domingo, 4 de novembro de 2018


Competição e cooperação
Dois eventos importantes na vida escolar coordenados pela Educação Física ocorreram na semana da criança e nos levaram a refletir muito sobre a prática pedagógica. Ambos atraíram a atenção dos alunos com muita intensidade e exigiram muito comprometimento e esforço físico dos participantes. A diferença fundamental entre eles foi o foco da atividade que determinava envolvimentos de natureza muito diferentes. Para os alunos mais velhos, pela manhã, tivemos uma competição, um campeonato esportivo de futsal. À tarde, para os mais novos, os jogos cooperativos.
Tanto a competição quanto a cooperação ocorrem normalmente na natureza. Assim como formigas e abelhas cooperam entre si para viver em colônias, zebras e leões competem e somente o mais rápido sobreviverá. Como qualquer espécie, o ser humano também convive com as duas formas de lutar pela sobrevivência. Compete e coopera entre si e com outros animais. Porém, é forçoso constatar que, no mundo natural, nossa espécie tem sido muito bem sucedida. Aparentemente estamos ganhando uma grande competição entre os seres vivos. No entanto, nossa espécie está longe de atingir o sucesso de formigas. Se colocarmos numa balança todos os seres humanos e todas as formigas, elas são muitas vezes maiores que nós. E mesmo todas as formigas do mundo não chegam perto do sucesso das gramíneas.
Examinemos um exemplo muito humano: a fertilização do óvulo pelo espermatozoide. Algumas pessoas veem ali uma grande competição. Milhares de espermatozoides que carregam os mesmos genes competem para atingir o objetivo e somente um obterá êxito na fecundação. Aí estaria uma grande prova natural da virtude da competição, nascemos de uma luta para decidir quem é o mais apto, quem teria mais mérito para gerar descendentes. No entanto, se estudarmos melhor, veremos que existem espermatozoides de diversos tipos. Alguns servem como bucha de canhão, abrirão caminho, são os mais rápidos, mas serão queimados pelo ambiente hostil das trompas, farão somente um tapete protetor com seus próprios corpos para passagem dos outros. Terão aqueles que serão guerreiros, são os mais fortes, lutarão contra espermatozoides de outros machos que porventura tenham ejaculado antes naquela fêmea. Alguns ficarão para trás propositalmente, são os mais franzinos, formando uma barreira que impede a passagem de outros genes. Outros ainda, nem tão rápidos, nem tão fortes, nem tão franzinos, serão protegidos pelos demais para que tenham um caminho livre para nadar até o óvulo. Podemos concluir por, em vez de uma competição, um esforço coletivo, uma grande colaboração para que o grupo atinja seu objetivo. Nascemos de uma grande cooperação e a virtude estaria nela. Perceba que, pessoas diferentes podem relatar de formas totalmente distintas observando a mesma cena da fertilização humana. Suas conclusões dependerão muito de suas inclinações políticas, sociais e culturais.
Voltando ao campeonato de futsal na escola, é sempre impressionante ver o esforço das crianças participando da atividade. Querem vencer de todo modo e para isso se entregam visceralmente a atividade. Começam discutindo para decidir quais times jogarão primeiro, a maioria dos alunos terá que esperar um longo tempo por sua vez. Também debatem quem entrará no time, fazem uma “seleção” entre eles, pois somente cinco de cada turma pode jogar por vez e os outros ficarão na “reserva”. Muitas outras divergências surgem durante as partidas que provocam acalorada discussão. Se foi falta ou não, se a bola saiu do campo de jogo ou mesmo de quem seria o direito de iniciar a partida. Um juiz precisa decidir os conflitos de interesse quando há discordância. Ainda assim, mesmo com a aceitação por ambos os times da legitimidade do árbitro, existem brigas com ele sobre as decisões que toma. Os conflitos ocorrem porque o objetivo de um time é diametralmente oposto ao de outro. Se um grupo atinge seu objetivo, obrigatoriamente o grupo adversário não pode atingi-lo. Para um time vencer, outro terá que sair derrotado. Ao final da atividade, alguns saem felizes, aos gritos de “é campeão” enquanto a maioria sai frustrada, buscando explicações, culpando uns aos outros pelo fracasso.
Já nos jogos cooperativos, todas as crianças participam ao mesmo tempo, ninguém fica excluído e o objetivo de um é exatamente o mesmo do outro. Assim, o sucesso de um acarreta também o sucesso de todos os outros. Durante a atividade, não há conflitos e ao final, todos saem faceiros com os resultados.
Aparentemente, a competição gera exclusão, frustração e conflitos e a cooperação gera inclusão, satisfação e paz. É claro que só posso descrever as cenas observadas dentro de minha formação pessoal como professor, outra pessoa talvez observasse coisas completamente diferentes como no caso da fertilização humana. Dependendo da perspectiva, até mesmo os esportes podem ser interpretados como uma ferramenta pedagógica de cooperação. Porém, é tal a importância das competições como valor moral na nossa sociedade, que tendemos a tornar tudo uma competição e investimos pesado nelas. Reflita comigo, vamos lembrar alguns fatos: Os maiores e mais caros prédios, de qualquer cidade, são os estádios de futebol. Repare que são construções bem ociosas, só são usados uma ou duas vezes na semana. Os esportes tem espaço garantido no horário nobre das mídias, com diversas empresas competindo para patrocinar as caríssimas transmissões ao vivo. A maior sala de aula, de qualquer escola, é sempre o ginásio de esportes, assim como o material didático mais caro é sempre o da Educação Física entre todas as disciplinas ensinadas às crianças. Luciano Huck transforma a habilidade de soletrar palavras ou empilhar copos plásticos em competição nacional para crianças nos sábados à tarde. Faustão transforma cantar, dançar e atuar em divertidas competições aos domingos. Promovemos até mesmo concursos de beleza para decidir quem é a mais bonita ou bonito. Enfim, o entretenimento que é promovido a população são competições de qualquer sorte. A onipresença das competições no mundo de hoje, desde os momentos de lazer, até as decisões mais importantes da sociedade como as eleições, deixa claro que quem tem o poder quer que elas se perpetuem.
Para esse professor, a discrepância é tão grande entre os dois eventos observados na semana da criança no que se refere à paz e harmonia entre os alunos, que precisamos parar e refletir: porque ensinamos a competição na escola? As respostas a essa pergunta são das mais diversas. Mas, o principal argumento a favor do ensino das competições nas escolas é o de que as crianças enfrentarão competições no futuro, então já devem ir se acostumando. A vida é assim, competitiva, então teríamos que lidar com isso de uma forma didática. No entender de alguns adultos, as crianças devem aprender a enfrentar adversários com objetivos opostos, seguindo regras, obedecendo autoridades e sabendo admitir derrotas com dignidade e lidar com frustrações. É verdade, mas também enfrentarão o mercado de trabalho e nem por isso as fazemos trabalhar na infância. Ao contrário, nós as protegemos o máximo que podemos para terem uma formação ótima sem traumas e sequelas. Estamos quase conseguindo, através de leis e regras, erradicar o trabalho infantil. A mesma coisa em relação às doenças. As crianças também enfrentarão doenças, mas fazemos o que podemos para erradicá-las totalmente. Lutamos para que as doenças desapareçam das preocupações humanas. Ou, pelo menos, mantemos as crianças distantes das enfermidades até que tenham condições para se defender melhor. Não vejo benefícios no ensino das competições, ao contrário, só vejo males. Veja que nós mesmos determinamos o que as crianças devem aprender. Porque não determinamos que elas aprendam uma sociedade de solidariedade, de inclusão, de colaboração, de resolução de conflitos através do diálogo e do entendimento? Porque temos que ensinar que a melhor forma de resolução de discordâncias seja um enfrentamento? Acho que temos o dever de ensinar outras formas de sociedade. Uma sociedade que não se divirta com a competição e a exclusão, mas com a solidariedade, a cooperação e a inclusão.
No entanto, a legislação ainda obriga o professor de Educação Física a ensinar esportes nas escolas, assim como lutas. Os executivos municipais, pressionados pela união, apressam-se em construir quadras poliesportivas e o material oferecido para as aulas é na maior parte de esportes. Ainda padecemos da preocupação do ensinar as crianças a competir. Mas isso não é mais necessário. Tu não precisas mais catar alimentos no mato, nem caçar javalis. Dividimos as tarefas e cada um faz só um pouco do trabalho, como os espermatozoides. Uns são policiais, outros pedreiros, uns fazem o pão e outros plantam o trigo, uns cuidam dos enfermos e outros ensinam os mais novos. A educação, segurança e saúde estão universalizadas, ao alcance de todos. Nossa espécie é bem sucedida atualmente graças à cooperação. Passamos a nos desenvolver muito mais rápido quando privilegiamos a cooperação. Todos podemos vencer e assim a vida se perpetua mais facilmente. Atualmente, nem precisamos mais competir com outros animais. Ou você teve que correr de algum leão ultimamente? Ainda estamos caminhando em direção à utopia do bem, para todos, todo tempo. Sabemos de antemão que nunca chegaremos, mas caminhar para esse horizonte nos faz avançar muito. No meu entender as crianças não precisam trabalhar, nem ficar doentes, nem competir. Se isso acontecer vai ser um acidente que se lutará para evitar.

domingo, 28 de outubro de 2018


A fauna ensandecida do Ocidente
Uma ocasião, quando adolescente, era o finalzinho da ditadura, talvez 85, veio a calhar de eu ir ao bar Ocidente no Bom Fim em Porto Alegre. Queria muito conhecer, mas jamais teria iniciativa para ir sozinho lá. Fui arrastado por uma de minhas irmãs mais velhas, ela combinou de encontrar alguém. Na época, era o lugar mais avant-guarde da cidade, era a referência do que havia de fantasticamente inovador no cenário cultural. Subimos a escadinha, o lugar era escuro e pequeno, no segundo andar de um antigo prédio caindo aos pedaços, não fiquei nem um pouco impressionado. As paredes eram pintadas de preto e umas luzes neon roxas iluminavam o balcão. Como em qualquer bar, não tinha nada para fazer, só sentar, beber e conversar meio aos gritos, atrapalhados pela fumaça e som alto da bandinha no canto. Achei um saco, nem beber eu bebia, o bar lotado, todo mundo meio se coxando e fumando no aperto. Mas precisava ver alguma coisa legal lá, afinal, todo mundo desejava estar ali e eu estava. Fiquei olhando os frequentadores, eram muito esquisitos! A fauna presente era variadíssima, como no bar do Guerra nas Estrelas. Eu tinha uns dezesseis anos e achei todos eles muito adultos, alguns até velhos. Um casal, sentado numa mesa a minha frente, dividia uma cerveja e se olhavam sem parar nos olhos com tédio. Porém, de cinco em cinco minutos, tiravam as línguas para fora e davam uma enorme lambida na língua do outro. Não era um beijo, era uma lambida mesmo, como se um fosse o sorvete gigante do outro. Pela primeira vez vi piercings e alargadores de orelhas, beijos gay, tatuagens e cabelos raspados só de um lado. Era um povo livre, democrático, de outro mundo, muito a frente de seu tempo careta do Brasil de então, artistas, pensadores, nunca os tinha visto de dia na rua. Minha irmã apontou alguém e falou seu nome, disse que era músico. Já tinha ouvido falar do cara, mas não conhecia nada dele, não me interessou. Finalmente, encontrado o amigo naquela confusão e bebido um único gole gelado, minha irmã e ele resolveram sair do bar apertado. E eu sai junto, claro. Eu era um guri super passivo, ia onde mandavam, mas agora estava feliz. Eu havia estado no inferninho da moda, teria algum status para me gabar na escola. O ar fresco e puro da noite primaveril nas calçadas da redenção era muito melhor que o abafamento daquele ambiente fumacento. Mas a experiência me marcou.
Muito depois, aos vinte anos, ativamente tive a iniciativa de ir morar um tempo no exterior. Dias antes da Eleição de 89, quando Lula perdeu para Collor, fui parar em Amsterdam sem querer, não me deixaram entrar em Londres que era meu objetivo inicial. Peguei meus quatro primeiros aviões da vida num único dia e estava bem cansado, apesar da euforia da epopeia intergaláctica. Ao desembarcar, na estação central da cidade, sai caminhando a esmo, procurando a pousada para dormir. Era uma noite fresca de outubro, outono europeu, e logo percebi que tinha chegado no bar Ocidente do mundo. O albergue era no bairro da luz vermelha, me surpreendi com as prostitutas nas janelas. Punks, putas rebolando só de sutien, cabelos pintados de azul, gays de bigode e quepe como Freddy Mercury se beijando na boca no meio da rua e todo mundo fumando. Eu olhava tudo com grande curiosidade, mas fingia normalidade e tentava não demonstrar espanto, pois eu era um cidadão do mundo democrático depois de ter frequentado (por quinze minutos, mas valeu) o bar Ocidente na adolescência. Me senti o próprio Luke Skywalker negociando informações nas esquinas do bairro com seres tatuados e caudas coloridas.
Passados uns quinze anos voltei ao bar Ocidente, agora de curioso, por iniciativa própria. Estava andando a esmo pelo Bom Fim, saindo de uma festa de um curso que fazia a noite e passei na frente do inferninho pintado de negro. Lembrei da atmosfera de vanguarda e da sensação de estar visitando o futuro em outro mundo. Subi as escadinhas e encontrei mais ou menos a mesma cena, escuridão, barulho e aperto. Mas agora achei todos os frequentadores bem mais jovens do que eu e não vi nada de interessante, não fiquei nem cinco minutos e sai desapontado. Comentei com um tio o quão decepcionante foi a visita. Agora eram adolescentes que frequentavam o lugar. Que decadência triste. Meu tio me alertou que o bar não tinha mudado, agora eu é que era outro. Naquela primeira visita, a média de idade era a mesma da atual. O mundo não para e muitas noites frescas já abraçaram meu corpo. A impressão que tenho é que eles ficaram mais jovens, mas fui eu quem envelheceu.
Muitas voltas deu o mundo e minha irmã do meio arrumou um namorado compositor. Ele já estava coroa, mas tinha sido um grande personagem da minha trilha sonora de adolescência. Me agradava o relacionamento entre eles. Uma de suas canções comparava o Bom Fim com Berlim. Nunca estive em Berlim, mas acredito que na época que ele compôs, 1987, realmente não era muito diferente. O bairro era onde se reunia a nata da intelectualidade portoalegrense. Lá pelas tantas na música ele se refere aos frequentadores do bar Ocidente como uma “fauna ensandecida”. Essa frase me tocava muito, pois traduzia perfeitamente o que senti naquela primeira visita ao bar. Infelizmente, minha irmã acabou com o relacionamento antes que eu tivesse tempo para partilhar com ele minhas impressões do Ocidente e como sua música havia me preparado para não me espantar tanto com Amsterdam.
Passados trinta anos da primeira visita ao Ocidente, a mesma irmã que me levou lá convidou para o teatro. Volto a Porto Alegre numa noite fresca de outubro, primavera brasileira, dias antes da eleição de 2018, que Lula perdeu para o golpe. Chegamos bem cedo e podemos esperar tomando um café no foyer. Aos poucos foi chegando o público e, estranhamente, todo mundo me pareceu muito esquisito e familiar, apesar de não conhecer ninguém. Minha irmã me disse que o público desses eventos é sempre mais ou menos o mesmo. Bueno, concluo que ela mesma é uma das habitués, já os reconhece e com alguns até conversa. Num estalo me dou conta de onde os conheço: do bar Ocidente! Eram eles, os mesmos frequentadores, mas agora idosos. Tatuagens desbotadas e cabelos brancos, batas indianas disfarçando os quilos a mais e moccasins comportados. Distintos senhores e senhoras, um pouco esquisitos, dificilmente a gente os vê na rua de dia. São animais noturnos, como as prostitutas de Amsterdam. E noutro estalo caiu a ficha, estou eu ali no meio de novo, por mais quinze minutos, fingindo normalidade para não chamar a atenção, mas meio espantado e por dentro percebendo as voltas que o mundo dá. Eu também sou um bicho daqueles, agora de cabelos brancos. De tanto conhecer bares, ouvir canções, pedir informações para gente esquisita, assistir a peças de teatro, fazer viagens e estudos, muitos namoros e casamentos fracassados, trotar por Amsterdam ou Berlim, eu também sou um dos esquisitos frequentadores do bar. E também envelheci. A única coisa que não dá voltas é o tempo, ele é o único que segue sempre em frente, mas permanece imóvel e imutável.
A peça de teatro que assistimos, O Rei da Vela, era uma remontagem de um texto de 1933. Apesar de antiga, com poucas alterações nos nomes a peça ficou atual. Dá até dó de ver que o mundo dá várias voltas, mas as mazelas brasileiras seguem as mesmas. Ao final da encenação, o experiente ator/diretor da peça, Zé Celso, de 81 anos, fez um pequeno discurso. Ele lembrou de outros momentos que esteve em Porto Alegre. Alguns durante a ditadura, como tinha sido duro. Quando militares paravam a peça de teatro no meio e revistavam a plateia, coisas do tipo. Mas lembrou que o inverno mais rigoroso também passa e a primavera vem. E voltam as cores e a alegria. A arte volta também. Ele falou que aquele momento nosso, ali ao final do espetáculo, de alegria e arte, era uma primavera. Que os governos do PT no Brasil tinham sido uma primavera para o país. Que os Negros puderam existir, os pobres estudar, os gays aparecer. O país inteiro floriu. Falou que Haddad e Manuela são uma primavera também, lindos e jovens, como a arte, que se renova sempre. Como meu tio fez, Zé Celso também tentou chamar a atenção para a passagem do tempo e como nossas percepções das situações vividas podem mudar. Foi bem emocionante ver um velho experiente tentando nos dar esperança para o segundo turno e para um eventual governo Bolsonaro.
Não se apoquente, o mundo dará voltas independente do resultado das eleições e sempre haverá um Ocidente para ir encontrar uma fauna ensandecida pensando e fazendo um mundo mais colorido e alegre.

sábado, 27 de outubro de 2018


Ontem tive que ficar com o prézinho a tarde toda. Faltaram alguns professores. Depois do recreio choveu e tivemos que ficar na sala. Deixei brincar com os legos. Impressionante como as crianças pensam em armas. Conhecem os nomes (fuzil, pistola, revólver, metralhadora) e brincam de matar. Não admira o coiso ter tanto eleitorado. Então, eu proibi de construir armas. Passaram a fazer naves espaciais e viaturas policiais que se envolviam em guerras imaginárias. O mundo deles é uma batalha diária. Tirei os legos e os coloquei a desenhar com o tema: a aula que tivemos na pracinha. Como não ofereci nenhuma atividade competitiva, só circuitos de motricidade ampla onde todos eram incluídos de forma igual, eles pararam com o belicismo. Pedi que desenhassem as árvores, as flores e nós mesmos, bem coloridos, como estávamos felizes e sorridentes, sem brigas, no pátio antes de começar a chover. Aos poucos, os pais foram buscando e lembrei que aqueles alunos vão ficar todo final de semana longe da educação planejada, profissional. Refleti sobre a importância da escola, da Educação Física, da socialização e da intervenção do professor na construção de uma cultura de paz. Meus esforços vão ter concorrência amadora forte.
No meu entender, política, educação pública e bem estar social são indissociáveis. A política nos deu grandes progressos sociais. No tempo das cavernas, não havia direitos, o mais forte fazia o que bem quisesse. Matava, estuprava, roubava, conforme seus desejos e caprichos. Os mais fracos se organizaram e lutaram por mais justiça social. Unidos, venceram os tiranos. Depois a sociedade foi se sofisticando. Na antiguidade não havia eleições, o rei mandava. Daí alguns que achavam aquilo injusto, lutaram por repúblicas e conquistaram parlamentos e eleições. Mas ainda assim, escravos e mulheres não votavam. Os oprimidos se uniram de novo e venceram, acabou a escravidão e as mulheres e ex escravos também poderiam votar, ter voz na sociedade. A educação profissional, as escolas com seus professores, eram um luxo da elite. Mas a grande luta por justiça social, o desejo político de uma grande maioria pelo bem de todos, tornou a escola universal. A mesma coisa aconteceu com saúde e segurança pública. Ainda estamos caminhando em direção à utopia do bem para todos todo tempo. Sabemos de antemão que nunca chegaremos, mas caminhar para esse horizonte nos faz avançar muito.
Toda escola tem um Projeto Político Pedagógico, é lei, tem que ter. É um plano, onde reunidos, os professores escrevem o que pretendem, quais seus objetivos, seus sonhos, a sociedade que pretendem construir naquela escola. Foi uma grande conquista da luta por uma educação melhor. É um documento importantíssimo, mas atualmente bastante negligenciado. Os pais nem sabem que existe, os professores nunca leem. Muitas vezes é escrito às pressas, numa única tarde, só reescrevendo algum trecho de PPP’s antigos. Deveria ser escrito com tempo, com participação de todos, com interesse por saber se tratar da constituição futura daquela comunidade. Mas, a política foi considerando mais importante outras coisas e foi esquecendo da importância de sentar e conversar para decidir os princípios da educação e daquela escola específica. A palavra “política” vem do grego, traduzindo livremente quer dizer o bem de todos. Porém, atualmente, as pessoas dizem que odeiam política, que não querem conversar sobre isso. Como alguém pode não querer o bem de todos? Como foi que as políticas anteriores levaram a um distanciamento tão grande do seu significado que torna as pessoas avessas ao seu próprio bem estar?
Precisamos retomar o “político” do projeto pedagógico. Eu sou parceiro!
Educação a distância, todo cidadão ter uma arma de fogo, jogar no lixo o ECA, cada um por si e dels por todos? Tô fora, amanhã sou Haddad. Luto pela união solidária entre as pessoas, luto pela defesa dos mais vulneráveis, sou contra a volta à competição da selva onde quem tiraniza é quem tem mais poder de fogo.


segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Parabéns a todo corpo docente das escolas e universidades brasileiras pelo dia dos Professores. Apesar da conjuntura sombria pela qual atravessa nosso país, temos muito a comemorar. Pela primeira vez temos um professor em condições de se eleger presidente da nação, um doutor em Filosofia (de lambuja, também é mestre em economia). Esse candidato, como vocês todos sabem, é um grande defensor de Paulo Freire, do pensamento crítico, assim como seu provável ministro da educação, Mario Sérgio Cortella. Haddad foi um ministro da educação excelente. Entre outras tantas iniciativas, foi ele que encaminhou o projeto do piso nacional do professor, com aumento real anual. Depois, saiu para se candidatar a prefeito de Sampa e Tarso assumiu a pasta e ficou com a honra de assinar a lei do piso. Além disso, como ministro, Haddad elaborou o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Programa Universidade para todos (ProUni), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), criou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para avaliar a qualidade do ensino nas escolas públicas no país, o Ciência sem fronteiras que dá bolsas para estudantes de pós no exterior, construiu diversas universidades e escolas técnicas capilarizando o ensino superior no interior. Osório, por exemplo, tem um Instituto Federal e um Campus avançado da UFRGS Graças a Haddad. Não se pode negar que o cara é muito comprometido com a educação de qualidade. Sei que o grupo é exclusivo de pedagógico, não de política, mas nada mais pedagógico que isso. Planejar a educação é nossa profissão. Temos o dever de promover a educação de qualidade. A alternativa é de péssima qualidade. Só como exemplo, rejeita Paulo Freire e o pensamento crítico com veemência. Para mim, só isso já basta. #haddadpresidenteprofessor13

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Pessoal, não esqueçam, a democracia é uma ferramenta poderosa, assim como uma motosserra. Se for bem usada, constrói uma casa. Mas assim como derruba um eucalipto jovem, facilmente também derruba uma árvore nativa milenar. Hitler foi democraticamente eleito na Alemanha. Ele como governante também fez diversos plebiscitos para legitimar suas ações. A democracia tem seu lado perverso. Dependendo da pergunta que for feita nas urnas, pode autorizar o extermínio de minorias, aprovar tortura para obter informações e pena de morte para se livrar de indesejados. Cuidado na hora de escolher nossos representantes. A motosserra pode cortar os dedos, braços, ou até pernas do próprio usuário ou mesmo a madeira derrubada pode cair para seu lado e esmagá-lo. Cuidado! Mas tenho certeza que o eleitorado brasileiro nesse segundo turno vai fazer bom uso da ferramenta para construir uma boa casa para todos e eleger #Haddad13.

sábado, 6 de outubro de 2018

Sabes o Criador do Facebook, Mark Zuckerberg? Sabias que ele é ateu? Pois é. Sabes o Bill Gates, criador da Microsoft (Windows/Android)? Ateu também! Sabes o Steve Jobs, criador da Apple? Outro ateu. Esse tu nem conheces: Alain Touring. Ele foi o pai da computação, era ateu também . Mas esse tu já ouviste falar: Thomas Edison, ateu que ficou rico porque inventou a lâmpada para tirar a gente da escuridão. Dizem que copiou todas as ideias de outro ateu famoso que morreu pobre porque não patenteava suas invenções: Nikola Tesla. Aliás, a empresa que mais cresce no mundo atualmente e está revolucionando o mercado automobilístico com carros elétricos de grande autonomia, a Tesla Motors, leva esse nome porque seu dono, o ateu Elon Musk, quis reparar uma injustiça histórica. Pessoas a frente de seu tempo. Se tu estás faceiro aí fuçando no seu celular agradeça a nós ateus, Somos muitos, de Einstein a Camila Pitanga, de Dráuzio Varella a Lima Duarte, de Antônio Fagundes a George Clooney, de Stephen Hawking a John Lennon. Pessoas das mais variadas inclinações políticas, de Karl Marx a Diogo Mainardi, Pessoas lindas como Angelina Jolie e feias como Chico Anysio. Somos bem diversos e fazemos tudo que podemos para melhorar a sociedade. Luis Fernando Veríssimo é ateu como eu, assim como Brad Pitt, Charlie Chaplin, Nietzsche, Freud, Mick Jagger, Juca Kfouri, ou Nando Reis. A lista dos assumidos é enorme, fora os que ficam no armário. Não estou me comparando a nenhum deles, só estou lembrando alguns fãs mais exaltados do candidato Bolsonaro que nós não somos uma ameaça a sociedade. Ao contrário. Obrigado.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Super curioso o debate na globo. Acho que Marina, Meireles e Ciro combinaram algumas perguntas porque as respostas eram recitadas de cor. O Meireles tomou alguma medicação para ficar calmo, estava com a língua tão grossa que mal conseguia falar, repetia sem parar que era ficha limpa, mas isso não é o mínimo? Álvaro Dias tomou alguma birita para relaxar, não conseguia nem formular as perguntas ou ficar parado na frente da câmera. Alckmin, campeão da total falta de carisma, disse com todas as letras que quer privatizar tudo e Ciro concordou que privatizar as creches públicas é um bom caminho. Bonner errou feio três vezes, estava bem relaxado, rindo, fazendo piada, estava cagando e andando para o resultado do programa. Haddad foi o mais atacado, ficou ofuscado com tanta defesa e falou pouco. A melhor fala foi de Boulos: "não dá para fingir que está tudo bem". Lembrando da possibilidade da volta do autoritarismo fascista, da tortura, do machismo, da exclusão dos negros e LGBT que a candidatura do coiso representa. Bolsonaro não pode ir no debate porque, segundo ele, o médico assim recomendou. Curiosamente o médico o deixou dar uma entrevista no mesmo horário para a record, do "bispo" Edir Macedo... Ia apanhar o despreparado. Meu voto é Boulos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018


A semana que entra promete muitas tempestades no estado. Más notícias para professores de Educação Física que trabalham em escolas sem ginásio. Mas não é só no tempo que as coisas estão instáveis. A diminuição do poder da Globo frente as redes sociais é evidente. Seu candidato, Alckmin, tem pífios 5% de intenções de votos, eles já perceberam que não vai rolar. Para o PSDB, partido que foi ao segundo turno com Aécio e obteve 51 milhões de votos na última eleição, isso é nada. Porém, ainda esperneiam: hoje vieram com uma "delação" contra Ciro Gomes. Como sempre, sem nenhuma prova, só o que alguém falou, mas igual sai no jornal nacional e vira meme de rede social. Já a carta de FHC pensa mais longe e pede uma "união contra os extremistas" sugerindo que Alckmin, Meirelles, Amoedo e Marina (união dos golpistas) abram mão de suas candidaturas furadas em favor exatamente de... Ciro. Estão batendo cabeças. Tentaram, de todas as formas calar Lula: prenderam o cara, impedem entrevistas, não deixam nem ser citado na propaganda eleitoral do PT! Mas até o PMDB, que desde Quercia (lembra dele?) não apresentava candidato próprio, tenta capitalizar votos em cima de Lula com o risível Meirelles. Querem nos fazer acreditar que era graças a Meirelles que Lula era tão bom. Será que o liso PMDB tem outro plano para impor seu quarto presidente (Sarney, Itamar e Temer) sem votos? As denuncias do ministério público contra Haddad parece não surtiram muito efeito, mas, como sempre, a Globo planeja uma orquestração para mudar os rumos do pleito. Vão entrevistar o perturbado esfaqueador Adélio dois dias antes das eleições. Claro que ele vai dizer que é do PT, que foi a mando do PT, que sua defesa é paga pelo PT, etc. Como o sequestro de Abílio Diniz em 89. A globo está quebrando, ainda pode criar muitos factoides que viram memes rápido nas redes. Tempestades se aproximam e as más notícias não vão ser só para professores de educação física. Mas não esqueça, depois da tempestade sempre vem a... enchente. Fiquemos espertos, a luta continua.

domingo, 17 de junho de 2018


Riachuelo e Rondon
Bebel me convidou com umas duas semanas de antecedência: “Estive na casa da Riachuelo, os figos estão quase bons para doce. Tu vais comigo daqui uns dias ajudar a colher?” Ora, claro, aquela casa era um lugar super interessante que eu não tive muito acesso. Me alertou para as dificuldades, teríamos que por roupas de manga comprida, touca e luvas, porque a figueira causa muitas coceiras. A proposta me pareceu bem aventuresca, eu tinha uns 10 anos e aceitei na hora. Minha mãe e eu tínhamos muitas afinidades, se armar para enfrentar a natureza era uma delas.
No dia combinado, lá fomos nós, preparados e cheios de sacolas e bolsas para trazer a produção. Caminhamos Riachuelo afora até o 421, minha mãe ia relembrando os vizinhos e os comércios que costumava frequentar. Sua casa de infância estava toda fechada, como muitos outros sobrados do centro pelos quais passamos, estavam sendo trocados por pequenos edifícios residenciais. Nossa caminhada pela rua foi cheia de lembranças alegres, mas melancólica. Aquele mundo descrito por minha mãe ja não existia.
A casa estava há uns tempos sem ninguém morar, depois de alguns anos alugada, agora estava à venda. Bebel tirou um grosso chaveiro da bolsa e abriu a pesada porta. A luz do sol entrou e entramos atrás. Subimos a escadinha e um ar frio nos cercou. Nossas vozes ecoavam nos espaços vazios. Um cheiro conhecido, mas ao mesmo tempo estranho, com uns longes de mofo, me encheram de curiosidade. Antes de começar a tarefa, subimos as escadas para o segundo piso segurando no corrimão torneado, ouvindo as tábuas rangerem. Lá em cima, minha mãe foi me mostrando cada quarto, comentando quem havia morado ali, o que gostava de fazer, os costumes de meus tios e avós. Abrimos com dificuldade algumas janelas já emperradas para olhar a rua e o pátio, arejando os cômodos. Descemos para as salas, copa e cozinha. Bebel ia relembrando ricas histórias, com objetos e personagens que não estavam mais ali, mas conseguia fazer com que eu imaginasse tudo e me emocionasse com os acontecidos. Ficamos por uns instantes em silêncio, observando a casa vazia. Bebel estava mexida.
Saimos para o pátio atrás da casa, muros altos, o galinheiro calado, abandonado. Entre outras frutíferas, a figueira carregada. Vestimos nossa “armadura” de proteção, Bebel colocou até um lenço no rosto. Passamos uma manhã rodeando aquele pé, trepados nos galhos. Tiramos muitas sacolas de figo, até que ela ficou satisfeita. Chega, nem poderiamos carregar mais. Colocamos em mochilas e bolsas, trocamos de roupa e entramos na casa de novo. Olhávamos os figos como se fossem troféus. Celebramos a difícil colheita como uma grande vitória. Lavamos as mãos na torneira que primeiro guspiu ferrugem, depois água. Fizemos um lanchinho sobre a pia, meio na penumbra, com um sanduíche que Bebel trouxera. Minha mãe tinha o hábito de transformar uma trabalheira em uma grande aventura. Era uma super amiga.
Fechamos tudo e saímos carregados, foi a última vez que estive naquele sobrado da Riachuelo. Logo a casa foi vendida e não pudemos mais entrar. Quando minha mãe chaveou a porta, selou o caixão da história daquela família, daquele núcleo familiar. Por essa época, somente minha avó Izar já havia falecido, mas todos os moradores originais da casa tinham se mudado para outros lugares. As paredes das salas vazias eram testemunhas de uma história, de pessoas, objetos e eventos passados que nunca mais poderiam ser revividos. Situação exatamente igual a que vivemos agora na mansão da Rondon. O mundo já deu tantas voltas. Bebel morreu, meu avô Dante, tios Cyro e Luiz também. Quando agora vou na casa em que cresci, uma grande melancolia me invade. Fico mexido como Bebel na Riachuelo. Caminhar pela Rondon é como caminhar numa rua estranha. Meus pontos de referência foram substituídos por construções mais novas, meu mundo está sumindo. Na esquina onde havia um armazém, agora tem um shopping! Quando eu era criança nem existiam shoppings! Fico incomodado olhando minha própria história que se escoa inexoravelmente. Eu mesmo já sou um velho, sou eu que tento, sem sucesso, contar para meu filho alguma coisa que vivi ali. Surgem conversas de vender a casa que agora, afinal, só é usada para almoços familiares. Caminho pelos corredores da casa com a mesma sensação daquela vez na Riachuelo, uma angústia de fundo, entro nos quartos vazios visualizando cenas passadas. O ruído da casa é oco, o cheiro é conhecido mas ao mesmo tempo estranho e também com longes de mofo, penumbra por todo lado, não se abrem mais as janelas porque emperraram. Os móveis estão sendo consumidos pelos cupins. Algumas torneiras cospem ferrugem antes da água. Ainda colho uvas e goiabas, acendo a lareira para fingir normalidade e dar uma vidinha, mas são os últimos suspiros de um moribundo. Fico um momento em silêncio refletindo: Aquele núcleo familiar também já não existe mais. Estamos vivendo as últimas colheitas da figueira da família. Não há nada que eu possa fazer para mudar isso, nem todo dinheiro do mundo mudaria. A única coisa que posso fazer é serenamente aceitar as mudanças, na rua, na casa, na família, no corpo e aproveitar os últimos momentos no lar.

É aterrorizante perceber a velocidade dos fatos. A vida é de uma fugacidade impressionante. O mundo não para e tu percebes que já estás mais próximo da porta de saída. Depois que duramente admites tua finitude, começas a te perguntar se viveste tudo que sonhaste viver. Viveu mesmo ou só trabalhou? Te flagras que a vida é uma só? Amanhã, como vais aproveitar teu dia? Uma ocasião, no final de sua vida, Bebel ainda me surpreendeu uma última vez. Comentei como ela havia vivido intensamente, chamei sua atenção para o tanto que estudou, tantos cursos concluiu. Ela me olhou nos olhos e perguntou impiedosa: Para que? Amanhã tenho que trabalhar, mas também, aprendi com ela, sempre me pergunto, para que? Somos somente um agenciamento atômico, uma centelha de energia que dura não mais que alguns instantes, logo seremos esquecidos. A vida só serve para ser vivida, não tem mais nenhuma função nem é ensaio para outras. Viva, porque é só isso aí mesmo!
“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não pára”
Cazuza
“Tempo é alguém que permanece
Misterioso impenetrável
Num outro plano imutável
Que o destino desconhece
Por isso a gente envelhece
Sem ver como envelheceu
Quando sente aconteceu
E depois de acontecido
Fala de um tempo perdido
Que a rigor nunca foi seu.”
Jayme Caetano Braun

domingo, 10 de junho de 2018


Fake news
No final do século XIX, os primeiros automóveis começaram a aparecer na Europa. No início, foram considerados muito silenciosos, a tal ponto que havia uma lei no Reino Unido que obrigava que caminhando à frente de todo automóvel em deslocamento sempre viesse alguém tocando corneta e sacudindo uma bandeira vermelha para evitar acidentes. Não, isso não é uma piada ou invenção minha. Mas entendo porque tu estás achando engraçado ou absurda essa informação. Contextualize e tente pensar numa cidade grande daquele tempo, numa hora movimentada, onde todos os veículos eram de tração animal ou humana. Imagine uma carroça de quatro cavalos ferrados, troteando por uma rua calçada com granito paralelepípedo. Percebes o ruído que fazem os cascos na pedra? Agora imagine várias dessas carroças transitando para lá e para cá o dia todo, mais charretes, carros de boi e cavalos selados, tropas de burros e mulas de carga. O barulho do “sapateado” era infernal. Um veículo automotor, com seu ronronar desconhecido, nunca seria escutado. Para piorar, os cidadãos ainda tinham que conviver com ruas fétidas, cobertas de esterco e urina de todos aqueles animais. Os primeiros automóveis foram recebidos com grande entusiasmo pela população por representar uma grande promessa de solução para o saneamento das cidades.
O entusiasmo era tanto por aquelas máquinas maravilhosas e impressionantes que rapidamente se espalharam pelo mundo. Agradaram, apesar de, naquela época, elas serem frágeis, pouco confiáveis, os próprios fabricantes eram praticamente os únicos capazes de operá-las, eram feitas uma a uma e muito caras. Mostras, competições e salões começaram a pipocar por todos os países. No salão do automóvel de Nova York de 1900, fizeram uma pesquisa entre os visitantes sobre qual seria a fonte energética do futuro para os carros particulares. Lembrando que havia em exposição carros movidos a querosene, gasogênio, gasolina, diesel, gás, álcool, carvão mineral, eletricidade e até lenha.  Somente 5% dos entrevistados citaram a gasolina como a alternativa mais provável para o século que se iniciava. Os motores de combustão interna eram complicados, difíceis de lidar, para fazer a maquina funcionar se tinha que acionar uma manivela pesada que podia ate quebrar sua mão. Os motores à vapor eram os mais populares e conhecidos, mas outros tipos de motores eram os mais desejados. No ano anterior um carro elétrico havia sido o primeiro a utrapassar a barreira dos 100 km por hora e, portanto, os motores elétricos eram os mais promissores e foram os mais citados naquela pesquisa.
As propostas eram as mais diversas e as perspectivas econômicas também. O mercado estava em franca expansão. A companhia de extração de petróleo Standard Oil, dos irmãos Rockefeller, percebeu a enorme oportunidade que tinha. Na época, detinha o monopólio da indústria petrolífera americana. Essa empresa começou a fazer acordos de cooperação com diversos fabricantes de automóveis, financiando pesquisas e testes, bancando os motores que fossem movidos a gasolina e garantindo postos de abastecimento do combustível por todo país com um bocal de abastecimento universal. Ao mesmo tempo, comprava as empresas de transporte público de bondes elétricos somente para fechar o serviço com alguma desculpa furada, obrigando os usuários a repensar seu modo de deslocamento urbano. Sim, tu já deves ter entendido, o capitalismo é assim selvagem. Os fabricantes competidores do mercado de automóveis usavam todas as armas que podiam para conseguir mais clientes. Ransom Olds, fabricante da marca Oldsmobile, começou a fabricar em série automóveis de luxo, barateando e aumentando a velocidade de entrega dos carros em 1902. Já em 1913, Henry Ford, fabricante dos Ford, aperfeiçoou a linha de montagem em série para produzir carros populares movidos a gasolina (que tinha postos de abastecimento por todo o país com bocal universal garantidos pela Standard Oil). Em 1914, com quatro meses de salário, um operário da Ford poderia comprar seu próprio modelo T novinho. A grande rede de postos de abastecimento da Standard Oil, somada a falta de alternativas de transporte depois da precarização no transporte público provocada pela própria companhia, a eficente linha de montagem da Ford barateando os custos e a imensa demanda por carros fez com que os veículos movidos por um motor a gasolina saíssem vencedores de uma disputa épica. Mas não que fossem os melhores, longe disso.
Havia motores melhores à época, mais eficientes? Sem dúvida. Um motor elétrico, por exemplo, tem uma única peça móvel, e é muito mais simples e confiável que um a gasolina que tem centenas de peças que tem que ser montadas, reguladas, lubrificadas e checadas regularmente. Em termos de eficiência energética, o motor a combustão interna é ridiculamente perdulário, somente 40% da energia química contida na gasolina realmente se transformam em movimento do carro. Ora, então porque atualmente os carros são quase todos movidos por motores de ciclo Otto a gasolina ou álcool? A resposta a essa pergunta e aterradora: porque tu foste enganado por várias “fake news” que te levaram a aceitar uma situação inaceitável. Mercadologicamente o motor a gasolina é mais interessante porque tem mais coisas a estragar, trocar, manter, além, é claro, de precisar ser abastecido com gasolina. Se venderem um carro, garantem anos de consumo de gasolina. Cria-se um mercadão onde haveria um mercadinho. Tu és o tolo que os Rockefeller enganaram. O troço é um combustível fóssil! Repare: Fóssil!!! Mas tu acreditas nas propagandas que dizem que o carro tem um motor de moderna tecnologia. Daí o cara compra aquilo e sai orgulhoso por ai soltando fumaça da queima de fósseis. Tá mais para uma fogueira primitiva, do tempo das cavernas... Fóssil, cara... Queimar fóssil!!! E os caras te enganaram tão direitinho que tu tens que comprar a toda hora um pouco mais de fósseis apodrecidos para queimar...
Alguém só se questiona sobre a pertinência do modelo de deslocamento quando acontece algum desabastecimento, como o causado pela recente greve dos caminhoneiros. Será que os automóveis particulares movidos à combustíveis são a melhor alternativa? Claro que não, mas agora, passados mais de 120 anos da adoção do modal, construida toda uma infraestrutura, redes de distribuição, frotas e cidades inteiras baseadas no automóvel, fica difícil admitir que erramos. E erramos feio.
O mundo e feito de “fake news”. Os americanos são sempre professores nessa arte. Em 2011, depois do ataque terrorista de onze de setembro, os Estados Unidos invadiram e bombardearam a esmo o Afeganistão com a ridícula desculpa que o mandante dos atentados estaria escondido lá. Colou, a comunidade internacional se solidarizou com o pobrezinho do Tio Sam. Na verdade, Osama Bin Laden não estava lá, o que os americanos realmente queriam era o gás natural que o Afeganistão tem. Destruiram tudo, colocaram um governo servil e pronto, gás grátis! Nem se sabe se Osama realmente existiu ou foi só um personagem inventado também. “Jogaram no mar” o corpo do terrorista, o fato é que ninguém viu. O próprio ataque terrorista de onze de setembro dizem que foi forjado pelo governo americano porque precisavam uma desculpa qualquer para invadir uns dois ou três países. Não duvido. As invasões americanas, tão comuns, sempre são realizadas sobre notícias forjadas, as “fake news”. Logo apos o Afeganistão, os americanos invadiram também o Iraque, com a desculpa que Sadam Husseim estaria planejando ataques com armas de destruição em massa. Tudo mentira também, depois de bombardear tudo, destruir o país e prender o cara, revelaram que Sadam não tinha as armas de destruição em massa. Mas, era tarde, os Estados Unidos já tinha se apossado dos poços de petróleo do país. Outro exemplo histórico importante, o Vietnam foi arrasado, mataram mais de um milhão de vietnamitas, alegando que o país comunista teria afundado um navio americano. Mas também era uma notícia inventada. Todas, simplesmente todas, as invasões americanas são baseadas em desculpas falsas porque “fake news” é a forma usual que os poderosos lançam mão para obter o que querem.
 Aqui mesmo no Brasil, os Estados Unidos interferem na vida do país. Não estou falando agora de carros movidos a gasolina, de Coca-cola ou Marlboro, coisas que nos fazem acreditar através de fake news e propaganda enganosa que são boas para nós. Estou falando de derrubar governos utilizando uma trama de mentiras deslavadas. Getúlio Vargas se matou porque se viu envolto num cipoal de notícias falsas. O golpe militar de 64 foi também urdido a distância pelos americanos. Mais recentemente, a presidenta Dilma foi deposta por uma série de factóides criados propositalmente para causar confusão e direcionar a opinião pública. O fato é que depois de derrubado o governo se descobre que as notícias que determinaram a história eram falsas. Perícia do Tribunal de Contas da União revelou, nesse exemplo mais recente da presidenta Dilma, que ela não fez as tais pedaladas fiscais que lhe custaram o cargo. Os Estados Unidos costumam usar as Fake News porque é um método barato de obter o que querem. Com seu poder midiático, ninguém consegue desmentir à tempo. E o que os americanos ganharam derrubando Dilma? O petróleo do pré-sal, é claro.
Os exemplos vão ao infinito. A questão dos transportes agora está sendo bastante debatida porque se chegou a um ponto de insustentabilidade. O Brasil fez uma escolha pelas rodovias seguindo orientações americanas de desenvolvimento. Porém, na ponta do lápis, se percebe claramente que um modelo de transporte de cargas e passageiros baseado em ferrovias e hidrovias seria muito mais barato. Mas outros exemplos são ainda mais sutis. Os esportes são apregoados como panacéia social. Nos ensinam que faz bem para saúde, mas o que se vê entre os praticantes são seguidas lesões graves. Nos afirmam que forja um carácter ético, mas o que realmente acontece é um festival de corrupção em todos os níveis, do bandeirinha que vende resultados, aos cartolas presos por desvio de verbas. Apregoam que afasta das drogas, mas os testes antidopping provam exatamente o contrário. O atleta é um sujeito que busca as drogas para amenizar as dores da prática insalubre ou aumentar sua performance. Defendem que é includente, mas a verdade é que nos esportes a exclusão é a regra. Somente um vencerá, o resto tem que se resignar. O fenômeno esportivo é todo baseado em “fake news”. Nas escolas, a maior sala de aula é sempre o ginásio de esportes e os materiais didáticos mais caros são os equipamentos de educação fisica. Porque se gasta tanto no esforço de ensinar esportes? Ora, porque é a pedagogia da resignação, somente alguns privilegiados vencerão, sempre os mesmos, mas o “importante é competir”!! Resigne-se! O que realmente os esportes ensinam é a competição capitalista americana.
Repare que quem vende a Coca-cola, faz uma propaganda que ela é ótima. Mas qualquer nutricionista vai afirmar que é o pior alimento que se pode ingerir. Por muito tempo, se vendia cigarros prometendo uma vida muito mais glamourosa e feliz, mas o que se obtinha na realidade era uma vida cheia de problemas de saúde. Quem vende carros movidos a combustíveis, jura que são máquinas modernas, que são o melhor meio de se deslocar pelas cidades e até que são ecológicos e sustentáveis! Quem vende os esportes, promete saúde e inclusão, nada mais longe da realidade.
As “fake news” são como inço, nunca sairão da tua horta de conhecimento. “Eles” inçam o mercado com informações falsas e dominam o mundo. Será que não está na hora de “nós” começarmos a lançar nossas próprias fake news? Como “eles” tem os meios de comunicação nas mãos (porque começaram um século antes a inçar) teremos que ser muito efetivos nisso. Coragem, companheiros, porque nesse ano de eleições, a luta está só começando!

quarta-feira, 4 de abril de 2018


Sobre Eleições
Todos meus colegas sabem que sou contra o ensino das competições nas escolas. Acredito ser um desserviço à sociedade civilizada. Competir significa necessariamente excluir: para que alguém vença, outros terão que perder. No entanto, sou justamente eu quem tem a obrigação por lei de ensinar a competir. Esse fato me provoca grande conflito interno e me leva a muita reflexão sobre minha prática profissional e a sociedade em que vivemos.
 É tal a importância das competições como valor moral na nossa sociedade, que tendemos a tornar tudo uma competição e investimos pesado nelas. Reflita comigo, vamos lembrar alguns fatos: Os maiores e mais caros prédios, de qualquer cidade, são os estádios de futebol. Repare que são construções bem ociosas, só são usados uma ou duas vezes na semana. Os esportes tem espaço garantido no horário nobre das mídias, com diversas empresas competindo para patrocinar as caríssimas transmissões ao vivo. A maior sala de aula, de qualquer escola, é sempre o ginásio de esportes, assim como o material didático mais caro é sempre o da Educação Física entre todas as disciplinas ensinadas às crianças. Luciano Huck transforma a habilidade de soletrar palavras ou empilhar copos plásticos em competição nacional para crianças nos sábados à tarde. Faustão transforma cantar, dançar e atuar em divertidas competições aos domingos. Promovemos até mesmo concursos de beleza para decidir quem é a mais bonita ou bonito. Enfim, o entretenimento que é promovido a população são competições de qualquer sorte.
Para a reflexão de hoje, quero chamar a atenção para uma competição específica, as eleições. Numa sociedade democrática, teoricamente, as coisas são decididas numa competição de idéias, numa eleição. Os representantes de cada idéia se oferecem para o eleitorado para serem os realizadores do programa de governo escolhido. Quem tiver o maior número de votos ganha sobre os outros, algumas idéias ficarão de fora. A democracia é, em resumo, uma forma de resolver conflitos de interesses, por isso ela é ainda a mais justa. A terra vai ser propriedade só de alguns? Não, de todos, pública. O excedente da produção vai ficar com só alguns ou com todos? Com todos, a maioria vence. Só quem tem dinheiro vai ter direito a educação e saúde? Não, todos terão acesso, vencem de novo os pobres, a base da pirâmide social. Uma sociedade democrática logo deixa de ser uma pirâmide para se tornar uma elipse, onde a grande maioria tem tudo que precisa para ter uma vida boa.
A onipresença das competições no mundo de hoje, desde os momentos de lazer, até as decisões mais importantes da sociedade, deixa claro que quem tem o poder quer que elas se perpetuem. Acho que vale a pena recordar que os inventores da democracia, os gregos, eram extremamente aristocráticos. Somente homens livres, nativos da cidade, votavam. Escravos e mulheres não tinham direito ao sufrágio. Estima-se que Atenas tinha cem mil habitantes, mas somente mil e quinhentos podiam exercer o voto. A democracia grega era cruelmente excludente. Nem em suas origens mais puras, a democracia era perfeita. A pegadinha atual é que, aparentemente, agora estamos vivendo uma democracia ideal, onde todos podem decidir. Mas há um problema grande ainda, não podemos evitar as manipulações das massas. Cada candidato pode prometer as coisas mais desejadas pelos eleitores antes das eleições e depois de eleito, já investido de poder, direcionar seu governo para interesses pessoais ou de grupos que representa. O próprio Platão denunciava o poder do discurso por ser, ele mesmo, um grande perdedor de votações não sendo um bom orador, apesar de ter as melhores propostas.
Churchill, primeiro ministro inglês durante a segunda guerra mundial, uma vez disse: “A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que já foram tentadas”. O que ele quis dizer é que a democracia é uma ilusão, mas até agora não inventaram nada melhor. Tanto que, noutra ocasião falou: “O melhor argumento contra a democracia é cinco minutos de conversa com o eleitor mediano”. A democracia nivela por baixo, pelo senso comum. A maioria da população é brutalmente ignorante na maioria dos assuntos. Não entende nada de educação, economia ou saúde pública, administração ou engenharia. Portanto, elege os discursos que reconhece para representá-lo.  Elege tiriricas, jogadores de futebol, pastores evangélicos, apresentadores de televisão. O eleitor médio brasileiro pula carnaval, tem um time do coração, uma religião preferida, assiste novelas de televisão e programas de Big Brother, não vê problemas em atravessar a rua fora da faixa de segurança ou dirigir um pouco acima do limite de velocidade, quer comprar um carro à prestações, acredita que o mundo é assim, sempre foi e sempre será. O eleitor nunca leu um filósofo, não conheceu outros países, nem mesmo outras regiões de seu próprio país, não estudou história, na verdade não se aprofundou em nenhuma ciência social, não visitou museus, muitas vezes nunca foi ao teatro. Ele se interessa por seus problemas pessoais. Enfim, o eleitor é uma pessoa comum que acha que está com a razão pois suas opiniões tem eco entre seus vizinhos.
Na minha opinião, o maior problema da democracia é o fato de ser uma competição. Para ganhar, os candidatos acabam recorrendo aos expedientes mais perversos. Não basta valorizar os pontos positivos de suas propostas, mas também é necessário desmerecer as opiniões diferentes. Isso pode levar os representantes a uma carnificina. Acaba valendo tudo o que o juíz não viu. Negociatas, propinas, maracutaias mis, inclusive comprar o juíz, tudo para ver seus interesses se sobreporem aos demais. Os excluídos e derrotados sempre saem magoados e planejando vinganças futuras, alianças espúrias, ardís antiéticos. Uma eleição, como qualquer competição, revela o pior das pessoas. Sou contra.
No estado de natureza, na selva, há uma competição natural onde o mais apto vence, é selecionado. Geralmente, isso significa o mais forte e agressivo. Algumas espécies animais, mais primitivas evolutivamente, abandonam sua prole à própria sorte ao nascer. Optam pela quantidade, centenas de filhotes. Tartarugas, cobras e jacarés, por exemplo, tem que enfrentrar a competição feroz pela vida desde a mais tenra infância, poucos chegam a idade adulta. Já outras não. Mais sofisticados, aves e mamíferos tendem a cuidar dos filhotes até terem alguma autonomia. Optam pela qualidade, pouca prole, mas bem cuidada. Nós, os Homo Sapiens, ainda somos animais mamíferos como outro qualquer, apesar de lutarmos para sermos superiores as outras espécies, diferentes. Nossa espécie cuida dos rebentos. Procuramos afastá-los da competição natural até que possam lutar por suas próprias forças. Organizamos a  sociedade de tal forma que as crianças possam crescer livres das ameaças do mundo. Ativamente, buscamos nos afastar do estado de natureza em direção a um modo civilizado de vida. Criamos regras que devem ser observadas por todos. Ao longo da história fomos evoluindo culturalmente para uma ética social mais sofisiticada. As eleições e os esportes foram um grande passo. Transformamos as lutas corporais em disputas verbais ou com regras claras. Mas acho que precisamos dar um passo além. Futuramente, acredito, confrontos, tanto esportivos quanto eleitorais, serão vistos como ritos primitivos e selvagens.
O grande argumento a favor do ensino das competições nas escolas é o de que as crianças enfrentarão competições no futuro, então já devem ir se acostumando. No entender dos adultos, as crianças devem aprender a enfrentar adversários com objetivos opostos, seguindo regras, obedecendo autoridades e sabendo admitir derrotas com dignidade. É verdade, mas também enfrentarão o mercado de trabalho e nem por isso as fazemos trabalhar na infância. Ao contrário, nós as protegemos o máximo que podemos para terem uma formação ótima sem traumas e seqüelas. Estamos quase conseguindo, através de leis e regras, erradicar o trabalho infantil. A mesma coisa em relação as doenças. As crianças também enfrentarão doenças, mas fazemos o que podemos para erradicá-las totalmente. Lutamos para que as doenças desapareçam das preocupações humanas. Ou, pelo menos, mantemos as crianças distantes das enfermidades até que tenham condições para se defender melhor. Não vejo benefícios no ensino das competições, ao contrário, só vejo males. Veja que nós mesmos determinamos o que as crianças devem aprender. Porque não determinamos que elas aprendam uma sociedade de solidariedade, de inclusão, de colaboração, de resolução de conflitos através do diálogo e do entendimento? Porque temos que ensinar que a melhor forma de resolução de discordâncias seja um enfrentamento? Acho que temos o dever de ensinar outras formas de sociedade. Uma sociedade que não se divirta com a competição e a exclusão, mas com a solidariedade, a cooperação e a inclusão.
Recordemos primeiro, para ilustrar os efeitos perversos das competições, a eleição mais recente para presidente da nação, quão traumática foi. Dilma ganhou por pouco, mas Aécio, nem dois dias depois, prometeu inviabilizar seu governo. Aproveitando a maioria opositora e liderada por Eduardo Cunha, na Câmara, e o próprio Aécio, no Senado, a oposição começou a fazer tudo que podia para arruinar o governo da presidenta eleita. Colocaram em votação, uma atrás da outra, “pautas bomba” para aumentar os gastos públicos, diminuir a arrecadação e retirar poderes do chefe do executivo. Finalmente, arrumaram um pretexto qualquer para tirar a eleita do poder de forma que, asseguraram, foi extremamente democrática. Imediatamente, colocaram em prática o programa de governo que saiu derrotado das urnas e que privilegia as elites. Nos Estados Unidos também. Trump perdeu por 3 milhões de votos, mas, por piruetas nas regras eleitorais, ganhou a eleição contra vontade da maioria e começou a desfazer obras do governo anterior e implementar programas impopulares.
Que sociedade doente a que compete. É muito triste uma sociedade ganha-perde. Onde eu só obtenho sucesso com a derrota dos outros. Pense em Grêmio e Inter. O Inter torce para que o Grêmio perca e vibra com a derrota para o Real Madrid na final do mundial. Torcemos pela derrota do outro... é isso? Ficamos tristes se o outro obtém sucesso... sério? Acho que podemos construir juntos uma sociedade melhor, uma sociedade ganha-ganha. Não seria melhor um sociedade que senta e conversa, debate e tenta chegar a um consenso negociado em vez dessa que fica competindo para ver quem ganha? Onde todos se ajudam a atingir os objetivos de qualquer um, onde todos vençam e todos se alegram com o sucesso dos outros? Acho que isso é possível e quero ainda ver ensinado nas escolas uma sociedade assim. Muitas outras barreiras já vencemos: as mulheres não votavam, os negros e indígenas nem eram considerados gente, os homossexuais eram considerados doentes ou pervertidos. Quantos argumentos tolos já foram derrubados ao longo da história em busca de uma sociedade eticamente mais sofisticada e justa. Nós construímos a sociedade que queremos, eu luto por uma mais justa e inclusiva.
Examinemos agora o caso da nossa eleição de diretores que se aproxima. Acho que temos aí uma excelente oportunidade para ação pedagógica revolucionária. Nas escolas de Osório, crianças a partir de dez anos serão convidadas a participar com seu voto, então, perceba, temos em mãos a próxima geração, o que iremos ensinar? Competição excludente ou colaboração includente? Também votam, claro, professores, pais e funcionários. Outra oportunidade extraordinária para propor o debate e provocar reflexão. Podemos dar visibilidade a nova proposta e tornar a escola conhecida mundialmente mostrando uma proposta de gestão sem eleições, sem competição, mas, ainda assim, radicalmente democrática.
Se não tomarmos uma atitude em direção ao diálogo, vamos imaginar o que acontecerá, tendo como pano de fundo a lembrança da experiência de todas as outras eleições anteriores: Um ano antes já começam a pipocar comentários sobre as possíveis mudanças. Os grupos começam a se formar em torno das alternativas. Surgem candidatos de situação e oposição. A situação tem a máquina a seu favor e a oposição precisa de alguma forma, criticar ou sabotar o andamento dos trabalhos se está insatisfeita com eles e deseja mudança. Uns se defendem outros atacam. Os possíveis futuros quadros de orientação e supervisão começam a ser contatados.  A cizania está plantada, tudo a partir de agora será usado como argumento na campanha eleitoral. Há um ano da eleição, os trabalhos pedagógicos já ficam em segundo plano e o foco está na contenda.
Agora, imaginemos se tivéssemos uma atitude mais positiva, de franca alteridade, de compreensão e não de julgamento, como poderia ser: Civilizadamente, sentaríamos e conversaríamos sobre o que está dando errado e como cada um pode contribuir para que tudo funcione legal. Em vez de reclamar, poderíamos planejar juntos sobre os próximos passos e como devem ser os procedimentos a realizar. Decidiríamos em conjunto os eventos e as atitudes que tomaríamos em cada situação. Consensualmente, chegaríamos a decisão de quem ficaria a frente da escola, assinaria como diretor, também quem seria supervisor e orientador. Ao final do processo, todos estaríamos comprometidos com o melhor andamento dos trabalhos escolares porque seríamos ativos elaboradores da proposta.
Acho que é possível. Quem topa?