domingo, 22 de maio de 2016

Tem somente dois Tiagos aqui na Barra do Ouro. Eu e o Padre Tiago. Olhei o facebook dele e, adivinha, na foto de perfil ele faz o gesto de paz e amor, o mesmo que eu sempre cumprimento todo mundo. A situação é curiosa, porque somos os dois de fora, os dois pela paz e amor, eu assumidamente ateu e o Padre... bem, não sei, só o conheço de dar oi, mas parece que não é ateu. A pequena comunidade é muito religiosa, católicos em sua maioria, alguns até são fundamentalistas, eu diria. O catolicismo é cristão, segue as palavras de Jesus: amaivos uns aos outros e tal. Apesar disso eu sei que não sou uma pessoa muito bem vista ou mesmo bem-vindo por alguns. Imagino que aos olhos de alguns barrenses, sou quase um demônio que veio para trazer o mal. Algumas locais me adicionaram no face e logo me bloquearam, com medo de contaminação. Hoje fiquei sabendo uma coisa incrível que me chocou. Falam mal do Padre Tiago! Ele não está a altura da paróquia! Claro, compreendo, uma vila em que os cidadãos tem tanta erudição, tanto estudo, tão viajados pelo mundo, assíduos frequentadores de livrarias, bibliotecas, universidades grandes, cinemas e teatros, não é qualquer padrinho de 25 anos que vai agradar. Deve ser o gesto de paz e amor que desagradou, é laico demais para um padre! Lembrei da caverna de Platão. O sujeito que saiu da caverna, quando voltou, foi achincalhado pelos que lá ficaram. Pô... até o padre?!!!

sábado, 21 de maio de 2016

Livre arbítrio 
Imagine a cena: Está frio, é inverno. Tu acordas de madrugada com vontade de fazer xixi. A estufinha está desligada há horas. Embaixo das cobertas está quentinho, mas tu sabes que se levantar da cama vai tremer com a fuga de calor. Tu, num primeiro momento, negas a vontade e lutas um pouco para continuar a dormir fingindo nem sentir. A memória de algumas vezes que tu foste obrigado a levantar para não ficar todo mijado te estimula a tentar enganar o corpo. É uma tarefa desagradável caminhar só de pijama até o banheiro, bêbado de sono. Na volta para cama o edredon vai ter esfriado, vai custar a esquentar de novo. Aquele sonho estava bom, mas sobre o que era mesmo? Que horas será que são? Se falta pouco para tocar o despertador não vale a pena levantar. O volume que pressiona a bexiga te incomoda e não deixa relaxar de novo. Em alguns minutos, fica óbvio que terás que encarar os fatos, dá uma raiva de ter ficado adulto. As crianças e adolescentes dormem doze horas sem levantar, bexiga elástica. Porque tu não investisse numa calefação tipo aquelas dos europeus? Tu passas a tentar barganhar com o mundo, ficas imaginando alternativas. Talvez fazer na cama mesmo, azar. Uma irritante lembrança da última vez que tu tentaste isso, aos dez anos de idade, a cacáca que foi, te desvia a atenção. Esperto, abdicas dessa opção e passas a ponderar sair da cama enrolado num cobertor. Essa é outra ideia descartada, certo que vais sair derrubando tudo pelo caminho e ainda vais ficar urinado na hora de tirar o pinto para fora. Não, não tem saída, uma depressão te invade, tu vais ter que fazer o que é certo, por mais infeliz que seja. O último estágio é o da aceitação. Resignado, tu vais finalmente ao banheiro, o mais rápido que podes, mas cambaleante, aborrecido, tiritando. Fazes o que tem para ser feito e voltas para o leito, entras naquele útero quentinho, te acomodas o melhor que podes de novo, ajeitas todas as dobrinhas das roupas de cama nas curvas do corpo para que nenhum ar frio fique soprando desconforto no cangote. Quando tu estás já entrando em R.E.M., toca o despertador. Argh!!!
Imaginemos agora outra cena, uma absurda. Vamos pensar o que ocorreria se tu te recusasse a atender aquela demanda do corpo. Afinal, tu és crente no livre arbítrio e não queres sair da cama. Decides pelo impossível: não ir até o banheiro aliviar-se e, ao mesmo tempo, não molhar a cama. A vontade de urinar começa a ficar maior e uma dorzinha aparece no baixo ventre, mas, fiel a tua crença tola que se pode decidir com liberdade, tu te iludes que podes seguir dormindo. É inútil, em pouco tempo o corpo já ameaça te desobedecer e, num momento de distração, umas gotinhas escapam. Agora tu já estás sofrendo, nenhum sono mais é possível, tu estás plenamente desperto e até começas a suar diante do esforço. Todo o prazer que tinhas de estar deitado no quentinho não existe mais. Na tua mente só aparecem pensamentos em luta: a opção óbvia de liberar os esfíncters e outra teimosa que quer provar que a mente domina completamente os apetites do corpo. Todos sabemos o resultado disso. O corpo vai por a mente de joelhos e tua fé no livre arbítrio vai ser humilhada por um argumento inegável. Tu estás todo molhado de xixi e agora vais ficar com as duas opções que querias evitar, levantar no frio e não mais dormir, acrescidas de outras muito constrangedoras: Tomar banho, lavar as roupas de cama e colocar o colchão ao sol para secar daquela patética e fétida tentativa.
O livre arbítrio é uma crença de base religiosa tão tola como tantas outras que já foram superadas. A Terra é o centro do universo, o Ser Humano é o único que raciocina, as estrelas estão presas no éter. Apesar de estúpida diante das evidências, resiste ao tempo. Todas as religiões colocam sua fé nessa quimera e todos os sistemas jurídicos são baseados nela, mesmo os laicos. Nossas leis foram escritas confiando nessa premissa: que todos os seres humanos tem esse dom, diferente dos animais que só agem por instinto, que podem decidir livremente quais atitudes vão tomar. Esse é o discurso. A convicção é unânime e dogmática. Ai daquele que levante sua voz contra o livre arbítrio. Esse sim, ficará preso numa viscosa substância etérea e será ignorado pois, evidentemente, se encontra mergulhado num oceano de blasfêmia.
Mas, tu leitor, que já pisou nas margens desse oceano, pois obviamente ainda me acompanhas nesse texto, raciocine comigo. Vamos imaginar outra cena. Tu estás fazendo vestibular, concentra-te numa questão de trigonometria mas, sem o menor cabimento, licença ou autorização, uma voz silenciosa e interna te pergunta se realmente fechaste a porta ao sair de casa ou algo assim. Tu respondes aquela vozinha, que é a tua mesmo, rapidamente para não atrapalhar na elucidação do problema matemático. Caminhas um pouco na prova e lá vens tu de novo, te atrapalhando com suposições estapafúrdias. Será que o Valtinho está pegando a Léa? Tu imaginas a Léa e o Valtinho na cama, vê toda a cena num segundo. Uma segunda voz entra na cena, é tua também! Vamos voltar ao triângulo-retângulo, por favor? A hipotenusa se descobre... Mas que tá pegando, tá! Durante toda a prova tu vais te ouvindo em trocentas vozes, todas puxando algum assunto diferente. Tu levantas a cabeça, olha o fiscal, toma uma águinha tentando te livrar daqueles fantasmas, voltas aqueles malditos catetos, mas a polifonia está ali, insistente. Todos nós temos esses diálogos internos, despertos e sonhando. Não temos a menor possibilidade de evitá-los, não temos o menor controle sobre eles. Os pensamentos vão se seguindo entre a diagonal do cubo e o volume da esfera. Vem de tudo: o preço da lata de atum, uma piada politicamente incorreta, a bunda da vizinha, o orgulho da tua mãe se tu passares nessa prova, o Raul Seixas... Pronto, essa questão tá morta, agora... Os pensamentos são totalmente aleatórios. Mesmo com todas essas distrações a maioria das pessoas consegue ao fim terminar a prova da melhor maneira que sabe. Fomos criados nessa comunidade, estamos acostumados a trabalhar ouvindo todas aquelas vozes internas. Aquele manancial de pensamentos, imagens, vozes e diálogos que tu não escolhes, é tu mesmo! Claro que se tu tivesses algum livre arbítrio escolherias ficar em silêncio interior e focar numa única voz, aquela que lê e resolve os problemas. Mas livre arbítrio não existe, não podemos ter o que não existe. Se não temos livre arbítrio, não podemos escolher nada? Como escolhemos então?
A crença no livre arbítrio, vou chamar de “LA” para facilitar, exige que se acredite que o corpo é separado de alguma forma da mente. Corpo e mente não seriam a mesma coisa. Assim, a mente seria uma espécie de chefe e o corpo um funcionário não muito obediente. Essa idéia de separação é tão forte que algumas religiões afirmam que a mente seguirá livre depois da morte do corpo. Seria a alma. A personalidade da criatura, com toda sua memória e seus afetos, seguiria para uma outra vida, essa eterna, sem o corpo, doloroso, faminto, cansado, desejante, mortal e finito para atrapalhar. E mais: a alma de alguém cairia direitinho junto daquelas outras almas que ama para se curtirem para sempre. Por mais boba que possa soar, essa história rege o mundo desde, quem sabe, o primeiro ser humano! Acreditar nessa tolice é extremamente reconfortante. O medo da finitude e a consciência da inevitabilidade da morte, produzem esse tipo de fé. Uma fé dogmática, pois simplesmente questioná-la já seria muito doloroso. Acreditar que comer melancia com leite ou tomar banho depois do almoço matam também são crenças bastante conhecidas e dogmáticas. As pessoas aprendem quando crianças coisas assim e não questionam nada, só as vivem para passar para seus filhos. Tais fés, muitas vezes, realmente ajudam a viver. Tiram muito da angústia da insegurança e fragilidade da vida. Criamos esses dogmas imaginando que estamos fazendo o melhor para sobreviver... para sempre! Mas não misture uva com manga!!! Empedra tudo no estômago e é mortal!
Os crentes no LA tem a reconfortante ilusão que estão sob controle da vida, assim como os religiosos crêem até que podem agir de formas a controlar o além da vida! Mas, que pena: Somos iguais a qualquer outro ser vivo, somos mesmo animais comuns e seguimos os instintos em todas as decisões. Comemos, dormimos, defecamos, cruzamos, parimos e amamentamos como qualquer mamífero. Esqueça, a Terra não é o centro do universo. Não somos diferentes ou especiais em nada, não controlamos nada! Não temos LA nenhum, assim como não o tem qualquer camelo.
O corpo e a mente são a mesma coisa. Podemos inclusive criar um nome diferente, vou chamar de corpente. Para perceber claramente que o corpo e a mente são um único corpente, dê uma boa martelada no teu dedo indicador. Num instante, corpo latejante e mente dolorida vão estar consciente e inegavelmente unidos. Tente isolar tua mente agora e responder aquela questão da área do cone. Rapidamente perceberás que teu LA para resolver o problema não está mais AQUI, está LÁ, só na fé.
Estás incrédulo! Não sabes como tomamos decisões se não temos LÁ. Bueno, é simples e bem menos impressionante que uma alma eterna, isolada do corpo, que pode livremente escolher agir bem ou mal. Tomamos decisões examinando, através da memória, toda nossa vida regressa para avaliar as vezes que foi bom ou ruim para a sobrevivência as decisões tomadas anteriormente. Voltando ao exemplo que iniciou esse texto: temos inúmeras experiências no início da vida de fazer xixi na cama. Lá pelas tantas experimentamos levantar para fazer no banheiro. Diante da comparação de custos e benefícios, o cérebro avalia, a partir de um dado momento, que é melhor levantar para não se mijar todo. Assim também aprendemos a caminhar, a andar de bicicleta, a escolher relacionamentos, a obedecer ou não os pais ou o chefe. Diante da pergunta: Queres um cafézinho? Em frações de segundo o cérebro resgata da memória todas as vezes que tu tomaste cafézinho. Algumas vezes o dia estava frio e foi bom um café quente, outras estava calor e a experiência foi ruim. A primeira xicrinha é quase sempre boa, mas a décima já pode ser enjoativa. Uns estavam frios e fracos, outras vezes quentes e fortes. Teu cérebro avalia como está teu corpo no instante da decisão diante do meio que se apresenta e as decisões sempre serão no sentido do melhor para preservar teus genes. Se já almocei, não vou aceitar um convite para uma lasanha na casa de um amigo. Mas se estou faminto respondo sim sem hesitar. Estou com muita sede, não gosto de pepsi, mas é só o que tem, pode ser? Pode. Ela é feia, mas rica, vou dar uma chance, assim meus filhos vão estudar numa escola particular. Algumas decisões são fáceis de tomar, já que todas as situações anteriores foram boas ou ruins: Queres dez mil reais? Quero! Queres um tapão na cara? Não! Mas algumas são difícieis porque nunca foram tomadas e os resultados podem ser desastrosos: Largo o emprego ou não? Caso com ela ou não? Me enterro num financiamento de um carro zero ou compro um usado?
A vida sem a crença no LÁ não muda em nada nossas condutas. Mas nossa compreensão dos eventos da vida sim. O LÁ sempre foi usado para opressão. Os gays, como teriam LÁ, deveriam escolher não sê-lo! Afinal, ser homossexual foi uma decisão que livremente eles teriam escolhido. Os alcóolatras, se tivessem LÁ, não seriam bêbados. Se existisse o LÁ, eles teriam escolhido não ser “sem vergonha”, como muitos ainda escutam. Hoje em dia esses exemplos já são melhor compreendidos ou ajudados. Ser gay não é uma opção sexual, mas sim uma orientação genética. O alcoolismo é uma doença grave e os doentes devem ser ajudados e não condenados. Quantos pecadores seriam “salvos” se a crença no LÁ não existisse. O psicopata deve ser ajudado, ele não escolheu nascer com o cérebro deformado, sem remorso ou compaixão. O ladrão não escolheu ser fora da lei, ele se viu obrigado, diante da injustiça social ou fome. O pedófilo não escolheu ter essa tara, ele nasceu com ela, vamos pensar como ajudá-lo? Quem sabe investimos em castração química ou isolamento de crianças. Eles mesmos seriam voluntários e se apresentariam espontâneamente ao tratamento se não fossem ameaçados de prisão. O aluno “burro” da escola será que escolheu fingir ser pouco inteligente? Ou ele realmente não consegue seguir raciocinios mais complexos. O cara não teve LÁ nenhum para agir diferente! Vamos ajudá-lo!  
Tu agora estás perplexo! O Tiago está propondo que todo mundo é inimputável? Não, longe disso. O Eduardo Cunha tem que ir para cadeia, apesar de ele também não ter LÁ. Ele só se aproveitou do meio ambiente de impunidade em que se encontrou para preservar seus genes e de sua prole. A sociedade o ajudará se privá-lo de liberdade. Ele agora precisa encontrar um limite, para que haja, entre suas experiências de vida regressa, uma memória de taquarada nos dedos. A sociedade caminha para uma maior civilidade, uma sociedade onde a ética, a conduta virtuosa, é um valor moral importante. Os gays já foram queimados na fogueira por não se compreender seu comportamento. Mas em muitos países eles já tem direitos iguais. No nosso ainda não, eles não vão para fogueira aqui, mas ainda temos muito que ajudá-los. Acredito que a compreensão que não existe LÁ será um degrau importante a ser subido pela humanidade no processo civilizador.
Fique AQUI e agora e deixe essa fé tola no LÁ da eternidade inexistente.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Imaginemos um agente imobiliário falcatrua. Ele faz vários negócios fraudulentos durante um tempo, enriquece e influencia outros a agir como ele. Os negócios prosperam, apesar da evidente ilegalidade de seus atos anti-éticos. Finalmente é denunciado, sua licença de corretor de imóveis é cassada. Seus clientes foram lesados porque seus negócios são nulos. Alguns poucos sócios da sua súcia enriqueceram com ele, mas muitos de boa fé foram logrados. É óbvio que seus negócios tem que ser investigados, seus sócios também cassados e presos com ele. É óbvio que seus negócios tem que ser invalidados e os prejudicados ressarcidos do prejuízo. É óbvio que é golpe! Ô STF!!! Anula tudo, caras!!!