quarta-feira, 21 de abril de 2021

 

Memória

O psicólogo canadense Steven Pinker, no seu livro Tábula Rasa, supõe a razão do porque não termos muitas memórias antes dos dois anos de idade. Ninguém lembra, por exemplo, do momento do nascimento, o cheiro do seio da mãe ou do gosto da papinha. No entanto, os testes em laboratório provam que os bebês têm uma memória perfeita, tão boa quanto crianças, adolescentes ou adultos. Pinker lança uma hipótese, apesar de não ter ainda como prová-la, que depois que aprendemos a falar, passamos a organizar os pensamentos de forma verbalizada. Passamos a contar histórias do que já nos aconteceu para nós mesmos com palavras. No entanto, as memórias anteriores ao aprendizado ficam difíceis de acessar, já que agora temos instrumento muito mais eficaz de pesquisa no cérebro, a fala. A fala potencializa a memória. As palavras são uma espécie de senha para revivermos todo um contexto de sensações trazidas para o cérebro pelos sentidos. Cheiros, sons, cores, tatos, gostos de alguma cena de nossa história prévia voltam para uma reavaliação do momento passado.

Já o filósofo australiano Peter Singer, no seu livro Ética Prática, de divulgação filosófica, defende o bestialismo desde que prazeroso para ambos os animais envolvidos, ser humano e alguma outra espécie. No mesmo livro, defende o direito das mulheres de escolher se querem ou não prosseguir com a gestação, o direito ao aborto. Os maledicentes pinçam do texto essas duas posições descontextualizadas de sua argumentação e espalham o ódio ao autor: Singer prega a morte de fetos e sexo com animais. Ler um livro é bem mais demorado e difícil que ler uma frase no Whatsapp. E as frases podem resumir tudo que basta para gatilhar o ódio a alguém. Apesar do cuidadoso trabalho de argumentação filosófica detalhado no livro para chegar a tais conclusões, quem não o lê encontra atalhos que acabam com o debate de acordo com os conceitos aprendidos anteriormente.

Um livro é uma forma de transportar o conhecimento de alguém, através do tempo e espaço, para outra pessoa que não tenha possibilidade de sentar ao redor da fogueira com o sábio que detém aquele conhecimento para ouvir de sua própria boca o que sabe. O código escrito foi uma grande evolução na ampliação da memória, tanto quanto na divulgação dos conhecimentos humanos, assim como o domínio da fala é para a evolução do indivíduo. A escrita organiza e perpetua a memória e possibilita que as recordações sejam partilhadas com outras pessoas. As memórias que não são escritas são bem mais difíceis de recordar com precisão e são facilmente esquecidas, assim como as memórias visuais ou olfativas antes do aprendizado da fala são logo esquecidas pelas crianças, as falas vão se apagando com o tempo. A escrita potencializa a memória. No entanto, decodificar uma longa história é trabalhoso além de obrigar a carregar um volume. Alguém que sabe contar muitas histórias as carrega na cabeça para onde vai sem esforço. Porém, uma biblioteca pode conter muito mais histórias que qualquer cabeça, mas é muito volumosa e não dá para carregar por aí toneladas de livros. Um livro é útil e preciso para guardar informações, mas um trambolho enorme.

As culturas orais desdenham das culturas que confiam na escrita. Como pode alguém abdicar dos anciãos da aldeia para perpetuar a cultura? A transmissão cultural vai depender da boa vontade do indivíduo em sentar num canto concentrado para decodificar aquele amontoado de folhas de papel na ordem certa? Parece ser muito mais seguro o ritual de sentar em roda, ao som e à luz da fogueira, com os cheiros e gostos que a reunião implica para ouvir as histórias dos idosos sistematicamente, assim o conhecimento se perpetua entre todos.

Já culturas que se acreditam mais evoluídas, confiam na escrita. Tanto que aprender a decodificar o código escrito é uma obrigação das crianças. Desde pequenos, os indivíduos tem que passar horas diárias durante anos de sua juventude em escolas para aprender a decifrar e codificar a língua adequadamente. Saber ler e escrever determina o sucesso social ou o fracasso do cidadão. Até mesmo as regras sociais, leis da comunidade ou os códigos de ética são colocados na forma escrita em papel para que a memória precisa delas seja transmitida para toda população. Uma das leis escritas diz inclusive que o cidadão não pode alegar desconhecimento das leis escritas para não cumpri-las. É um círculo: alguns acreditam que seja virtuoso, outros vicioso. As culturas alfabetizadas chegaram a tal ponto que desmerecem as culturas orais, as tratam como inferiores e as chamam de subdesenvolvidas.

O mundo da voltas e mesmo a pessoa mais erudita da cultura escrita está atualmente sendo constrangida pelo veloz surgimento de uma outra cultura, talvez ainda mais arrogante e de poder avassalador, a cultura digital. O império do código escrito está começando a declinar, pois mesmo alguém já morto há muito tempo ou distante milhares de quilômetros pode ser escutado e visto como se estivesse sentado do nosso lado ao redor da fogueira. A erudição pode vir sem a necessidade de decifrar nenhum volume impresso em papel. Todos tem acesso a tudo a qualquer momento num pequeno aparelho eletrônico que cabe no bolso e falta pouco para que possa ser implantado no cérebro. Isso inclui os livros e jornais impressos, mas vai muito além. A digitalização entrou na também academia, qualquer pessoa que deseja saber o que Steven Pinker ou Peter Singer sabem não mais precisa decifrar as seiscentas páginas de papel de cada um de seus livros, mas sim pode ouvi-los falar no YouTube as mesmas palavras. O conhecimento se democratizou. Alguém que vivenciou uma cena pode mostrar para seus interlocutores o que viu e ouviu, há minutos ou há anos e essa memória partilhada é mais fiel a realidade que qualquer fala ou escrita. A digitalização do conhecimento potencializou a memória de forma exponencial. Pela primeira vez na história, os indivíduos mais jovens podem ter o que ensinar para os mais velhos, tal a velocidade de transmissão das informações. De novo, os detentores da cultura ancestral desdenham dos mais novos: como assim o conhecimento pode ser transmitido sem leitura??? Absurdo!!! Mas o mundo não para e é impiedoso com aqueles que se recusam a ficar parados no tempo.

O neurologista português, Antônio Damasio, nos ensinou, no seu livro O Erro de Descartes, que para tomar qualquer decisão, desde se queremos ou não um cafezinho até se aceitamos casar com a Marília, consultamos rapidamente a memória de toda nossa história prévia para melhor decidir o que fazer. Atualmente, com essas próteses de memória portáteis, podemos consultar a memória do mundo inteiro. Assim, algo que poderia ajudar, pois acelera a obtenção de dados a respeito do que fazer, pode também dificultar a decisão numa magnitude oceânica. Se antes era relativamente fácil, pois só tínhamos que analisar a Marília, a Valdete, a Maria das Dores, a Lavínia e a Nilce, nossas vizinhas de aldeia na idade de acasalar, agora temos milhares de possibilidades no Tinder, num raio de 50km, para avaliar. Os sofrimentos psíquicos de ansiedade e depressão, que antigamente eram raros, são agora epidêmicos. Temos a memória do mundo visível na palma da mão e veranear em Cidreira parece muito pior que veranear em Creta. A memória das paisagens gaúchas e gregas estão ali na nossa memória protética para compararmos.

O conhecimento se democratizou e a memória se tornou global, divina e onipresente. Porém, paradoxalmente, as decisões não tem sido mais sabias. Selecionar o que é joio do que é trigo no manancial de informações que recebemos diariamente se tornou uma tarefa difícil. Ainda não há um aplicativo do bom senso. A erudição na atualidade está justamente aí, a pessoa que consegue sabiamente acompanhar o avanço desembestado da cultura digital sobre todas as outras sabendo diferenciar o que é o conhecimento pertinente do que é festim. E aqui chegamos ao filósofo francês Edgar Morin no seu livro Os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro. As escolas não mais precisam ensinar a decifrar o código escrito ou a tabuada, esses saberes serão facilmente acessíveis on line para quem quiser se divertir, mas sim precisamos ensinar os alunos a diferenciar o que é relevante na floresta do conhecimento. O bom pesquisador, treinado, saberá perceber o que interessa para a construção de novos conhecimentos pertinentes. No atual ritmo de devastação ambiental que a enorme exposição ao conhecimento e a memória proporcionou, que ameaça nossa própria espécie, não vou me admirar se aos poucos cheguemos a conclusão que bom mesmo era aquela conversa com os anciãos ao redor da fogueira, ou quem sabe até aquela memória visual, tátil, olfativa, sonora e gustativa dos bebês, gatinhos e cachorros. Eles é que sabiam mais o que é realmente necessário para ser feliz, desde o início.  

segunda-feira, 5 de abril de 2021

 Cada um por si e Deus por todos. 

Com a crescente polarização política no Brasil, aos poucos vamos descobrindo preferências de amigos que gostaríamos de nem saber. Aquele sorridente ex-colega de escola ou vizinho de infância se revela de tal forma que sua alegria aparece para nós agora como a encarnação do mal. O fenômeno não é só de nosso país, mas internacional. Uma confusão de mocinhos e bandidos caricatos que se alternam e nos horrorizam. 

Meme, para quem ficou numa caverna nos últimos quarenta e cinco anos e ainda não sabe, é o termo inventado pelo biólogo inglês Richard Dawkins, no seu livro basilar “O Gene Egoísta” de 1976. Meme, mimetiza gene: os genes são pedacinhos de informações genéticas que determinam a constituição dos seres vivos, já os memes são pedacinhos de informações culturais que determinam a cultura do indivíduo. Assim como os genes, os memes também são passados de geração para geração e sofrem mutações como adaptações ao meio em que estão inseridos. No entanto, a evolução memética dos seres humanos foi acelerada  fantasticamente nos últimos anos, potencializada pelo espetacular poder de amplificação de vozes proporcionado pelas tecnologias que unem opiniões semelhantes e afastam as destoantes em maquininhas portáteis como celulares. A seleção natural dos memes diante do meio ambiente em rápida transformação que se apresenta para cada indivíduo vai determinando o surgimento de diferentes nichos e espécies culturais tão díspares que já não se misturam. Um indivíduo causa até asco e repulsa a outro com memes muito diferentes. As mutações meméticas cresceram em proporção geométrica a tal ponto que cada grupo percebe o outro como asqueroso e grotesco como humanos veem uma lesma apesar de termos muitos genes em comum. 

Ao longo da vida fui me tornando uma espécie de guru, seguido por muitos, por ter vivido uma vida um tanto distante de ordinária. Um de meus pupilos, daqueles que me consultava para tomar decisões importantes, foi trilhando uma trajetória que no início me orgulhava por eu ser parcialmente responsável, formou-se mestre em biologia. Porém, ao longo do tempo, fomos nos afastando física e intelectualmente, atualmente ele vive num nicho cultural tão distante do meu que já não o reconheço e nego se me imputarem responsabilidade por sua formação. Ele se transformou num monstro fascista e totalitário que me causa nojo. Leu um livro com o título de “Como ficar milionário” e aquela obra, segundo ele mesmo, mudou sua vida. O simples título já me causa horror, mas suas atitudes seguiam as dicas do livro à risca. Agia para enriquecer em pequenas coisas, como cobrar caronas ou aparecer na casa dos amigos na hora do almoço. Mas era sovina e avarento nas grandes decisões também, como casar-se com alguém igualmente ambicioso, ser contra o isolamento social durante a pandemia que atrapalhava seus negócios e até mesmo não vacinar os filhos contra nada. Como alguém que viveu na mesma rua que eu na infância, que estudou em boas escolas, se alimentou bem e cresceu sadio graças a vacinas e solidariedade de outras pessoas se torna assim? Uma pessoa sem empatia nenhuma, repugnante… Como direi… Um verdadeiro Bolsonaro!  

A resposta não é tão simples. Precisamos compreender e até nos reconhecer nas atitudes desses estranhos fariseus, precisamos ser empáticos a eles e, como Jesus ensinou, perdoar e amá-los como a nós mesmos.  Fui viajar de moto no final de semana seguindo as orientações do Google Maps. Lá pelas tantas, o aplicativo me conduziu a uma estrada de chão. Tudo bem, estou acostumado, moro num lugarejo que também não se chega por vias asfaltadas. Porém, estava num ritmo de viagem de estradas pavimentadas e com garupa. Ao final do trecho de terra, paramos para comprar água numa pequena cidade que nunca tinha ouvido falar, Charrua. Percebi o pneu vazio e gelei, talvez tenha abusado da velocidade na estrada precária. Procurei um borracheiro, receoso, minha moto não é comum, muito menos seus pneus. Fiquei calculando todo o transtorno para conseguir voltar a rodar normalmente. Uma oficina que pudesse reparar aquilo é rara. Se ele me cobrasse mil reais para que eu pudesse seguir viagem, atiraria o dinheiro na sua cara e acharia barato! Onde eu conseguiria outro pneu daquela medida em cidade tão pequena? Eu mesmo não conseguiria arrumar o estrago, me faltam conhecimentos e o ferramental necessário. O rapaz foi solícito e nos atendeu rapidamente com suas mãos sujas e feridas da labuta, encontrou o vazamento usando sua própria saliva. Vedou o furo na roda traseira sem as ferramentas adequadas, mas com muito esforço corporal. Me cobrou o serviço num valor menor ao cobrado na minha já pequena cidade e muito inferior ao valor cobrado numa cidade grande. Pensei em oferecer um tanto a mais, pois aquele preço obviamente não cobria seus custos, não tinha nem uma garrafinha com detergente para achar o vazamento, mas paguei só o que me pediu. Estava saindo da oficina quando percebi mais um vazamento, o rapaz foi ainda mais rápido no conserto e me pediu desculpas por não ter percebido aquele segundo furo antes, não quis me cobrar esse novo serviço como se a culpa fosse dele. Agradeci e sai refletindo sobre a cena. Se o primeiro reparo eu já achei que ele estava sendo generoso comigo, no segundo entendi que estava patrocinando o sucesso da minha viagem. Me percebi explorando explicitamente o serviço do moço. Minha omissão e conivência com a diferença social me lembraram três personagens: meu amigo fascista, Jesus  e Hanna Arendt. 

Meu amigo inescrupuloso e explorador até pechincharia o valor do reparo, já que diz, com todas as letras, que se cada um com quem cruzar contribuir com um pouquinho para seu enriquecimento, a pessoa não se sentirá explorada e ele gastará menos. Já testemunhei várias vezes em que ele tentou pagar menos que os outros, inclusive regateando comigo. Sua fama o precede e suas histórias de avareza são contadas como piada por onde passa. Seu apelido é “Chupa-cabra”, pois suga o que pode dos outros. Ao mesmo tempo que seus planos de enriquecimento estão funcionando, seus amigos estão se afastando.

Jesus pregava que tínhamos que dividir o pão e amar ao próximo como a nós mesmos. Bueno, me coloquei no lugar daquele jovem borracheiro de mãos sofridas. Eu valorizei muito seu trabalho, estava precisando muito daquela expertise naquele lugar ermo, podia pagar justamente, porque não o fiz? Porque não dividi minha riqueza com aquele despossuído? Agi exatamente como meu amigo sovina, enriqueci me aproveitando de sua ignorância. Sou igual a ele. Não amo os próximos a mim e não tenho empatia por suas dores. Quando surge a necessidade, ajo como um Bolsonaro, só penso nas minhas conveniências. 

Já, Hanna Arendt, filósofa judia, ao acompanhar, estudar, refletir e escrever sobre o julgamento de Adolf Eichmann, oficial da SS nazista acusado de chefiar a logistica de transporte dos judeus para os campos de concentração nazista, percebeu que ele era uma pessoa comum. Eichmann não era um psicopata, mas sim um cidadão de bem, seguidor de leis e que ambicionava melhorar na carreira, ser promovido e ganhar mais. Todas suas ações foram sempre para melhor cumprir suas ordens. Quando interrogado, ele nunca admitiu que matou nenhum judeu, somente assinava papéis para que viajassem, ainda que amontoados em vagões de carga. Hanna então cunhou a expressão da “banalidade do mal”. Qualquer pessoa pode se transformar num monstro fascista se viver irrefletidamente. Eu, obviamente, sou um grande candidato a Eichmann, pois nos gestos mais singelos, como ao consertar um pneu furado, posso abdicar da razão por prazeres comezinhos de ocasião, como pagar barato para um trabalhador interiorano. Hanna foi mal interpretada em sua época e massacrada pela comunidade judaica, acreditavam que ela tinha sido cooptada por nazistas. Aos poucos, suas opiniões foram esclarecidas. Em nenhum momento ela perdoava o genocida Eichmann, mas, ao contrário, o acusava de só pensar em si, agir de forma egoísta, de não refletir sobre suas ações no mundo e de ser indiferente à sorte dos outros. 

A polarização política atual está dividida basicamente aí: há aqueles egoístas que acham que o estado deve ser de natureza, cada um por si e Deus por todos, os Eichmann da vida, e aqueles solidários que acham que o estado deve ser de direito, precisamos ter empatia por quem nem se conhece e pensar em suas necessidades como se fossem nossas, os seguidores de Jesus. O lema de Jesus era liberdade, igualdade, fraternidade, lema adotado depois por muitas repúblicas, já o lema da campanha eleitoral do atual presidente brasileiro, “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, aliás, plagiando o hino nacional alemão dos tempos de Hitler, reflete muito de que lado da equação está meu amigo fascista, Bolsonaro e seus eleitores. Apesar de falar em Deus e se apresentarem como cristãos, agem de forma inversa, como o próprio lema sugere: o Brasil deve estar acima de tudo e o resto que se lasque, não temos nada a ver com o resto, e esse deus acima de todos que salve quem merecer sua misericórdia, mas ninguém mais tem nada com isso. Para Bolsonaro, a responsabilidade de cuidado para com os cidadãos do país é transcendente ao estado. O próprio lema delata seus redatores, o que vale é a lei da selva: cada um por si e salve-se quem puder. As atitudes do presidente denunciam que é isso mesmo, ele crê que um deus salva quem merece e tem histórico de atleta, “vamos salvar a economia, todo mundo um dia vai morrer mesmo”. Hanna talvez observasse Bolsonaro e sua turma e não identificasse monstros, mas sim pessoas comuns, de bem, colegas sorridentes e alegres vizinhos de infância, como Eichmann, que pensam em seguir leis e obedecer a ordem, que pensam em melhorar de vida, que não querem refletir muito sobre a vida e pensam que se omitir diante da injustiça, como eu no borracheiro, está bem. O mal se torna banal desde as pequenas coisas, mas pequenas gotas formam o oceano e precisamos refletir sobre nossas ações no mundo, desde as menores até as mais significativas.

A própria palavra “meme” evoluiu muito também nesse pouco tempo de vida, a evolução memética é muito mais rápida que a genética. Atualmente, meme significa uma figurinha na internet, um GIF engraçado, uma piadinha em vídeo de Whatsapp. O meio ambiente cultural se transformou dramaticamente em 45 anos e novas palavras tiveram que ser criadas ou modificaram seu sentido, adaptando-se às mudanças. Celular, por exemplo, significava somente algo relativo a uma célula biológica e agora poucos lembram desse significado. Os nichos ecológicos culturais estão se radicalizando nas diferenças, se distanciando cada vez mais profundamente. Estou convencido que a atual conjuntura tem sua gênese e está intimamente relacionada com a democracia e suas eleições, tanto quanto com o fenômeno esportivo. Acredito que isso é resultado de um século de endeusamento das competições. Gremistas e colorados fazem o inverso do que Jesus ensinou, odiai-vos uns aos outros. O mesmo acontece com capitalistas e socialistas, coxinhas e mortadelas, petistas e bolsonaristas. Quero deixar claro que sou favorável à democracia como método de resolução de conflitos, mas ressaltando que mesmo o melhor remédio tem na dose a diferença para o veneno. Hitler era extremamente democrático, fazia muitos plebiscitos. A Alemanha deve estar acima de todos no mundo (Deutschland über alles, über alles in der Welt)? Siiiiiim, respondiam os alemães sem muito refletir o que aquilo significava. Como Hanna Arendt falando de Eichmann, acredito que o cidadão em posição de decisão tem que refletir muito sobre suas ações no mundo e ser empático com as outras pessoas. Eleições podem se tornar venenosas para a sociedade principalmente diante da facilidade de manipulação de seus eleitores. As possibilidades para distorcer a realidade na atual conjuntura com redes sociais eletrônicas que misturam seres humanos e robôs distribuindo mutações meméticas de toda sorte estão elevadas na enésima potência, é impossível haver eleições sem manipulações de toda sorte. Eleições são uma competição de ideias e elas estão se polarizando, se radicalizando nas diferenças, o ódio está crescendo muito na sociedade. Platão, há 2500 anos, já nos alertava para o perigo da democracia: pessoas que não refletem também votam.