sábado, 7 de janeiro de 2017

Acabei de assistir ao filme Capitão Fantástico. Trata de uma família que vive de forma alternativa no interior dos Estados Unidos. O local é muito parecido com a minha Barra do Ouro, com vales, florestas de encosta, escarpas rochosas, animais selvagens e pequenos rios de corredeiras. Nos trailers e nos primeiros momentos do filme, fiquei empolgado com a temática e curioso com o desenrolar da história. Um casal cuida e instrui seis filhos, nenhum frequenta a escola ou tem algum contato com a sociedade organizada. Lembrei de muitos vizinhos que empreenderam fuga das cidades e também acreditam que seus filhos terão vidas mais saudáveis e felizes sem a segurança do aglomerado urbano. Eu mesmo sou um, corri para as montanhas tentando me salvar. No cinema, mesmo afastadas da formação acadêmica, as crianças tem educação rigorosa. Lêem os clássicos da literatura mundial, aprendem outros idiomas, estudam matemática, física e biologia e passam por exames em casa. Além disso, mesmo os pequenos tem treinamento militar de corrida, escalada, defesa pessoal, sobrevivência na selva, caça e construção de abrigos. As crianças são responsáveis por cuidar da horta, cozinhar, arrumar e limpar suas próprias coisas. O desenrolar da trama nos leva a refletir sobre vantagens e desvantagens da educação em casa (unschooling), do convívio com a natureza, do radicalismo nas escolhas, socialização, intolerância religiosa, relacionamentos familiares, alimentação saudável e muitas outras questões pertinentes. É difícil até perceber o que o diretor gostaria de evidenciar, se há algo, porque o filme é bom em expor as muitas mazelas sociais da atualidade. O enredo vai aos poucos tomando partido e o esforço daqueles pais em educar seus filhos da melhor maneira possível começa a ser desconstruído: Eles passam a ser pintados como malucos desajustados que põe em risco a vida da prole em nome de ideais estapafúrdios. E as cores do quadro são fortes. Apesar de, segundo o filme, com aquele estilo de vida, as crianças obterem melhor condicionamento físico, melhor aptidão para interpretação de textos, conhecimentos sobre flora, fauna, clima e relevo da região onde vivem e autonomia numa situação difícil na natureza, são completamente despreparadas para interagir adequadamente com o resto da humanidade. O filme é uma grande caricatura das pessoas que se arriscam a sair do sistema. Galhofa de forma grotesca com as habilidades sociais dos personagens. As roupas, a ignorância sobre produtos conhecidos como marcas de tênis ou refrigerantes, a idolatria a pensadores de esquerda, tudo é motivo de troça no filme. Algumas cenas são patéticas, como a comemoração do nascimento de Noam Chomsky ao invés do Natal, a participação num velório com roupas ultra coloridas ou aquela que o adolescente pede a mão da menina em casamento após o primeiro beijo. No final, a irresponsável decisão das crianças e adolescentes, claro, é ficar naquela vida de parque temático militar, pois seriam incapazes de decidir diferente. Mas o pai, com o resíduo de sanidade mental e maturidade que o filme lhe reserva, decide morar numa casa normal ao lado da estrada, faz a barba e põe todo mundo na escola. O filme acaba com esse grande Ufa! O movimento de unschooling e interiorização está ganhando muita força no mundo, especialmente nos Estados Unidos. Capitão Fantástico me incomodou uma barbaridade. É uma história forjada para sutilmente desmerecer o esforço de construção de uma nova sociedade, com outros valores. O começo do filme é cheio de elogios àquela proposta de vida, mas, do meio para o fim, começa a didaticamente “provar”, por A+B, que a tentativa é um disparate de loucos. É um filme que recomendo vivamente que assistam, mas com esse olhar crítico, o roteirista discorda do unschooling. Proponho que todos vejam e comecem a pensar num outro roteiro, com outro final. Que seja também num local lindo, quem sabe até aqui na minha Barra do Ouro, com bela fotografia e crianças de revista de moda. Mas que agora haja uma integração social normal, que haja vizinhos, visitas e que a caricatura agora seja das crianças da cidade grande, obcecadas pelo consumo, obesas, que sofrem e praticam bullying e que não conhecem nenhuma espécie nativa da região onde moram.