sábado, 24 de agosto de 2019


Meu aluno XPTO tem 14 anos e está no quarto ano. Seus colegas tem nove ou dez anos. É o mais alto da turma. Esteve afastado da escola por dois anos, repetiu outros dois anos. Aos seis, seu próprio pai tentou matá-lo, jogou álcool na criança e ateou fogo. XPTO tem braços, pernas e tronco marcados por esse terrível momento. Com certeza as sequelas do evento não se resumem as cicatrizes na pele. O que passa na sua cabeça deve ser bem diferente de outros adolescentes. Está sempre trêmulo, no começo achava que estava doente, mas me disse que é assim mesmo. Típico aluno de escola pública de região carente. No entanto, apesar de tudo, é um menino sorridente. Semana passada fui dar aula para sua turma. Expliquei o que faríamos e mandei saírem da sala para quadra. Como sempre acontece, todos alunos saíram correndo, alegres. Mas XPTO não, ficou se enrolando para sair, queria ser o último. Eu chamei: Vamos, XPTO, todos já desceram!! Preciso fechar a sala! Ele se aproximou e me estendeu a mão com um bombom sonho de valsa. Perguntei: é para mim? Sorriu e confirmou me olhando nos olhos. Agradeci e saímos da sala. Dei a aula e fui almoçar. Saí a caminhar pelo bairro saboreando a sobremesa inesperada e refleti sobre o momento. Para ele comprar o bombom teve que trabalhar, dificilmente ganhou o doce de alguém. Não sei o que na verdade significou seu doce ato, mas interpretei da seguinte forma seu gesto: ao me escolher para presentear, um homem adulto, como seu agressor, devo estar representando o perdão. Ele perdoa a humanidade e me escolheu para demonstrar que está finalmente curado dos males que lhe fizeram. Pensei isso e me emocionei profundamente. Talvez eu não toque todas as crianças da mesma forma, mas me senti mais professor depois disso.