domingo, 4 de setembro de 2016

Ontem fui a Porto Alegre de novo. Aniversário da irmã caçula. Me arrependo toda vez que lá vou, que lugar medonho. Depois de um trânsito ultra mega estressante, com trocentos carros e motos disputando ferozmente espaço nas ruas, fui ao supermercado Zaffari comprar pão, estava movimentado. Corredores e mais corredores abarrotados com toda sorte de produto, desde peras até celulares de última geração. Tudo que tu sonhas está lá, assim como aquelas coisas que tu nem imaginas que exista, é um paraíso do consumo, um jardim do éden. O chão é lisinho, nem é preciso olhar, não chove dentro nem venta, a luz vem de todos os lados, não tem sombras. A coisa toda é feita para o teu foco ficar nas coisas expostas nas prateleiras, tu não vais deixar de enxergar nada. E gente, muita gente, todos desconhecidos, ninguém te olha nos olhos. O cara fica até tonto, entra pensando em comprar pão e sai com dois jogos de lençóis de malha. Tinha umas 80 caixas abertas, mas todas com fila. Escolhi a menos pior e esperei. Na minha frente uma família feliz, incluídos levando alimentos ultraprocessados. Na hora deles passarem as compras no crivo da funcionária, a mãe lembra que esqueceu os limões e recomenda a filha adolescente que busque rápido e escolha os melhores. Num tapa a guria volta com as lindas bolotas verdes e brilhantes num saquinho transparente. Percebi que era a única fruta que levavam, talvez uma caipirinha. Na minha vez a operadora pergunta: é cheque ou cartão? Me surpreendo, não estava pensando em usar nenhum dos dois. Não se usa mais dinheiro aqui? Ufa, ela aceitou umas notas velhas e amassadas que eu tinha como pagamento das minhas comprinhas. Saí dali e fui visitar uma amiga no décimo oitavo andar de um prédio vizinho. No caminho, atordoado, fui refletindo. Onde será que as pessoas que moram no edifício plantam seus limões? Evidentemente elas não plantam nada! São dependentes de um sistema de entregas que leva tudo até aquele entreposto chamado supermercado. Os alimentos vem de caminhão, às vezes passando por várias fábricas, até que fique na forma desejada. Para serem produzidos e ficar redondos e lustrosos como aqueles limões, muito veneno tem que ser aplicado às lavouras para que nem um inseto deforme aquela ótima aparência. Lembrei do papo que tive com vizinhos apicultores da Barra. Um me contou de um tio que tinha 200 caixas de abelha e ano passado não tirou sequer um quilo de mel. Outra lamentou que o marido, que sempre tirava 250 kg, também amargou prejuízo, nem para o consumo da família conseguiu. As caixas estavam vazias ou com todas as abelhas mortas. Perguntei onde estavam colocados os enxames e fiquei chocado ao saber que é um dos locais mais preservados do estado, no Garapiá, no meio de uma reserva de mata atlântica. O desaparecimento das abelhas é um fenômeno mundial e apavorante. O livro da Rachel Carson, Primavera Silenciosa, já em 1962, previu o atual momento da humanidade, quando os insetos não mais polinizariam as plantas, os pássaros morreriam e também logo toda vegetação. O esforço humano de se desenvolver, ou melhor dito, não se envolver com a natureza, foi tão eficaz que não só afastou os insetos e limoeiros para longe do décimo oitavo andar das cidades, mas também está conseguindo extingui-los da face da terra. Na casa de meu pai, filtros e garráfas d’água na geladeira. Ele reclama da qualidade da água da torneira em Porto Alegre, fedida e com gosto ruim. Lembrei de outro livro: O Jardim de Granito, Anne Whiston Spirn. A autora analisa as cidades, como elas se desenvolvem, os erros que cometem ao se desenvolverem e como deveriam se envolver com a natureza para promover uma vida melhor para os cidadãos. Ao final do livro ela formula regras para o colapso das cidades, lembrando dos inúmeros casos de cidades que já colapsaram ao longo da experiência humana na Terra. Só recordo dos últimos dois estágios antes da morte de uma cidade, por insustentabilidade. O penúltimo é que a água das torneiras está contaminada, obrigando o consumo de água envasada. E o último ela chama de “o escândalo das águas”, quando mesmo a água engarrafada está imprópria para o consumo. Curioso, que mesmo com a experiência das cidades incas, maias, astecas, egípcias, roma e tantas outras, impérios inteiros, civilizações super complexas que desapareceram por insustentabilidade, seguimos tomando decisões erradas. Aqui no Brasil, não por coincidência, acaba de tomar o poder as forças conservadoras do agronegócio, da concentração de renda, do fundamentalismo religioso, da bancada da bala, que resolve tudo aos golpes e não no diálogo. Um grande desânimo me invade, é humano, será que não tem como ser diferente? Não sei, mas, evidentemente, o colapso está em curso, é inexorável e nem fugir para as colinas adiantará, pois nem lá haverá limões para chupar.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Se você passa na rua por um homem batendo numa mulher e se omite, não fala nada, está apoiado a injusta opressão. Somos professores, temos o dever de ensinar. O congresso nacional foi eleito democraticamente, por mais que me doa dizer isso, nós elegemos aqueles corruptos golpistas. Eu, como professor, não posso me omitir, tenho que falar, esclarecer. Não de forma maniqueísta, identificando mocinhos e bandidos, mas de forma a soprar a bruma de informações ilusórias em que os alunos estão imersos. Eles já são eleitores ou serão brevemente. Se nos omitirmos eles terão a formação que a mídia golpista quer que eles tenham. A direita perdeu quatro eleições seguidas, mesmo com a força da mídia de que é dona. Acabou a disposição deles de respeitar as urnas, democracia é boa até que seja a "nosso" serviço. Senhor professor, com serenidade, com coragem, com conhecimento, com argumentos, não se cale. A "escola sem partido" tem a intenção de sepultar opiniões, criar um clima de perseguição a quem é "antipatriótico". A repressão já começou e vai piorar. Temer, no seu primeiro discurso como presidente não eleito já deixou claro: "Não tolerarei ser chamado de golpista". Eu me posicionei hoje diante dos 9°, 8° e 7° anos, amanhã pretendo fazê-lo com os sextos. Os alunos se surpreendem: "Professor, isso é aula de Educação Física ou o que?" A Educação Física também tem que ser cidadã, inclusiva, democrática, não pode ser alienada da sociedade em que vive. Muitos colegas de trabalho também não percebem o que está acontecendo. Converse, não se omita, ponha na mesa sua opinião, saia do armário. O atual congresso foi eleito depois de 30 anos de acomodação democrática, uma geração que não sofreu privações de liberdade de opinião, esquecemos. Respeite a opinião dos que comemoraram o impeachment de Dilma, mas deixe claro seu posicionamento, defenda a mulher que apanha: existem rochedos que não são levados pelas enchentes do rio, resistem. Coragem, companheiros de trabalho, pois a luta continua.