Porque
escolhi Maquiné para viver
Desde
pequeno gosto muito de mato. Foi minha mãe que me incentivou a curtir a
natureza. Sempre que passeávamos, íamos para a praia, para Tapes e sua lagoa ou
para a serra. Adorava caminhar nalguma estradinha rural, conversando com a mãe
e ouvindo aquele silêncio, coisa rara para mim. As paisagens, os cheiros, os
gostos e até os barulhos da roça me encantavam. Mugidos, vento nas árvores, céu
estrelado, queijo colonial, vizinhos loooonge. Ao voltar para casa ficava
sonhando com o dia que poderia escolher, depois de crescer e ser “grande”,
morar no interior. Estar na cidade, com seu ruído e sua grande população, me
era um pouco desconfortável. Quando eu a questionava porque nós morávamos na
cidade se tinha opções tão melhores por aí, minha mãe, criada na Riachuelo, no
centro de Porto Alegre, me explicava que nós só morávamos na cidade porque o
pai era de Tapes e tinha horror do interior, além de seu trabalho ser na
cidade. Assim mesmo, eles foram morar nos cafundós da cidade quando casaram.
Tinham até que pegar trem! Muita gente achava a Tristeza um arrabalde, o
interior da capital.
Na
faculdade de Educação Física, que estuda basicamente como manter a saúde, aprendi
mais razões para morar no interior. A cidade é insalubre, pelo menos para nossa
espécie. Para baratas e ratos o ambiente cidade é muito salubre. Dos amplos
espaços abertos das estepes africanas, nossa nômade espécie, caçadora coletora
com hábitos migratórios, se viu obrigada a construir colônias como formigas e
abelhas. Isso aconteceu somente por força de um grande aquecimento global há 10.000
anos. Por penar a fome em grandes secas, fomos obrigados a fixar residência
próximo aos mananciais e trabalhar como insetos. Evoluímos, ou melhor,
involuímos para viver confinados em pequenas áreas, cercados por muros, com
direito a poucos banhos de sol durante a semana. Isso quando não temos que
sobreviver empoleirados em grandes gaiolas de vinte andares, sem direito nem de
pisar a terra! Todos trabalham confinados em serviços que servem só para perpetuar
a cidade e não produzem nada além diferenças sociais, neuroses e paranoias. Aliás,
foi a urbanização da humanidade que fundou a diferença social. Mas, essa vida
virtual do Homo Urbis possibilitou aos indivíduos dessa nova espécie que
ficassem maiores, mais gordos e mais longevos, num ilusório estado de não
doença, mas não de saúde. O organismo vivo “cidade” é que ficou saudável. Um
organismo enorme, tentacular, sedento de energia, que precisa buscar seus
nutrientes muito longe, fora de seu corpo. É esse ser vivo, a cidade, que
passou a ser o indivíduo da espécie Homo Urbis. Os seres humanos são apenas
células desse todo maior.
Foi
na época da faculdade que conheci Maquiné. Visitei alguns de seus vales, com florestas,
rios e cachoeiras, de carro e por somente uma tarde. Estive lá só por
curiosidade, depois de ler na Zero Hora que era o município gaúcho com maior
número de cachoeiras, maior oferta de água doce potável por habitante e maior
área de mata atlântica preservada. Achei lindíssimo o lugar e me imaginei
morando ali, naquelas pequenas e humildes casinhas de madeira. Pensava cá
comigo: Se não posso mais sair caminhando com meus amigos e amigas, por um
mundo sem fronteiras, cercas ou porteiras, catando e caçando, cantando e
dançando ao redor do fogo num eterno verão, se realmente tenho que me tornar um
hegemônico homo urbis, porque homo sapiens não me permitem mais ser, então
quero fazer isso num ambiente mais salubre, belo e agradável como Maquiné.
No
mestrado, lá em Florianópolis, continuei a perceber o quanto morar em cidades é
maléfico para a humanidade. Aprendi que o modo de vida da humanidade era
insustentável. Tanto socialistas como capitalistas pregam que é preciso extrair
recursos naturais para construir suas cidades. Cidades são bichos enormes, que
ocupam um nicho ecológico muito breve em termos geológicos. Elas não se sustentam
por muito tempo. Expressões ridículas, que aparecem e rapidamente se espalham
na mídia como verdades, são sintomas da esquizofrenia de uma sociedade que não
quer admitir sua impotência. Como falar em “crescimento sustentável” se o mundo
é finito? Dá para crescer infinitamente num planeta finito? Não! E as leis da
termodinâmica foram revogadas para haver uma “energia renovável”? Os carros
elétricos e os aero geradores então tem o poder de revogar as leis da física? Não,
a entropia ainda existe! É impossível o modelo de desenvolvimento atual da
humanidade não colapsar. Estamos vivendo um total colapso econômico por absoluto
esgotamento dos recursos naturais necessários ao organismo cidade. No começo do
século XX se extraia petróleo do chão do quintal das casas americanas e os
Estados Unidos era o maior produtor e exportador do mundo. Agora estão achando
ótimo que se achou petróleo no pré-sal brasileiro a 350 km da costa e a 7 km de
profundidade no mar. A gasolina do pré-sal vai custar R$15,00 o litro! Basta
ler os jornais para perceber que estamos próximos a um momento de virada no
rumo da humanidade. Mesmo países ricos estão demitindo funcionários públicos,
cortando salários e aposentadorias e assim mesmo se endividando
exponencialmente. Quando nasci, em 1969, a humanidade somava 3 bilhões de
indivíduos no planeta. Somente durante o tempo de minha breve vida mais que
dobramos esse número, chegando a 7 bilhões agora em 2012. Houve um professor
muito sábio lá em Florianópolis que nos deu uma aula que me marcou muito. Ele
dizia que agora, na modernidade em que vivemos, o que tem valor, ou seja, os
ativos da modernidade são dinheiro, ações, bens. Futuramente, após o colapso da
modernidade, os ativos dessa pós-modernidade serão quatro: água potável,
contato com a natureza, silêncio e conhecimento serão as coisas mais caras e
valorizadas pelas pessoas. Na hora, enquanto o professor falava, me lembrei de
Maquiné e de meu desejo de morar lá. Água tem, silêncio tem, contato com a
natureza tem, conhecimento pode ir com a internet até lá. Pronto, havia
decidido! Chegaria o dia, quando arrumasse dinheiro para comprar um terreninho
e construir uma casinha, que eu moraria em Maquiné. No futuro, seria rico!
Segui
estudando lá em Florianópolis e aprendi muito sobre as mudanças climáticas.
Como elas são abruptas e devastadoras para todas as espécies de seres vivos. Na
natureza, grandes mudanças são rápidas como um terremoto, um tsunami ou um
furacão. Uma hora está tudo calmo e na outra está tudo de cabeça para baixo. A
energia vai se acumulando num sistema (uma nuvem de chuva é um bom exemplo) até
chegar num ponto de instabilidade quando ocorre uma crise (um relâmpago) que
muda tudo para um novo ponto de equilíbrio. Com o aquecimento global o mar pode
subir abruptamente vários metros. Alguém pode dizer: Mas nunca o mar subiu! Não
que tenhamos visto. Nunca tinha havido um furacão no Brasil, mas o Furacão
Catarina devastou tudo de Torres a Laguna em 2004 e ele foi só o primeiro.
Pergunte a qualquer geólogo e ele lhe dirá que o mar já subiu e desceu diversas
vezes ao longo das eras. E sempre abruptamente! A maioria dos cientistas que
estudam o clima afirma que estamos passando por um momento de aquecimento
global. Mas há cientistas que afirmam o contrário, são céticos a respeito do
aquecimento e até suspeitam de um resfriamento global. Eu não sei quais deles
estão certos: se o mar subir, vou assistir de camarote, mas mesmo se o mar não
subir, Maquiné é um município com um clima privilegiado. Está exatamente entre
o mar e a serra. Nem frio, nem quente, perfeito.
A
maior razão que me fez optar por morar em Maquiné, entre tantas, talvez seja a
possibilidade de comer a comida que eu mesmo colho. Comprei meu terreno no
distrito da Barra do Ouro. O lugarejo se chama assim porque se situa onde o Rio
do Ouro deságua no Rio Maquiné. O vale do Rio do Ouro já abrigou mais de 600
famílias nos séculos XIX e XX. Ao contrário do que se possa pensar, nunca se
extraiu um grama de ouro daquele rio. Mas era tão grande a produtividade da
terra daquelas encostas, que o povo dizia que tudo que saia dali virava ouro. Hoje
em dia, o mesmo vale abriga somente dez famílias. O êxodo rural de tantas
famílias se deveu as mudanças na legislação que inviabilizaram os modos de
produção dos agricultores do lugar. As queimadas, praticadas por todos os
pequenos produtores, foram proibidas, deixando os agricultores familiares das
encostas, que trabalhavam com ferramentas de mão, em grande desvantagem
econômica diante de lavouras mecanizadas das planícies. Com a boa intenção de
proteger o meio ambiente, os legisladores inviabilizaram uma prática ancestral
de produção de alimentos em benefício dos grandes latifúndios da agroindústria.
Mas a permacultura, ou agricultura de permanência, não exige queimadas ou
tratores. Essa técnica simples e genial ensina a cultivar uma floresta que dá
comida. Perceba que ninguém cuida de uma floresta, há insetos, fungos, ervas
daninhas, pássaros e outros tantos animais, mas assim mesmo ela cresce sozinha,
se aduba sozinha, se irriga sozinha, se reproduz sozinha e alimenta uma grande
quantidade de animais. Não precisa herbicida, fungicida, inseticida, adubos
químicos, tratores e colheitadeiras, todos produtos a base de petróleo, diga-se
de passagem. Porque não cultivamos uma floresta que seja boa e abundante em
alimentos para os seres humanos? O susto daquela mudança climática de 10000
anos atrás já passou, podemos voltar a respeitar e conviver com nossa natureza.
Desenvolver significa não se envolver. Nós não precisamos mais nos desenvolver
da natureza, vamos nos envolver com ela! Sustentável não é morar em cidades,
mas sim perto de onde haja alimentos suficientes, durante todo ano, sem
agrotóxicos, frescos e sem a exploração da força de trabalho de outras pessoas.
Finalmente,
o evento gatilho para que eu decidisse que havia chegado a hora de realizar
esse velho sonho de morar em Maquiné, minha Passárgada, foi eu ter me separado.
Além disso, andava bastante insatisfeito com meu trabalho como professor de
Educação Física. Na verdade estava até com asco dos colegas de trabalho e das
instituições que trabalhava. Uma longa série de acontecimentos desagradáveis
foi ocorrendo ao longo de 2011 me deixando completamente infeliz. Me sentia
preso em todos os lugares, tanto em casa quanto no trabalho. Queria sair de
casa e pedir as contas, mas daí o que fazer? As opções que me apareceram eram
duas: ou voltar a morar sozinho num apartamento no centro de Florianópolis, ou
voltar a morar na casa de meus pais em Porto Alegre. As duas opções me pareciam
deprimentes então escolhi nenhuma delas. Percebi que havia chegado a hora de
sonhar. Chutei o balde geral!!! Foi uma decisão bem difícil. Eu tinha casa,
carro, uma linda esposa advogada, três cachorros, emprego, salário, comida
farta e variada na hora das refeições, roupas lavadas e cheirosas no armário,
etc. Optei por abdicar disso tudo em nome desse sonho. Estou aqui em Maquiné,
na linda Barra do Ouro há cinco meses. Comprei um terreno e uma casinha do
jeito que eu sonhei, mas somente agora é que as consequências dessas escolhas
vão se fazer sentir.
Estou
muito angustiado com todas essas mudanças, mas não é a primeira vez que
revoluciono minha vida, sabia que isso iria acontecer. Larguei uma boa carreira
de técnico em mecânica na Termolar para passar dois anos na Europa trabalhando
ilegalmente em Amsterdam na Holanda como porteiro noturno num hotel. Larguei no
meio a faculdade de Engenharia Mecânica na UFRGS para fazer Educação Física na
mesma universidade. Fechei uma oficina de bicicletas para virar professor
particular. Deixei Porto Alegre e uma boa carreira de personal trainer para
fazer mestrado em Florianópolis. Essa impermanência já me custou três
casamentos, mas me rendeu muitos novos amigos e muitas experiências que me
fizeram crescer. Se fosse morrer hoje, poderia dizer com tranquilidade que
vivi.
Sobre o futuro, confio naquela lição dos Beatles: I
get by with a little help from my friends. E por isso escrevo essa
cartinha para vocês. Abraço pessoal! E venham me visitar na Barra do Ouro em
Maquiné.
Eu quero morar na Barra do Ouro também.
ResponderExcluirTuas experiências narradas são maravilhosas!🌹
Desconhecida Sílvia.🌹
ResponderExcluirEu estava aqui no Google dando uma mapeada, para ver opiniões de como é morar em Maquiné, é vi seu relato. Comecei a ler sem mta atenção e acabei apaixonada por sua história. Parabéns por sua coragem e por sua escolha! Conheci Maquiné em novembro de 2020 no meio da epidemia de Covid19, é achei um paraíso! Desde então quero mto poder comprar um terreno e quem sabe seremos vizinhos!
ResponderExcluirMoro em Porto Alegre é estou naquela fase da vida onde o " copo " já está transbordando em viver numa capital. Somos engolidos por ela! O trabalho formal nos rouba a vida.
Um abraço E felicidades!