domingo, 17 de junho de 2018


Riachuelo e Rondon
Bebel me convidou com umas duas semanas de antecedência: “Estive na casa da Riachuelo, os figos estão quase bons para doce. Tu vais comigo daqui uns dias ajudar a colher?” Ora, claro, aquela casa era um lugar super interessante que eu não tive muito acesso. Me alertou para as dificuldades, teríamos que por roupas de manga comprida, touca e luvas, porque a figueira causa muitas coceiras. A proposta me pareceu bem aventuresca, eu tinha uns 10 anos e aceitei na hora. Minha mãe e eu tínhamos muitas afinidades, se armar para enfrentar a natureza era uma delas.
No dia combinado, lá fomos nós, preparados e cheios de sacolas e bolsas para trazer a produção. Caminhamos Riachuelo afora até o 421, minha mãe ia relembrando os vizinhos e os comércios que costumava frequentar. Sua casa de infância estava toda fechada, como muitos outros sobrados do centro pelos quais passamos, estavam sendo trocados por pequenos edifícios residenciais. Nossa caminhada pela rua foi cheia de lembranças alegres, mas melancólica. Aquele mundo descrito por minha mãe ja não existia.
A casa estava há uns tempos sem ninguém morar, depois de alguns anos alugada, agora estava à venda. Bebel tirou um grosso chaveiro da bolsa e abriu a pesada porta. A luz do sol entrou e entramos atrás. Subimos a escadinha e um ar frio nos cercou. Nossas vozes ecoavam nos espaços vazios. Um cheiro conhecido, mas ao mesmo tempo estranho, com uns longes de mofo, me encheram de curiosidade. Antes de começar a tarefa, subimos as escadas para o segundo piso segurando no corrimão torneado, ouvindo as tábuas rangerem. Lá em cima, minha mãe foi me mostrando cada quarto, comentando quem havia morado ali, o que gostava de fazer, os costumes de meus tios e avós. Abrimos com dificuldade algumas janelas já emperradas para olhar a rua e o pátio, arejando os cômodos. Descemos para as salas, copa e cozinha. Bebel ia relembrando ricas histórias, com objetos e personagens que não estavam mais ali, mas conseguia fazer com que eu imaginasse tudo e me emocionasse com os acontecidos. Ficamos por uns instantes em silêncio, observando a casa vazia. Bebel estava mexida.
Saimos para o pátio atrás da casa, muros altos, o galinheiro calado, abandonado. Entre outras frutíferas, a figueira carregada. Vestimos nossa “armadura” de proteção, Bebel colocou até um lenço no rosto. Passamos uma manhã rodeando aquele pé, trepados nos galhos. Tiramos muitas sacolas de figo, até que ela ficou satisfeita. Chega, nem poderiamos carregar mais. Colocamos em mochilas e bolsas, trocamos de roupa e entramos na casa de novo. Olhávamos os figos como se fossem troféus. Celebramos a difícil colheita como uma grande vitória. Lavamos as mãos na torneira que primeiro guspiu ferrugem, depois água. Fizemos um lanchinho sobre a pia, meio na penumbra, com um sanduíche que Bebel trouxera. Minha mãe tinha o hábito de transformar uma trabalheira em uma grande aventura. Era uma super amiga.
Fechamos tudo e saímos carregados, foi a última vez que estive naquele sobrado da Riachuelo. Logo a casa foi vendida e não pudemos mais entrar. Quando minha mãe chaveou a porta, selou o caixão da história daquela família, daquele núcleo familiar. Por essa época, somente minha avó Izar já havia falecido, mas todos os moradores originais da casa tinham se mudado para outros lugares. As paredes das salas vazias eram testemunhas de uma história, de pessoas, objetos e eventos passados que nunca mais poderiam ser revividos. Situação exatamente igual a que vivemos agora na mansão da Rondon. O mundo já deu tantas voltas. Bebel morreu, meu avô Dante, tios Cyro e Luiz também. Quando agora vou na casa em que cresci, uma grande melancolia me invade. Fico mexido como Bebel na Riachuelo. Caminhar pela Rondon é como caminhar numa rua estranha. Meus pontos de referência foram substituídos por construções mais novas, meu mundo está sumindo. Na esquina onde havia um armazém, agora tem um shopping! Quando eu era criança nem existiam shoppings! Fico incomodado olhando minha própria história que se escoa inexoravelmente. Eu mesmo já sou um velho, sou eu que tento, sem sucesso, contar para meu filho alguma coisa que vivi ali. Surgem conversas de vender a casa que agora, afinal, só é usada para almoços familiares. Caminho pelos corredores da casa com a mesma sensação daquela vez na Riachuelo, uma angústia de fundo, entro nos quartos vazios visualizando cenas passadas. O ruído da casa é oco, o cheiro é conhecido mas ao mesmo tempo estranho e também com longes de mofo, penumbra por todo lado, não se abrem mais as janelas porque emperraram. Os móveis estão sendo consumidos pelos cupins. Algumas torneiras cospem ferrugem antes da água. Ainda colho uvas e goiabas, acendo a lareira para fingir normalidade e dar uma vidinha, mas são os últimos suspiros de um moribundo. Fico um momento em silêncio refletindo: Aquele núcleo familiar também já não existe mais. Estamos vivendo as últimas colheitas da figueira da família. Não há nada que eu possa fazer para mudar isso, nem todo dinheiro do mundo mudaria. A única coisa que posso fazer é serenamente aceitar as mudanças, na rua, na casa, na família, no corpo e aproveitar os últimos momentos no lar.

É aterrorizante perceber a velocidade dos fatos. A vida é de uma fugacidade impressionante. O mundo não para e tu percebes que já estás mais próximo da porta de saída. Depois que duramente admites tua finitude, começas a te perguntar se viveste tudo que sonhaste viver. Viveu mesmo ou só trabalhou? Te flagras que a vida é uma só? Amanhã, como vais aproveitar teu dia? Uma ocasião, no final de sua vida, Bebel ainda me surpreendeu uma última vez. Comentei como ela havia vivido intensamente, chamei sua atenção para o tanto que estudou, tantos cursos concluiu. Ela me olhou nos olhos e perguntou impiedosa: Para que? Amanhã tenho que trabalhar, mas também, aprendi com ela, sempre me pergunto, para que? Somos somente um agenciamento atômico, uma centelha de energia que dura não mais que alguns instantes, logo seremos esquecidos. A vida só serve para ser vivida, não tem mais nenhuma função nem é ensaio para outras. Viva, porque é só isso aí mesmo!
“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não pára”
Cazuza
“Tempo é alguém que permanece
Misterioso impenetrável
Num outro plano imutável
Que o destino desconhece
Por isso a gente envelhece
Sem ver como envelheceu
Quando sente aconteceu
E depois de acontecido
Fala de um tempo perdido
Que a rigor nunca foi seu.”
Jayme Caetano Braun

domingo, 10 de junho de 2018


Fake news
No final do século XIX, os primeiros automóveis começaram a aparecer na Europa. No início, foram considerados muito silenciosos, a tal ponto que havia uma lei no Reino Unido que obrigava que caminhando à frente de todo automóvel em deslocamento sempre viesse alguém tocando corneta e sacudindo uma bandeira vermelha para evitar acidentes. Não, isso não é uma piada ou invenção minha. Mas entendo porque tu estás achando engraçado ou absurda essa informação. Contextualize e tente pensar numa cidade grande daquele tempo, numa hora movimentada, onde todos os veículos eram de tração animal ou humana. Imagine uma carroça de quatro cavalos ferrados, troteando por uma rua calçada com granito paralelepípedo. Percebes o ruído que fazem os cascos na pedra? Agora imagine várias dessas carroças transitando para lá e para cá o dia todo, mais charretes, carros de boi e cavalos selados, tropas de burros e mulas de carga. O barulho do “sapateado” era infernal. Um veículo automotor, com seu ronronar desconhecido, nunca seria escutado. Para piorar, os cidadãos ainda tinham que conviver com ruas fétidas, cobertas de esterco e urina de todos aqueles animais. Os primeiros automóveis foram recebidos com grande entusiasmo pela população por representar uma grande promessa de solução para o saneamento das cidades.
O entusiasmo era tanto por aquelas máquinas maravilhosas e impressionantes que rapidamente se espalharam pelo mundo. Agradaram, apesar de, naquela época, elas serem frágeis, pouco confiáveis, os próprios fabricantes eram praticamente os únicos capazes de operá-las, eram feitas uma a uma e muito caras. Mostras, competições e salões começaram a pipocar por todos os países. No salão do automóvel de Nova York de 1900, fizeram uma pesquisa entre os visitantes sobre qual seria a fonte energética do futuro para os carros particulares. Lembrando que havia em exposição carros movidos a querosene, gasogênio, gasolina, diesel, gás, álcool, carvão mineral, eletricidade e até lenha.  Somente 5% dos entrevistados citaram a gasolina como a alternativa mais provável para o século que se iniciava. Os motores de combustão interna eram complicados, difíceis de lidar, para fazer a maquina funcionar se tinha que acionar uma manivela pesada que podia ate quebrar sua mão. Os motores à vapor eram os mais populares e conhecidos, mas outros tipos de motores eram os mais desejados. No ano anterior um carro elétrico havia sido o primeiro a utrapassar a barreira dos 100 km por hora e, portanto, os motores elétricos eram os mais promissores e foram os mais citados naquela pesquisa.
As propostas eram as mais diversas e as perspectivas econômicas também. O mercado estava em franca expansão. A companhia de extração de petróleo Standard Oil, dos irmãos Rockefeller, percebeu a enorme oportunidade que tinha. Na época, detinha o monopólio da indústria petrolífera americana. Essa empresa começou a fazer acordos de cooperação com diversos fabricantes de automóveis, financiando pesquisas e testes, bancando os motores que fossem movidos a gasolina e garantindo postos de abastecimento do combustível por todo país com um bocal de abastecimento universal. Ao mesmo tempo, comprava as empresas de transporte público de bondes elétricos somente para fechar o serviço com alguma desculpa furada, obrigando os usuários a repensar seu modo de deslocamento urbano. Sim, tu já deves ter entendido, o capitalismo é assim selvagem. Os fabricantes competidores do mercado de automóveis usavam todas as armas que podiam para conseguir mais clientes. Ransom Olds, fabricante da marca Oldsmobile, começou a fabricar em série automóveis de luxo, barateando e aumentando a velocidade de entrega dos carros em 1902. Já em 1913, Henry Ford, fabricante dos Ford, aperfeiçoou a linha de montagem em série para produzir carros populares movidos a gasolina (que tinha postos de abastecimento por todo o país com bocal universal garantidos pela Standard Oil). Em 1914, com quatro meses de salário, um operário da Ford poderia comprar seu próprio modelo T novinho. A grande rede de postos de abastecimento da Standard Oil, somada a falta de alternativas de transporte depois da precarização no transporte público provocada pela própria companhia, a eficente linha de montagem da Ford barateando os custos e a imensa demanda por carros fez com que os veículos movidos por um motor a gasolina saíssem vencedores de uma disputa épica. Mas não que fossem os melhores, longe disso.
Havia motores melhores à época, mais eficientes? Sem dúvida. Um motor elétrico, por exemplo, tem uma única peça móvel, e é muito mais simples e confiável que um a gasolina que tem centenas de peças que tem que ser montadas, reguladas, lubrificadas e checadas regularmente. Em termos de eficiência energética, o motor a combustão interna é ridiculamente perdulário, somente 40% da energia química contida na gasolina realmente se transformam em movimento do carro. Ora, então porque atualmente os carros são quase todos movidos por motores de ciclo Otto a gasolina ou álcool? A resposta a essa pergunta e aterradora: porque tu foste enganado por várias “fake news” que te levaram a aceitar uma situação inaceitável. Mercadologicamente o motor a gasolina é mais interessante porque tem mais coisas a estragar, trocar, manter, além, é claro, de precisar ser abastecido com gasolina. Se venderem um carro, garantem anos de consumo de gasolina. Cria-se um mercadão onde haveria um mercadinho. Tu és o tolo que os Rockefeller enganaram. O troço é um combustível fóssil! Repare: Fóssil!!! Mas tu acreditas nas propagandas que dizem que o carro tem um motor de moderna tecnologia. Daí o cara compra aquilo e sai orgulhoso por ai soltando fumaça da queima de fósseis. Tá mais para uma fogueira primitiva, do tempo das cavernas... Fóssil, cara... Queimar fóssil!!! E os caras te enganaram tão direitinho que tu tens que comprar a toda hora um pouco mais de fósseis apodrecidos para queimar...
Alguém só se questiona sobre a pertinência do modelo de deslocamento quando acontece algum desabastecimento, como o causado pela recente greve dos caminhoneiros. Será que os automóveis particulares movidos à combustíveis são a melhor alternativa? Claro que não, mas agora, passados mais de 120 anos da adoção do modal, construida toda uma infraestrutura, redes de distribuição, frotas e cidades inteiras baseadas no automóvel, fica difícil admitir que erramos. E erramos feio.
O mundo e feito de “fake news”. Os americanos são sempre professores nessa arte. Em 2011, depois do ataque terrorista de onze de setembro, os Estados Unidos invadiram e bombardearam a esmo o Afeganistão com a ridícula desculpa que o mandante dos atentados estaria escondido lá. Colou, a comunidade internacional se solidarizou com o pobrezinho do Tio Sam. Na verdade, Osama Bin Laden não estava lá, o que os americanos realmente queriam era o gás natural que o Afeganistão tem. Destruiram tudo, colocaram um governo servil e pronto, gás grátis! Nem se sabe se Osama realmente existiu ou foi só um personagem inventado também. “Jogaram no mar” o corpo do terrorista, o fato é que ninguém viu. O próprio ataque terrorista de onze de setembro dizem que foi forjado pelo governo americano porque precisavam uma desculpa qualquer para invadir uns dois ou três países. Não duvido. As invasões americanas, tão comuns, sempre são realizadas sobre notícias forjadas, as “fake news”. Logo apos o Afeganistão, os americanos invadiram também o Iraque, com a desculpa que Sadam Husseim estaria planejando ataques com armas de destruição em massa. Tudo mentira também, depois de bombardear tudo, destruir o país e prender o cara, revelaram que Sadam não tinha as armas de destruição em massa. Mas, era tarde, os Estados Unidos já tinha se apossado dos poços de petróleo do país. Outro exemplo histórico importante, o Vietnam foi arrasado, mataram mais de um milhão de vietnamitas, alegando que o país comunista teria afundado um navio americano. Mas também era uma notícia inventada. Todas, simplesmente todas, as invasões americanas são baseadas em desculpas falsas porque “fake news” é a forma usual que os poderosos lançam mão para obter o que querem.
 Aqui mesmo no Brasil, os Estados Unidos interferem na vida do país. Não estou falando agora de carros movidos a gasolina, de Coca-cola ou Marlboro, coisas que nos fazem acreditar através de fake news e propaganda enganosa que são boas para nós. Estou falando de derrubar governos utilizando uma trama de mentiras deslavadas. Getúlio Vargas se matou porque se viu envolto num cipoal de notícias falsas. O golpe militar de 64 foi também urdido a distância pelos americanos. Mais recentemente, a presidenta Dilma foi deposta por uma série de factóides criados propositalmente para causar confusão e direcionar a opinião pública. O fato é que depois de derrubado o governo se descobre que as notícias que determinaram a história eram falsas. Perícia do Tribunal de Contas da União revelou, nesse exemplo mais recente da presidenta Dilma, que ela não fez as tais pedaladas fiscais que lhe custaram o cargo. Os Estados Unidos costumam usar as Fake News porque é um método barato de obter o que querem. Com seu poder midiático, ninguém consegue desmentir à tempo. E o que os americanos ganharam derrubando Dilma? O petróleo do pré-sal, é claro.
Os exemplos vão ao infinito. A questão dos transportes agora está sendo bastante debatida porque se chegou a um ponto de insustentabilidade. O Brasil fez uma escolha pelas rodovias seguindo orientações americanas de desenvolvimento. Porém, na ponta do lápis, se percebe claramente que um modelo de transporte de cargas e passageiros baseado em ferrovias e hidrovias seria muito mais barato. Mas outros exemplos são ainda mais sutis. Os esportes são apregoados como panacéia social. Nos ensinam que faz bem para saúde, mas o que se vê entre os praticantes são seguidas lesões graves. Nos afirmam que forja um carácter ético, mas o que realmente acontece é um festival de corrupção em todos os níveis, do bandeirinha que vende resultados, aos cartolas presos por desvio de verbas. Apregoam que afasta das drogas, mas os testes antidopping provam exatamente o contrário. O atleta é um sujeito que busca as drogas para amenizar as dores da prática insalubre ou aumentar sua performance. Defendem que é includente, mas a verdade é que nos esportes a exclusão é a regra. Somente um vencerá, o resto tem que se resignar. O fenômeno esportivo é todo baseado em “fake news”. Nas escolas, a maior sala de aula é sempre o ginásio de esportes e os materiais didáticos mais caros são os equipamentos de educação fisica. Porque se gasta tanto no esforço de ensinar esportes? Ora, porque é a pedagogia da resignação, somente alguns privilegiados vencerão, sempre os mesmos, mas o “importante é competir”!! Resigne-se! O que realmente os esportes ensinam é a competição capitalista americana.
Repare que quem vende a Coca-cola, faz uma propaganda que ela é ótima. Mas qualquer nutricionista vai afirmar que é o pior alimento que se pode ingerir. Por muito tempo, se vendia cigarros prometendo uma vida muito mais glamourosa e feliz, mas o que se obtinha na realidade era uma vida cheia de problemas de saúde. Quem vende carros movidos a combustíveis, jura que são máquinas modernas, que são o melhor meio de se deslocar pelas cidades e até que são ecológicos e sustentáveis! Quem vende os esportes, promete saúde e inclusão, nada mais longe da realidade.
As “fake news” são como inço, nunca sairão da tua horta de conhecimento. “Eles” inçam o mercado com informações falsas e dominam o mundo. Será que não está na hora de “nós” começarmos a lançar nossas próprias fake news? Como “eles” tem os meios de comunicação nas mãos (porque começaram um século antes a inçar) teremos que ser muito efetivos nisso. Coragem, companheiros, porque nesse ano de eleições, a luta está só começando!