para
ela, o que é ruim. Se compras um carro, tens que trabalhar para ele. Quanto
melhor é tua casa, menos tu podes sair para evitar assaltos. Assim, quanto mais
dinheiro tu tens, mais “dependentes” do teu trabalho tu mesma te arrumas. Um
pobre, quanto mais pobre, trabalha menos para coisas e mais para si mesmo, é mais
livre. Um pobre pode resolver sair andando a hora que quiser, está livre.
Mas
a conversa aqui não é sobre este tipo de liberdade, a econômica, é sobre a
liberdade afetiva, que é a que nós mais nos auto privamos, mesmo os pobres. O
Gika diz que o amor romântico (aquela coisa de achar sua metade perdida, alguém
que te complete, e viver feliz para sempre se fundindo a ela e se tornando um
inteiro) não tem nada de interpessoal, não tem nada de nobre e altruísta. O
amor é um sentimento super egoísta e pessoal. As pessoas que se socorrem deste
tipo de fusão não se agüentam sozinhas, ficam desesperadas com a solidão, se
prendem (se casam) umas nas outras com medo de uma fuga do parceiro, são super
ciumentas. Tu amas, então, aquele que preenche teu oco interior, que acalma tua
angustia de incompletude, que faz te sentires mais inteira, que não te deixa um
segundo sozinha, que te dá uma sensação de aconchego através do contato físico
permanente como aquele lá do útero. E tanto isto é verdade que não tem amor
romântico que resista a uma separação de alguns anos. Bueno, o que acontece é
que as metades românticas são absolutamente dependentes umas das outras. Uma
não vive sem a outra. A tua liberdade individual de decidir a vida acaba numa
fusão romântica. Um sempre quer que o outro se modifique para se adaptar a
relação. Nem poderia ser de outra forma, cada indivíduo tem uma subjetividade
diferente. Então, para duas metades unirem-se em um único inteiro, as
diferenças tem que ser esmagadas de algum jeito, se não, não há fusão ou a
fusão não dura. Assim, a fusão romântica também determina uma relação
mesquinha, sempre há um componente de dominação de um sobre o outro. Um amor
romântico, para durar, tem que ter um indivíduo sádico e outro masoquista. Ou seja,
só funciona com um casal doente. As relações baseadas neste tipo de sentimento
sempre evoluem para estabilidade e para o tédio, mas um tédio duradouro.
Já
para as pessoas que se percebem inteiras e não metades, seres que se agüentam
sós, que conseguem controlar seu oco sozinhas (ou com a ajuda de um cachorro),
pessoas que são independentes, para estas a fusão romântica não é nenhum
atrativo. Estas pessoas não querem nem oprimir, nem ser oprimidas. Não desejam
ser presas e nem prender. Elas querem a liberdade da sua individualidade e
desejam a liberdade da individualidade do parceiro afetivo. Elas também sentem
o oco, claro, mas o preenchem de uma forma muito mais madura. Preenchem com
outro inteiro que também deseja uma relação interpessoal, alguém que não deseja
uma fusão egoísta e pessoal. Não são arrogantes de querer tornar o parceiro
parte do seu eu para sempre. Preenchem com alguém que traga, além do estímulo
físico, um estímulo intelectual. Assim, o relacionamento é uma amizade, uma
interação interpessoal, de respeito a individualidade do parceiro com todas as
características que o torna bem diferente de si. E por ser diferente e livre, o
parceiro é tão interessante. Este tipo de relação trás também muito aconchego,
tanto quanto o aconchego do contato físico da fusão amorosa. Porém, o aconchego
desta relação vem de outra fonte, vem da afinidade intelectual, vem da amizade,
é o que o Gika chama de +amor.
Sexo
também é uma coisa super pessoal, egoísta e infantil. Tu só usas o outro para
obter um maior estímulo táctil, visual e intelectual para aumentar o prazer que
tu extrais do teu próprio corpo para ti mesmo. Tanto o amor quanto o sexo tem
origem nos primeiros dias de vida, estes sentimentos são bem infantis, bem
primais. E apesar de os dois terem a mesma raiz egoísta e pessoal, os dois não
tem nenhuma relação um com o outro, apesar da nossa cultura jurar o contrário.
O nenê busca aconchego no contato físico com a mãe (amor) e prazer
experimentando sensações no seu próprio corpo (sexo).
No
fim das contas, o único sentimento humano que realmente é interpessoal e
altruísta é a amizade. A amizade verdadeira é incondicional, dura anos ainda
que os amigos não se vejam, não há ciúme e nem pode haver traição. Tu és amigo
de alguém quando gostas de estar junto para uma estimulante conversa. Quando tu
não tentas modificar o outro e sim percebe suas diferenças e as respeita. E,
principalmente, quando tu consegues te colocar no lugar do outro: pensar como
ele pensaria tendo sido criado no contexto que foi criado e tendo vivido no
contexto que escolheu viver. É um sentimento absolutamente intelectual. É tão
forte que as vezes as pessoas, se estão em plena turbulência do rugir do oco,
não tem a serenidade necessária para enfrentar uma amizade. Elas, então, só se
sentem seguras para usufruir de uma amizade, quando estão fundidas com um amor
romântico. Só com o oco preenchido elas conseguem sair da fusão e se permitem
encontrar um amigo real.
O
amor dos amigos é uma relação que até pode ter contato físico, mas não é baseada
nisto. O contato físico e o sexo entre amigos são tabus na nossa sociedade
porque temos uma cultura romântica. Na amizade, sexo é uma coisa que na verdade
é super prazerosa, isto porque os dois parceiros compreendem suas funções reais
e não esperam nada além daquilo do amigo. Bem diferente que na relação
romântica, onde o sexo se torna rapidamente protocolar por ser somente mais um
instrumento de dominação.
<3
ResponderExcluirUau... Me surpreendeu mesmo! Excelente texto, o que não poderia ser diferente. Viva a amizade!
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