quarta-feira, 2 de março de 2016

Acordei e percebi que a luz havia caído. Droga, sem luz, sem internet. Estou tão habituado a ter acesso ao mundo através de um computador que até fico meio desnorteado, sem saber o que fazer. Posso ler um livro, mas até livros eu agora leio no laptop que, por sorte, ainda tem bastante bateria. Ligo o aparelho e fico jogando uma partidinha de freecell até que a energia retorne. Mas, que nada, ela teima em se ausentar. Começo a recordar do tempo que a internet era escassa e cara. Lá em casa não tinha, mas meu pai, no escritório, sim. Ia lá a noite, de ônibus, para acessar. Era uma ferramenta para correspondência rápida, mas só com quem também tinha aquele privilégio, claro. Eu usava um programa que comprei dividindo com minha irmã advogada. Vinha em vários disquetes e se chamava MEMO. Hoje, qualquer adolescente acharia uma porcaria o tal do programa, só uma tela azul com as letras brancas, mas nós achávamos uma revolução, não precisava lamber selos! Permitia um endereço eletrônico de no máximo oito letras e nós nunca sabiámos se o email tinha ido ou não, ficávamos na dúvida. Assim, apertava o enter duas ou três vezes para ter certeza, fazendo com que a mesma mensagem fosse enviada tantas vezes quanto a ansiedade recomendava. Escrevia um email como uma carta: em cima ia o local onde eu estava e a data, depois cumprimentos educados e só aí o texto. Lembro o status de uma ocasião que fui ao aniversário de um amigo e a namorada do cara anunciou para todos os presentes que eu havia sido convidado e tinha confirmado presença através de correio eletrônico, ou eletronic mail, o e-mail. Foi um espanto geral. Lá em casa, eu quem primeiro comprei o acesso a internet. O pacote era por minutos e a conexão era por linha telefônica. Só dava para acessar tarde da noite, quando ninguém reclamaria da ocupação da linha. Como era caro, fiz o plano mais baratinho que tinha, se não me engano eram 35 minutos por dia. Minutos extras eram cobrados por fora, num boleto que chegava em casa no mês seguinte. Os extras eram muito mais caros, então evitava usá-los. O que fazia era: ligava o computador, abria o Netscape Navigator, melhor browser da época e acessava os emails. Quando havia algum, tu devias abrir o email e imediatamente desconectar da internet, para não ficar gastando minutos com a leitura. Simplesmente chegar ao primeiro email já levava uns dez minutos! Então, escrevia a resposta e só aí reconectava para enviar. Teve um mês que descobri os sites pornô. Nossa, minha conta explodiu e resolvi comprar um pacote mais caro. Mesmo assim, eu baixava a foto da mulher pelada para, só depois, com calma, apreciar. Quase tudo era feito off line, claro. Eu era bem mais produtivo em textos e leituras, não tinha orkuts para distrair. Aos poucos fui comprando acessórios para o computador, todos caros, então a opção pirata era a mais usada. Um fora da lei vinha à noite entregar os programas, como se fosse uma droga ilícita. Comprei a enciclopédia Encarta e o Office, da Microsoft. Bá, com esses esteróides anabólicos,
meu computador ficou musculoso e eu me achei um Luis Fernando Veríssimo, tinha tudo a mão para produzir. O programa Word fazia do escrever uma tarefa fácil. Meu tio Luiz comentou comigo de uma novidade incrível: O Aurélio eletrônico. Bá, enlouqueci! Fui na livraria Globo, no centro de Porto Alegre e comprei à prestação o programa no mesmo dia. Espetáculo! Meus grossos livros de dicionários ficaram obsoletos, até a conjugação dos verbos, sinônimos e antônimos, tudo aquele programa sabia, era só perguntar! Nem a ordem alfabética precisava saber!
Tu, caro leitor, podes estar achando que sou muito velho e um pioneiro da computação brasileira. Na verdade, omiti nesse texto até aqui quão ancião realmente sou. Mas agora vou botar para quebrar, sem maquiagem e sem filtro, cara nua, sou velho mesmo. Sou do tempo que a IBM construiu um prédio ao lado da Redenção só para abrigar um computador. Sim, o prédio todo era um único computador, com uma capacidade de processamento menor que um celular atual. Um colega meu do grupo de escoteiros tinha um pai engenheiro. O velho logo comprou um computador, um CP300. Era como comprar um carro, de tão caro, e só o computador não adiantava nada, tinha que comprar também uma televisão preto e branco e um gravador de fitas cassete. Coisa de magnata! Mas, como ele deixava, iámos lá brincar, com todo cuidado e respeito, claro. A atividade era estranha e longe do que hoje as crianças entendem como brincadeira. Tudo conectado e ligado, começávamos a digitar algum programa de jogo que vinha em revistas especializadas. Só podíamos escolher um jogo que fosse menor que a memória do computador, se não seria trabalho perdido. Não se podia errar nem uma virgula, se não a coisa não funcionava. Um guri ia lendo e o outro teclando, terminada a frase relíamos para ver se não tinha faltado nada. "Instalar" um programa até ficar operacional era um troço demorado, às vezes levava horas, se não dias. Copiávamos tudo da revista e, se não faltasse luz durante o processo, gravávamos numa fita cassete, quando... Eureca!!! Podíamos finalmente brincar depois de horas de concentração máxima. Outros amigos nos achavam CDFs loucos, porque não jogar bola na rua? Tem sol! A frustração era regra, mas quando algum program finalmente funcionava era uma glória!!! Tanto dinheiro em fliperama economizado: fazíamos nossos próprios joguinhos em casa e nos achávamos inteligentíssimos por saber copiar sem errar. Uma vez teve um concurso na escola: quem fizesse a melhor redação sobre computação ganharia um curso na UFRGS de programação LOGO, uma linguagem para crianças. Teve poucos inscritos e duas redações empataram em qualidade, a minha e de um cara da 202. Fomos para a secretaria da escola decidir com quem ficaria a vaga em sorteio. Ganhei! Fiquei até sem graça em ser o vencedor da disputa diante da cara do perdedor. Fiz o curso, mas sem computador em casa pouco adiantava aquele conhecimento. Logo começaram a se popularizar cursinhos de programação no centro. Tinha várias linguagens de programação: Algol, Cobol, Fortran, Fliper. A mais popular era a BASIC. Todos falavam que não servia muito para trabalho, mas sim para brincar em casa. Era mais um instrumento para desenvolver o raciocínio de programação. Eu achava fácil e logo me formei. Quando entrei na engenharia tinha cadeiras de programação opcionais, me inscrevi em BASIC, afinal, seria uma barbada, já era formado! Depois eu faria as outras linguagens. Mas droga, o BASIC da faculdade era bem difícil, quase rodei, passei com C. Os programas não eram mais tolos como formar todos os angramas possíveis de alguma palavra. Mas sim, úteis, como calcular o salário de um funcionário depois de informadas as horas extras trabalhadas. Penei. Alguns colegas seguiram empolgados. Teve um que escreveu um programa para planejar alternativas de horário da faculdade informadas todas as opções das cadeiras. Mas eu não, me aborreci e não fiz nenhuma outra cadeira de programação. Um tio comprou um computador ainda melhor que do escoteiro filho do engenheiro, um CP500. Ele me cedeu a chave do apartamento e eu ia lá as vezes só para escrever. Esse computador tinha algumas novidades incríveis. A primeira é que a tela vinha colada ao teclado, parecia uma máquina do filme Star Trek. O outro avanço tecnológico fabuloso era que tu podias imprimir, uma máquina de escrever Olivetti elétrica tinha ligação com o computador. Tá certo que demorava uma hora, mais ou menos, para imprimir uma folha, mas era sensacional! Depois disso, uma irmã comprou de uma amiga jornalista um 286 usado, com impressora matricial. Agora tínhamos computador em casa e logo me associei para usar. Pena que ele durou pouco, pifou em menos de dois meses e, por ser importado, ninguém sabia consertar a coisa. Me afastei dos computadores até o começo desse texto, quando programas simples eram vendidos prontos e computadores ainda eram caros, mas pagáveis. Tinha que ligar e digitar: win. Pronto, em menos de dois minutos uma linda tela colorida se abria e o mouse era a interface que agilizava o acesso aos diversos programas que já vinham instalados no computador. Agora tinhámos disquetes e podíamos até levar para outros computadores nossas produções. OBA!!! A luz voltou e eu posso cair de boca no frívolo Facebook. Coisa chata esses caras que escrevem!!! Pelamordedels, troço anacrônico e estapafúrdio!!