sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
Hoje cogitei escrever no meu wall do facebook: “Help me if you can, I’m feeling down”: Very British and true. Estava um calorão saariano e eu sozinho em casa, arrumando um cano na rua. Pensei em tomar um banho de rio, talvez melhorasse meu humor e isso é uma das atrações da Barra. Coloquei protetor solar e uns calções e sai de tronco nu e chinelos em direção a pinguela que atravessa o córrego. Caminhei pela trilha na mata até o poção na frente do Refúgio Verde. Já tinha umas três pessoas se banhando lá, conversei um pouco e entrei na água que estava uma delícia. Meu humor já estava melhor. Uma grande tempestade se formou e assustou meus companheiros de banho que temiam ficar presos pela subida do rio. Eu fiquei ali, nadando peito contra a correnteza sem mergulhar a cabeça para olhar a paisagem. Agora mais só, fiquei vagando na água com meus pensamentos. A chuva começou a cair forte e gelada fazendo a superfície do poção arrepiar. Olhei no entorno, a mata, o rio, a chuva, as nuvens, o vento e eu, ali, interagindo. Nadei crawl alguns instantes subindo a correnteza para depois me deixar levar um pouco pelo fluxo. Me senti uno com aquilo tudo e percebi que a natureza me via assim também, parte dela. Minha respiração era como o vento, o marulhar do meu nado como o ruído da chuva no rio. Somos somente elétrons, prótons e nêutrons, dançando no universo, eu, as pedras, o rio, o vento. Uma grande emoção me inundou e me flagrei bem feliz. Lembrei porque tinha vindo morar em Maquiné. Olhei para os lados e achei bela a cena onde eu era parte do quadro. Caiu um raio próximo e achei melhor sair da água. Atravessei a pinguela de volta e caminhei pela estrada sob aquele aguaceiro. Meus braços latejavam do esforço de nadar, ainda ofegava, mas meu corpo estava relaxado e refrescado. Minha mente estava lavada, os místicos diriam: a alma lavada. Aliás, que bobagem o dualismo corpo-mente. Tá na cara que somos corpente, uma coisa só, una com a natureza. Lembrei de alguns novos amigos que fiz aqui na cidade, na minha nova casa e como ela está ficando do jeito que gosto, do trabalho braçal pesado que arranjei, da hérnia que ganhei com ele, de como minha vida mudou. Me emocionei de novo, agora mais forte, ria e chorava, um doido caminhando sob a chuvarada. Senti coisa semelhante quando vi baleias saltando em Imbituba. Uma emoção tão forte que eu queria partilhar. Será que as pessoas que moram aqui a mais tempo já riram e choram semi nus embaixo da chuva como eu hoje? Será que é por isso que vieram morar aqui, por que sentiram algo semelhante? Quem mora tão perto do rio, já deve ter vivido emoção dessa magnitude. Porque nunca comentaram comigo? Nós temos que conversar mais. E os guris e gurias, criados soltos por essas terras mágicas, quantas coisas eles podem contar. Porque nós não nos reunimos para conversar?
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
O
dia em que andei de bicicleta no meio do Oceano Atlântico
ou
Como
adquiri minha consciência crítica e me tornei um grande amante
Cheguei
em Gênova ainda pela manhã. Tinha pedalado pouco mais de 60 km pela Via
Aurélia, antiga estrada romana a beira do Mediterrâneo, desde Savona, também na
Liguria. Apesar das belas paisagens do mar azul cobalto, estava exausto. Era
junho, finalzinho da primavera na Itália, dali uma semana o verão me abraçaria
com força, fazia sol e calor. Havia um mês que vagava pela Côte d’Azur de bicicleta
comendo cerejas na beira da estrada e um miojo por dia. Eu estava macérrimo,
faminto e sedento, percebia que minhas forças estavam no fim. Precisava achar
emprego logo, meu dinheiro estava acabando.
Gênova
é uma cidade portuária grande. Fiz um giro pelo centro não para conhecer, mas
por não saber onde ir. Parei numa praça grande, sentado a sombra, para pensar e
beber água. Já tinha percebido algumas coisas importantes da Itália: a bagunça
do trânsito era semelhante ao Brasil, o país era muito mais quente que o resto
da Europa, tudo era o dobro do preço e ninguém falava inglês. Comi a última
maçã que me restava e vi a plaquinha de informações turísticas. Eu não era
exatamente um turista, era sim um trabalhador irregular a procura de emprego,
mas ali poderia obter informações de campings baratos. Entrei e perguntei para
moça do bureau de turismo, numa engraçada mistura de Inglês, Francês, Espanhol
e mímica, sobre possíveis acomodações, locais para comprar comida barata,
distâncias para outras cidades, meus planos estavam totalmente em aberto. Ela
ficou curiosa por eu ser brasileiro e perguntei se, já que ali era um porto tão
grande, por acaso não havia um navio de passageiros que fosse para o Brasil.
Perguntei brincando, era óbvio que não ia ter. Para meu assombro, ela disse:
-
Ecco là, guarda!
Me
apontando um cartaz colado na parede ao lado da porta atrás de mim. Uma mulata
carnavalesca anunciava um navio que fazia uma linha regular para o Brasil.
Quase cai para trás de susto. Perguntei para moça então se ela não sabia quanto
custava tamanho luxo. Ela tinha a resposta na ponta da língua, como se ela
mesma estivesse interessada em partir, parecia entusiasmada com meu interesse:
-
1.260.000 lira!
Sim
mas quanto, mais ou menos, era isto numa moeda mais internacional, digamos...
Em dólares? De novo ela sabia de cor e, sem titubear um segundo, me respondeu
com precisão:
-
Mille!
Estremeci.
Não era possível! Ela parecia ter vasculhado meus bolsos para elaborar o valor
da passagem. Naquele momento eu tinha notas de dinheiro de vários países,
resultado do trabalho ilegal de dois anos: algumas notas de marcos alemães,
francos franceses, ainda restavam uns florins holandeses do tempo que morei em
Amsterdam, mais francos belgas e até um punhado de dólares. As moedas eram de
nacionalidades ainda mais diversas! Mas eu sabia que trocando tudo daria cerca
de mil dólares. Eu estava a uma decisão de casa, do conforto, da segurança, da
comida. E viajar de navio também era um antigo sonho meu. Peguei o endereço da
agência que vendia as passagens e saí testaviando do bureau. Não podia gastar
um centavo até decidir.
Subi
e desci as ladeiras da cidade, num calor de fritar ovo no asfalto, atrás do
local que vendia as passagens. Achei a rua, mas não o número. A numeração
genovesa era uma confusão: 7, 1752, 54, 2, 33, 289, 8... Estava desistindo, cansado
de empurrar a bicicleta para cima e para baixo sem sucesso no meio do tumulto
da rua movimentada do centro histórico daquela cidade medieval, teria que
voltar ao bureau para perguntar melhor. Nisso, uma moça pequena falou muito
rápido comigo em italiano, respondi em inglês que não estava entendendo. Ela
prontamente refez a pergunta em inglês, era rápida, oferecendo ajuda. Expliquei
que não estava achando a agência do navio devido a confusão na numeração da rua
e mostrei o endereço que tinha. Ela me indicou o lugar, eu teria que subir
novamente a ladeira que tinha acabado de descer e subir umas três vezes.
Lamentei isso e ela então me contou que também viajava de bicicleta com o
esposo, por isso percebeu meu cansaço e minha necessidade. Ofereceu pouso, me
deu seu endereço e falou a hora que estaria em casa, se despediu e sumiu na
multidão da rua. O encontro todo durou uns trinta segundos, mas me deixou bem
contente, já tinha onde passar a noite e grátis. Mais animado, subi novamente a
rua e, agora, de cabeça erguida, percebi que estava passando na frente da pequena
casa onde Cristovão Colombo havia nascido. Finalmente caiu a ficha de onde eu
estava, num porto importante da história do ocidente.
Entrei
no representante do armador do navio, curioso e ainda indeciso. Voltar ao
Brasil ainda não estava nos planos. Mas fui ver como é que era a coisa, quem
sabe? O lugar era suntuoso, como convém a um armador, dono de navios, não a uma
agência de viagens. Eu estava com as roupas de ciclista, sujo, esquelético,
provavelmente fedido, me sentia tão a vontade no lugar como um gato na ponta de
um trampolim. Encostei minha bicicleta carregada na parede de vidro
transparente e entrei, corajoso. Perguntei sobre a existência da viagem e a
possibilidade de um brasileiro embarcar. Sim, era ali mesmo e sim, qualquer
passageiro poderia ir para o Brasil, mesmo sendo um navio cargueiro. O preço da
passagem era duzentos dólares maior que a moça do bureau de turismo havia
informado. Argumentei que era menor de 26 anos e na Europa sempre tem desconto
para jovens, além disso, tinham me dito outro valor. A atendente, me pediu um
minuto e foi até a mesa de um senhor ao fundo do luxuoso escritório com chão de
granito batendo os saltos na pedra verde escuro. Maquiada para festa e sobre um
salto dez e um tailleur vinho, voltou fazendo aquele toc-toc-toc no piso liso. O
chefe havia autorizado o desconto, mil dólares. Oba. Tem algum limite para
bagagem? Sim, duzentos quilos. Tudo bem, a bicicleta carregada era bem menos
que isso. Fiquei por um momento refletindo na frente da moça arrumadíssima, o
contraste da minha aparência com a do lugar era evidente. E as refeições? Tudo
incluído. Ótimo. Que dia sai? A “previsão” do navio zarpar era em doze dias. Eu
não teria dinheiro para me hospedar, nem comer, mas isso era o de menos,
lembrei da moça que me ofereceu pouso. Também poderia arrumar algum bico até
lá. Onde desembarcaria no Brasil? Poderia escolher, sem custo adicional, Rio de
Janeiro, Santos ou Paranaguá, as escalas do navio no Brasil. Pensei que mesmo
em Paranaguá seriam uns mil km até Porto Alegre sem dinheiro nenhum, uns dez
dias de viagem no mínimo, mas azar, já estava habituado ao jejum. O mais
difícil, atravessar o Atlântico, já estaria feito, então era como estar em
casa. Avisei a moça que eu teria que trocar o dinheiro no banco e já voltava.
Ela então me perguntou se eu pretendia levar a bicicleta, apontando para meu
sofrido veículo atrás da vidraça. Ora, claro! Me informou que bicicletas eram
mais duzentos dólares. Argumentei sobre o peso, mas a moça estava irredutível,
balançava a cabeça negativamente. Pedi que ela perguntasse ao seu chefe do
fundo do escritório se não daria para abrir uma exceção para um jovem. Ela foi
lá, toc-toc-toc, falou com o senhor e voltou, toc-toc-toc, confirmando a
negativa: se queres levar a bicicleta é mais duzentos dólares. Comecei a fazer
um teatro enorme, mostrando como eu poderia então, desmontar a bicicleta,
enrolá-la num pano e ela então teria a aparência de uma trouxa de viagem. A
guria só balançava a cabeça de um lado para o outro, séria. Fiz graça, melhorei
o teatro, mímicas mis, tentei falar em italiano, poderia ser algum problema na
comunicação, qual o impedimento de entrar com uma trouxa de 50kg num navio de
carga? Outras pessoas do escritório acompanhavam de longe minha performace de
cômica mendicância e riam, mas a minha interlocutora permanecia séria e
balançando a cabeça. Mas eis que o senhor lá do fundo, o chefão, gritou em
inglês com um sotaque carregadíssimo de italiano:
-
OK!!!
But is the last thing I do for you!
Agradeci faceiro em Italiano:
-
Mille
Grazie!!!
O
escritório todo sorria agora, na simpatia consegui o desconto! Bom, até hoje
não sei se foi simpatia ou má educação, sei que todos sorriram para o
engraçado e exótico viajante brasileiro. Acho que naquele escritório fino,
jamais tinha se atrevido a entrar personagem tão maltrapilho. Resolveram fazer
caridade comigo! Sai e fui trocar o dinheiro todo para liras italianas. Em cada
banco havia uma cotação diferente de cada dinheiro. Fui a todos que encontrei e
troquei cada dinheiro no banco que pagava mais. Ao final do dia eu tinha
1.290.000, suficiente. Voltei lá e comprei a passagem, sobraram 30 liras, o
equivalente a algo como dez pães cacetinhos... para doze dias. Algum milagre ia
ter que ocorrer!!!
Sai
do armador com a passagem na mão e fui ao endereço daquela moça que me havia
oferecido pouso. Eram jovens como eu, recém casados. Ficaram felizes que havia
conseguido comprar a passagem, mas apavorados do quanto me sobrou. Fizeram uma
massa para o jantar e enquanto eu devorava alguns pratos fundos de comida, a
massa na Itália é deliciosa, começaram a baixar dos armários da cozinha todas
as comidas que tinham na despensa: massas, latas de molho, salsichas em
conservas e frutas. Também me instruíram para onde eu deveria ir para pedir
ajuda enquanto não embarcasse. Dormi lá.
No
outro dia, pela manhã, agradeci muito o casal pela ajuda, me despedi e sai em
busca da Cáritas, uma organização cristã de ajuda aos pobres que haviam me
indicado. Na Cáritas, uma freira me disse que eles não poderiam me ajudar, mas
havia uma organização voluntária de ajuda aos estrangeiros. Me deu o endereço e
sai a caça do lugar. Cheguei lá por volta de uma da tarde, mas não acreditei
que fosse ali, não tinha nada escrito na frente. O lugar era uma ruína, fechada
com folhas de zinco, embaixo de um viaduto ferroviário. Desanimei e sentei a
sombra para almoçar uma das maçãs que os italianos haviam me dado. Eu deveria
racionar aquela comida até o dia da viagem. Ainda faltavam onze dias. Fiquei
pensando o que fazer no oásis da sombra do viaduto, estava muito quente. Nisso
chegaram dois rapazes, mais ou menos da minha idade, também tinham aquela informação.
Era ali mesmo! Eles tinham até um panfletinho de papel cor de rosa que mostraram, com o mapa e o horário de funcionamento: das 15 às 15:30!! Ficamos
conversando, esperando o horário de atendimento. Eles eram tchecos, tinham
servido na legião estrangeira francesa na Argélia, mas fugido. O serviço
militar para os estrangeiros era muito duro, tinham desistido. Pontualmente às
15 horas, chegou um senhor, abriu uns cadeados e tirou as correntes do zinco.
Mandou a gente entrar um por um e se meteu no porão da ruína. Atrás dele já foi
um dos tchecos. Depois de uns cinco minutos, o guri saiu contente, tinha
conseguido pouso e refeições por três dias. Foi o outro tcheco e a história se
repetiu, também conseguira. Chegou minha vez, entrei sem jeito, com medo e dúvida,
como no escritório do armador. Mas agora minha aparência estava muito mais de
acordo com o ambiente. Contei minha história, mostrei a passagem e as trinta
liras que me sobraram. O senhor ouviu e me alertou: só vamos te ajudar até o
dia da viagem, tu tens que embarcar mesmo! Me alcançou doze tickets: três de “colazione”,
três de “pranzo” e três de “cena”, além de três “notte” no Asilo Noturno
Masoero. Além disso, orientou para que eu voltasse em três dias pegar mais. Sai
contente, pelo menos café da manhã, almoço e janta estavam garantidos, e o mais
importante, as noites! Toda a comida que ganhei dos italianos poderia servir
para a viagem de Paranaguá, quando eu desembarcasse no Brasil, até Porto
Alegre. Percebi nesse momento a magnitude de meu empreendimento. Fiz um balanço
mental: Eu conseguira! Havia sido uma história de sucesso total, tinha
garantido a volta vivo para casa depois de dois anos de viagem pela Europa. Quando
cheguei não falava nenhuma outra língua que não fosse meu português, adolescente,
completamente sozinho, sem dinheiro, mas mesmo assim dei conta de morar,
trabalhar e viajar por seis países, aprender oito línguas diferentes, comer
coisas que nunca imaginei existirem, conheci museus, castelos, parques,
monumentos, praias, cidades históricas e pessoas maravilhosas antes de
completar 22 anos de idade. Me tornei uma pessoa muito melhor depois dessa
viagem, estava satisfeito com meu engrandecimento.
Com
a autoestima lá em cima, sai com minha bicicleta atrás do Asilo. Era nas docas
do porto. Na frente do lugar, recém cinco da tarde, uns quantos homens já
esperavam a abertura da pousada junto com os dois tchecos. Sentei com eles e
esperei conversando. Tinha búlgaros, gregos, húngaros, albaneses, iugoslavos, russos,
eslovenos, italianos, desempregados, bêbados, drogados, refugiados, fugitivos,
ladrões... só a nata da sociedade européia e eu, todos estávamos bem à vontade
sentados sobre tijolos na calçada. Às oito horas da noite ainda era dia claro,
abriu o Asilo e negociei com um senhor muito idoso um lugar para por a
bicicleta à noite. Ele disse que eu poderia por no sótão, mas só tirar no dia
da minha viagem, concordei. Subimos num belíssimo elevador art noveau de carga.
O sótão era uma incrível coleção de objetos antigos e empoeirados. Malas,
principalmente. Algumas deveriam estar ali há séculos, os mais diversos
formatos. Acomodei minha bicicleta lá e desci com o senhor. Troquei meu
primeiro ticket de “cena” por um prato de sopa. A comida era para idosos, havia
muitos no refeitório, os pedaços de carne estavam tremendamente cozidos, bem
moles e esbranquiçados. Tomei um banho no banheiro coletivo e dormi tranquilo
num quarto com outros seis sobreviventes da vida, como eu.
Os
dias foram passando assim: Todos tínhamos que acordar às sete e cair fora do
asilo antes das oito. “Colazione” com velhinhos, passeios a pé pela manhã, “pranzo”
com carne esbranquiçada, passeios a pé pela tarde, “cena” e esperar abrir o
asilo às oito. Esse momento era o melhor do dia. Eu ficava conversando com os
habitantes do lugar, cada um com uma história mais incrível para contar. Velhos
lobos do mar, tatuagens e cicatrizes, pernas de pau e olhos de vidro. Os que
passaram a vida no mar tinham a aparência exatamente igual àquelas histórias de
piratas que eu já havia lido em tantos livros. O constante contato com os
elementos da natureza ou mata ou deixa sequelas, uma delas pode ser a sabedoria.
Conversando aprendi que a Eslovênia estava se separando da Iugoslávia, achei
aquilo incrível. Ouvi histórias de como passar contrabando para Rússia, como
pescar atuns ou como era o treinamento da legião estrangeira nos desertos
argelinos. Um senhor grego de oitenta anos havia estado em Porto Alegre, até me
descreveu a entrada na lagoa dos patos e a escala em Rio Grande. Eu tinha a
história mais tosca e curta de todos, eu era o bebê do asilo.
O
dia da viagem finalmente chegou. Estava nervoso, teria que passar pela
alfândega depois de dois anos de ilegal na Europa, talvez criassem problemas.
Resgatei a bicicleta do sótão lendário, me despedi dos amigos que estavam por
ali e fui para o Porto. Uma moça da companhia de navegação pegou meu passaporte
e de outros passageiros e entrou num prédio. Em pouco tempo voltou e devolveu
meu documento com o carimbo de saída. Felizmente, ninguém deu bola para mim na
imigração. Bueno, saindo do país, emigrando, acho que eles nem pensam em criar
caso, só se fosse entrando. Entrei no navio pedalando. Era um imenso navio de
carga, de dimensões faraônicas. Estava atracado pela popa quadrada, uma coisa
estranha. Uma enorme tampa se abria na traseira do navio e virava uma rampa.
Era um navio especializado em transportar automóveis, mas estava quase que
completamente vazio, só tinha dez Alfa Romeus e três empilhadeiras de
containers num fundinho do porão. Collor de Mello recém tinha aberto as
importações e um Alfa custava cinco no Brasil, era um luxo absurdamente caro.
Larguei, simplesmente, minha bicicleta perto do elevador, nem precisou amarrar.
Um marinheiro me explicou que o barco era muito grande para balançar. O navio
tinha trezentos metros de comprimento, mesmo se houvesse uma tempestade, nem se
mexeria. Peguei os alforjes todos da bicicleta e subi os onze andares até minha
cabine. Larguei minhas coisas e saí contente a explorar o navio.
Passeei
pelos longuíssimos corredores, eram muitas cabines, umas cem. Ocupadas mesmo só seis. A minha tinha eu, dois rapazes de Bauru e um Italiano. Conheci o
restaurante onde seriam as refeições, a biblioteca, a discoteca, subi para a
piscina e dei umas voltas no convés principal observando a movimentação do
porto. Estava distraído pensando na vida e como seria legal essa viagem, quando
o capitão veio falar comigo. Educadamente me explicou que o navio havia sido
reformado e muitas autoridades chegariam à tarde para uma cerimônia de
reinauguração. Por ser passageiro, estava convidado para o evento. Mas, com
mais educação e tato ainda, me rogou: será que não daria para eu trocar de
roupa? Pelo menos uma calça jeans? Me examinei, parecia mesmo um mendigo. Claro,
eu tinha uma calça jeans, nem todas minhas roupas eram um farrapo. Fui me
trocar um pouco constrangido. Foi a única vez que o capitão me dirigiu a
palavra durante toda a viagem.
Lá
pelas seis da tarde me coloquei na popa do navio para observar a movimentação
de cima. Uma fila de carros luxuosos entrava velozmente pela rampa lá embaixo,
eram uns vinte Mercedes Benz, todos pretos. O elevador agora subia e descia
trazendo mais e mais gente embecada dos porões para a parte social do convés
superior. Subi lá também, eu era o único de jeans, todo mundo de terno e as
mulheres de vestido fino. Tinham montado um altar onde agora há pouco havia uma
piscina. Logo, três bispos ou cardeais, não sei, tinham aqueles chapéus altos e
bicudos, começaram uma missa. A cerimônia teve bençãos mis e discursos em
italiano. Me avisaram que era o prefeito de Gênova, o Governador da Liguria, o
dono do navio, representantes comerciais e mais autoridades. Aquela embarcação
deveria ser uma importante aposta da economia local. Nada me impressionou muito
no evento, nem carros pretos, tapetes vermelhos, nem ternos, nem cardeais ou
governadores. Mas invejei mesmo um senhor que estava com a mulher grávida, ela
vestia um longo colorido. Era a mulher mais linda que já tinha visto na vida,
alta, gorda e loira. Tinha uma classe titânica e um charme avassalador. O cara
tem que ser muito, mas muito especial para conquistar uma mulher daquelas.
Depois
da missa, todos se cumprimentaram e desceram para o convés lateral. Sentamos
todos em mesinhas com toalha branca que haviam colocado ali. Serviram uns
pratos de salgadinhos e eu comecei a gostar da festa. Achei que ia ser só
aquilo ali. Então me empanturrei de salgadinhos, eram deliciosos. Há meses
estava comendo pouco ou nada, há doze dias com os velhinhos do asilo, então
aquilo era um banquete. Tiraram os pratos de salgadinhos e trouxeram um prato
quente. Era uma carne branca, coelho, me disseram. Comi o prato todo e fiquei
super saciado, mas havia mais. Recolheram os pratos sujos e trouxeram a
sobremesa, era umas rodelas de abacaxi com oito bolas de sorvete. Comi tudo!
Fiquei empanzinado, nem conseguia me mexer. O povo foi saindo e indo embora e
eu ali sentado. Os garçons começaram a retirar as mesas e as cadeira e eu ainda
ali sentado. Até que um dos garçons veio delicadamente pedir para que eu
levantasse da cadeira onde eu estava para que eles pudessem guardá-la. Levantei
e caminhei vagarosamente para a murada, mas não cheguei muito perto, fiquei com
medo de ter um mal estar e cair lá de cima. No outro dia, quando acordei, já
havíamos zarpado e não se via mais a costa. Estávamos no meio do Mediterrâneo.
A
vida no navio era tranquila. As refeições eram pontuais e não se podia perder o
horário sob pena de ficar com fome. Muitos frutos do mar e massas italianas,
todos os dias uma tábua de queijos e uma sobremesa diferente. Experimentei
polvo e lula, lagosta e camarão, comia tudo com gosto, prazer e interesse.
Durante o dia ficávamos na piscina e a noite eu gostava de ir para a ponte de
comando observar. Era 1990, mas o barco já tinha GPS, era uma incrível
tecnologia para a época. O timão do navio era mínimo, uns vinte centímetros de
diâmetro e nunca era tocado. A ponte de comando era enorme e cheia de
instrumentos, grande área envidraçada e estava sempre no escuro a noite,
somente a luz da lua e das estrelas entravam pelas janelas. No entanto, a
visibilidade era maravilhosa, o mar refletia as estrelas e tudo era muito
claro. O “acelerador” do motor tinha doze velocidades, quatro “adagio”, quatro
“mezzo” e quatro “tutta”. Atravessamos o Mediterrâneo sempre no segundo
“mezzo”, o motor ia folgado e nunca o escutei. O silêncio na ponte de comando
era total, só quebrado por um alarme quando algum outro navio entrava no
“range” do radar em rota de colisão conosco. Viajar num navio assim,
gigantesco, dá uma paz muito grande. Mesmo a noite se enxerga tudo, os
horizontes são infinitos para todos os lados e só se houve o sussurro do vento
e o marulho das ondas. Um maravilhoso local para ficar sozinho com seus
próprios pensamentos e mergulhar profundamente neles. Passamos o estreito de Gibraltar
e entramos no Atlântico.
Quando
cruzamos o equador, ganhamos um diploma conferido por, segundo o médico de bordo
que andava sempre bêbado, Netuno. Na carta náutica do Atlântico que estava
aberta na ponte de comando já aparecia o Brasil. Lembrei de preparar o
desembarque. Aquela vida mansa de banhos de piscina, observação de cardumes de
peixes voadores cruzando a proa e refeições servidas por garçons estava perto
do fim. Alguns tripulantes ficaram meus amigos, assim como todos os
passageiros, conheciam minha história e meu objetivo final, Porto Alegre. O
cozinheiro me deu muitas frutas e mais algumas latas de atum para viagem e um
senhor idoso do Rio de Janeiro, me deu uma nota de dinheiro desconhecida para
ajudar na viagem de bicicleta de Paranaguá até minha casa. Nos dois anos que
estive fora, cortaram seis zeros da moeda brasileira e aquela nota que o senhor
me deu não me dizia nada, nem agradeci direito. Depois descobri que era a nota
mais cara naquela época no Brasil. Pedi ao rapaz que cuidava das máquinas para
ver minha bicicleta no porão. Não era uma coisa permitida, mas ele deixou.
Desci o elevador e lá estava minha fiel companheira no mesmíssimo lugar que a
tinha deixado. Fiz uma revisãozinha rápida e constatei que o único problema era
na roda traseira, estava descentrada. Coloquei a bicicleta no elevador e subi
até o convés para consertar na luz do sol. Fui até minha cabine e peguei as
ferramentas, voltei correndo, faceiro e excitado com a possibilidade de eu
mesmo fazer o reparo. Virei a bicicleta de cabeça para baixo sob a sombra das
cabines no lado de fora da minha escotilha. Usei o próprio quadro como guia
para centrar a roda. Eu nunca tinha feito isso, mas não dava mais para adiar,
estava muito torto aquele aro depois de mais de 5000km rodados na Europa. Apertava
os niples e era um desastre, parecia ficar pior a cada tentativa. Sozinho e em
silêncio no enorme convés, concentrado eu investigava aquela roda. Somente o vento,
o solão equatorial, o céu azul claro e o horizonte infinito do oceano azul
escuro testemunharam meu esforço. Apertava e desapertava desapontado. Tentava e
errava de novo. Parei e refleti, fazer sempre a mesma coisa e esperar
resultados diferentes é maluquice. Olhei as peças, analisei. Levantei hipóteses
e testei. Eureca, achei o segredo: os raios funcionavam como cordinhas e não
como pilares. Me maravilhei com a descoberta, num instante centrei a roda que
ficou perfeita de novo.
Minha
auto estima subiu horrores naquela manhã, porque percebi que era um adulto
agora. Capaz de perceber problemas, analisá-los, experimentar hipóteses, fazer
uma autocrítica, encontrar alternativas e soluções. Lembrei do livro que li na
adolescência, emprestado pelo meu Tio Luiz, Zen e a Arte da Manutenção de
Motocicletas. Me senti como o autor Robert M. Pirsig. O compreendi muito mais.
O livro tinha me marcado muito e, na época que li, prendi com percevejo
pedacinhos de papel com frases soltas do livro que tinham me chamado a atenção
no mural lá de casa. Uma delas falava sobre os mecânicos, que muitas vezes param
de trabalhar e parecem perdidos em pensamentos durante o serviço, parece que
lidam com peças, mas não, lidam com conceitos que não estão ali, mas a milhares
de quilômetros dali. Coloquei a bicicleta em pé, pensei em guardá-la no porão
de novo, mas desisti. Olhei aquela paisagem onírica, o horizonte infinito, tudo
azul, o imenso convés daquele navio gigantesco, a terra mais próxima estava a
mil quilômetros de distância. Subi na bicicleta e sai para uma voltinha no
barco. Fui até a proa por bombordo e voltei a popa por estibordo. Cada volta dava uns 500m, fiz umas três. Pedalar em alto mar, cruzando o equador, é uma coisa extraordinária que
poucas pessoas no mundo já fizeram. Eu já tinha ido em tantos lugares que
acabei encontrando, sem querer, os conceitos de que Pirsig falava.
A
experiência dessa viagem no final da minha adolescência mudou totalmente minha
vida. Adquiri uma consciência crítica. Comecei a encontrar inconsistência e
irracionalidade em muitos valores da sociedade da qual sai. As coisas que a
escola, a religião, a televisão e a família me diziam já não me serviam mais.
Choquei muitos com minhas novas opiniões quando voltei. Ainda choco. Me tornei
um E.T.. Sou chamado de radical, xiita, niilista, iconoclasta. Muitas coisas
ainda estou aprendendo, volta e meia outro insight e alguma ficha inesperada
cai. Tudo que sei é que nada sei, como dizia Sócrates. Mas, como ele, aborreço
os dogmáticos de plantão. Quando se dá a volta ao mundo de bicicleta, como fiz,
se passa fome, frio, se dorme na rua, se aprende obrigatoriamente outros
idiomas porque o exótico é o teu e ninguém te entende, se cresce. É como
nascer, sair do útero acolhedor da comunidade que te viu pequeno. Viajando se
percebe quão infinitesimal é tua existência, tanto no tempo quanto no espaço. A
pessoa que viaja, ataca desconhecidos na rua, percebem dificuldades e tenta
ajudar, como a moça em Gênova. Oferece pouso, como ela e seu esposo. Quem
viaja, se torna mais cristão, partilha o pão, como o cozinheiro do navio e o
bom samaritano da parábola bíblica. Velhos que viajaram muito tem infinitas
histórias para contar, como meus colegas de asilo. Ex viajantes criam
associações de ajuda aos estrangeiros, não são xenófobos. Oferecem até dinheiro
para um desconhecido, como o passageiro idoso do Rio de Janeiro. Quem viaja se
torna um cidadão de esquerda, compreende mais o mundo como um barco no oceano e
que é preciso salvar todos, todos temos dificuldades mais cedo ou mais tarde.
Quem viaja não fica remoendo mazelas mesquinhas, egoístas e conservadoras da
cidadezinha em que nasceu. Não é por acaso que todas as religiões do mundo
pregam grandes peregrinações. Vá a Méca, Jerusalém, São Tiago de Compostela,
Katmandu ou Nova Déli, Roma que seja. Mas vá caminhando, de bici ou moto. Vá de
um jeito que te obrigue a interagir com os elementos da natureza e desconhecidos
que não te entendem. Tu vais descobrir o verdadeiro sentido da vida, que é
simplesmente, amar o próximo, por mais diferente e estranho que seja, que ao
fim e ao cabo é o que todas as religiões pregam. Viaje!
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Exatamente durante a partida final da libertadores, enquanto
o povo se distraía com o circo do futebol, foi aprovada na câmara dos deputados
do congresso nacional uma renuncia fiscal extraordinária. Até 2040 as empresas petroleiras
estrangeiras estarão isentas de pagar impostos. Como até lá será perfeitamente
possível tirar todo o óleo do pré-sal e a Eletrobrás também está sendo doada, é
óbvio que o Brasil abdicou definitivamente de suas reservas energéticas doando tudo
ao capital financeiro transnacional. Um
trilhão (R$ 1.000.000.000.000,00) de reais é o valor estimado da renúncia
segundo os técnicos do próprio congresso. Diante desse montante, os 25 bilhões
perdoados do Itaú (banco que já adquiriu parte do Banco do Brasil e está para
adquirir o resto) viraram brinde. O país está sendo saqueado por psicopatas
bárbaros sem resistência alguma. Não é a toa que grandes empresas patrocinam o
futebol e as transmissões ao vivo na Globo, é um investimento de baixíssimo
custo! Enquanto estamos de ressaca com as comemorações do tri campeonato e
preocupados com o sorteio das chaves da copa da Rússia, Tacla Duran depõe e
incrimina Moro e os procuradores da Lava-jato com provas abundantes, já periciadas
pelo ministério público da Espanha (lembra do ministério público da suiça que
prendeu o cunha? Só assim.). Somente um tolo não percebe a real função social
do esporte. O problema é que somos muitos tolos, somos a grande maioria da
população. Os vândalos estão nos estuprando e queimando nossas casas, mas... Viva
o Grêmio! Rumo ao mundial!!!
sábado, 18 de novembro de 2017
Piadinhas e mais piadinhas, como sempre, quando se está no meio de trabalhadores braçais. Quando era Mecânico de manutenção da Sanremo ou da Termolar, depois quando fui beneficiador na serraria, escutei as melhores piadas da minha vida. Aquelas de ficar o dia todo rindo e semanas depois, quando a gente encontra o peão que contou, lembra e ri de novo. Pena que a maioria das piadas é super contextualizada com o serviço realizado, com as máquinas usadas ou com algum peão conhecido. Se tu contas para alguém que não trabalha ali ninguém vai entender nada. Anos depois, ao reencontrar um companheiro de trabalho destes, um clima de grande camaradagem se estabelece de novo, um alegre sorriso se abre nas caras sem nenhuma cobrança da ausência e com sincero interesse com o destino dos amigos em comum. Ontem, no meio de um trabalho pesadíssimo, tombando toras e usando a picareta para quebrar a rocha para fazer o leito de cada degrau da escadaria, escutei uma das poucas que dá para passar adiante:
Tu acreditas em fantasmas?
Claro que não!
É, eu também não, eles são muito mentirosos!
A surpresa te desarma e o trabalho fica mais fácil.
Tu acreditas em fantasmas?
Claro que não!
É, eu também não, eles são muito mentirosos!
A surpresa te desarma e o trabalho fica mais fácil.
sábado, 11 de novembro de 2017
Porto Alegre, 2 de fevereiro de
2006
Estou triste hoje. Sim, triste,
vendi minha moto ontem. Eu nem tinha sentido nada, a tristeza só bateu hoje.
Fiz tudo que tinha que fazer e fui para casa como se a vida continuasse
normalmente, mas não. Eu adorava aquela motinho. Ela era rara, muito pouco
vendida. Curtia um monte sair com ela, me orgulhava. Para mim, era a melhor
moto do mundo, me dava um baita prazer. Tinha o motor forte e uma aparência inovadora
que muitos achavam horrorosa, mas para mim era uma coisa a mais que a tornava
exclusiva. Eu andava com o peito inchado em cima dela e olhava com soberba para
os outros motociclistas que ignoravam a sua tremenda capacidade. Dava toda
atenção, enchia ela de cuidados, mas cuidando para não mimar. Em cinco anos só
dei seis banhos nela, para não atrair olhos de cobiça. Nada de gasolina ou óleo
especial, ela bebia o que todo mundo bebia. Claro, de vez em quando eu comprava
uma relação com retentores, muito mais cara, ou um pneu original só para ela
continuar especial. Ela já estava velhinha, com cinco anos, toda hora tinha uma
coisa para fazer. Mas até isso me dava alegria. Parecia que eu estava fazendo a
coisa certa: cuidar bem. Meu coração se preenchia. Não deixava estragar, só
fazia manutenção preventiva. Qualquer coisinha eu ia correndo no mecânico. Ele
é um cara legal, tão apaixonado por ela como eu. Sempre dava uma elogiada, como
ela estava bem conservada ou como era macia. Nós dois ficávamos olhando ela e
comentando sua beleza e boazudisse. Ele vê em mim um cara que gosta e entende
de moto, não só um cara que usa moto. Eu vejo nele a mesma coisa, ele gosta e
entende de moto, não é só um cara que conserta. A relação, minha e dele, com as
motos tem afeto envolvido.
A história da venda foi trágica,
mas talvez tu, leitor, aches divertida. Eu ia vir para Porto Alegre dia 16 de
dezembro com a firme intenção de vender a moto aqui, ela tem a placa da cidade.
Pergunta daqui, pergunta dali, pensei em vender por cinco mil. Alguém me alertou
que era bom eu trocar o pneu traseiro antes de vender, o estado dele é uma das
primeiras coisas que prováveis compradores olham. Serve como uma isca. O pneu
original era caríssimo, então resolvi por o do mercado paralelo mesmo, já que
não seria eu que ia usar e pouca gente percebe a diferença. Troquei o pneu, deu
150 reais, mas eu pensei: 150 é nada perto de 5000, além do que a viagem para
Porto Alegre seria muito mais segura. Também paguei o IPVA, para não ter
problemas na estrada e nem na hora de vender: R$ 228,00. Pensei: mas isso nem
conta, vai ser o último gasto mesmo! Vim. Na estrada do mar um polícia me
parou, na frente dele a moto apagou. Não fui eu que desliguei, ela apagou
sozinha. Olhou os documentos, minha carteira de motorista foi tirada em
Florianópolis e eu tô com barba por fazer na foto, fico meio bandidão. Ele não
deu muita bola para os documentos, mas se interessou pela moto, nunca tinha
visto aquele modelo de moto em 15 anos de PRE. Eu elogiei um monte a moto, como
era econômica e durável, nunca estraga. Eu disse que ia vender e ofereci, ele
disse não, mas gostou. Fiquei feliz, sinal de que seria uma barbada vender.
Vesti o capacete, coloquei as luvas e tentei ligar a moto: nhéco, nhéco, nhéco,
nhéco e nada, o polícia ali, olhando. De novo: nhéco, nhéco, nhéco, nhéco e
nada. Tiro as luvas, futrico um pouco, começo a suar: nhéco, nhéco, nhéco,
nhéco e nada. O polícia se desinteressou totalmente e foi parar outro carro.
Futrica um pouco mais, suo profusamente de casacão e capacete no solão, mas ela
pega... com quase todo acelerador puxado: RUUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!! Coloquei as luvas
correndo e sai dali antes que ele achasse um artigo para me multar. A moto ia
bem a 80 km/h ,
beleza, mas a 60 falhava e parada apagava. Cheguei em Poa e deixei a moto na
oficina com a ordem: limpa o carburador e troca a vela. No outro dia fui
buscar, R$ 37,50. Pensei que seria só isto, mas não era, ainda falhava. Como é
que eu ia vender uma moto falhando? Voltei lá: só pode ser a bobina, eles
disseram. Dois dias depois voltei de novo: R$ 220,00. Vai somando... Puta
merda, porque esta moto não esperou mais um dia para estragar? Não era a
bobina. É o coletor, me disseram, mas só tem na Yamaha. Fui na Yamaha: R$ 150,
mas não era o coletor. Cada vez que eu ia tirar dinheiro no caixa eletrônico
era um custo, o cartão tá todo descascado e a tarja magnética já nem funciona
mais direito, tem que fazer dez vezes a operação para dar certo. Deixei a moto
para uma investigação mais aprofundada, uma semana. Aproveitei o tempo para fazer
uma nova carteira de identidade, na minha eu ainda estava com 14 anos. Na foto
da nova, percebi depois, eu saí com a barba por fazer, meio escabelado e suado,
ficou pior que a antiga. Depois de passada a semana, me disseram: R$ 450! Era
um punhadinho de peças que o cara me apontava com o dedo mindinho para não
escondê-las. Somou? Pois é, R$ 1235,50, mas ficou boa, bá, ficou tri boa.
Pensei, vai ser uma sopa vender está super máquina por 5000! Anunciei no natal
na Zero e no Correio, não vendi. Para compensar, ganhei uma camiseta bem legal
do MST de natal do pai. Fui em todos os picaretas de Poa, ninguém queria a
minha já nem tão adorada moto. Percebi que tinha um elefante branco nas mãos.
Fui para Rio Grande e Pelotas (o tio Luís me disse que lá era certo que eu
vendia) mas lá, também, ninguém quis. Aquela aparência inovadora, que para mim
era linda, para todo mundo era mesmo horrorosa. Ofereci em Canoas,
Cachoeirinha, Alvorada e Viamão, nada. O motor forte, que para mim era um
prazer, para todo mundo era um gastador. Esteio, Sapiranga. A bela raridade
virou rapidamente uma bruxa medonha. Novo Hamburgo, São Leopoldo. Os outros
motociclistas, que eu, arrogantemente, sempre achei ignorantes, agora eu
invejava por serem tão espertos de terem uma bosta de moto para passar adiante
fácil. Vendi, então, para o primeiro que me fez uma oferta, a única que me
fizeram, em Gravataí; R$ 3000. Tirando a gasosa que eu gastei para ir pra lá e
pra cá com a moto e toda manutenção, sobrou uns R$ 1500 para mim dos cinco mil
que eu queria... Peguei o cash e levei correndo, de casacão e capacete na mão, 2 km até o banco, num solão de
rachar coco, três ridículos bolinhos de notas de cinqüenta. Cheguei todo suado,
com a camiseta do MST molhada, barba por fazer, todo escabelado, com aquelas
coisas na mão, tava uma coisa. A mulher do caixa começou a contar bem rápido:
vap, vap, vap, vap, vap, um bolinho, vap, vap, vap, vap, vap, outro bolinho,
vap, vap... Esta é falsa! Gelei. Como assim, falsa? É falsa, passa os
documentos! Eu passei o que tinha ali: identidade tirada ontem em Porto Alegre , com
barba por fazer, escabelado e suado na foto, carteira de motorista tirada em
Florianópolis, com barba por fazer, cartão do banco todo descascado e com a
tarja magnética sem funcionar! Eu argumentei: juro que só vim a Gravataí vender
uma moto... Mas já vi até as manchetes nos jornais: “Bandidão do MST tenta
passar dinheiro falso em Gravataí!”, me imaginei algemado na delegacia, o
delegado dando-lhe pau em mim num cantinho escuro, depois na cadeia, os
presidiários socando-lhe o pau em mim num cantinho escuro.
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
A Capela Sistina, onde se realiza o conclave para escolher os novos papas, fica no meio da Cidade do Vaticano, ao lado da Basílica de São Pedro. Foi construída em meados do século XV, a mando do papa Sisto IV (por isso se chama Sistina) e teve seu teto pintado por Michelangelo logo no comecinho do século XVI. A pintura tenta ilustrar passagens bíblicas, principalmente o Genesis. Na pintura tem muita gente pelada, seminua ou mostrando alguma polpa pudenta meio se querer. A parte que mais chama atenção do público que paga para entrar e olhar para cima, na maioria cristãos, é a criação do ser humano: Deus dando o toque da vida à Adão. Adão, coitado, tem um micro pênis no afresco. Pensa bem, o cara nem tinha concorrência, a Eva não ia saber o que estava perdendo. Deus tá lá, retratado no meio de um monte de criancinhas (anjinhos inocentes), seminu com uma espécie de bata jogada por cima. As crianças o cercam, se enroscam em suas pernas e braços, todas nuas. No século XVI, os papas e cardeais acharam que tudo bem aquela pintura no teto da capela onde se faz os conclaves no meio do Vaticano. Impressionante que, agora no século XXI, quinhentos anos depois, os pulhas IGNORANTES da súcia do MBL, vem querer criminalizar as obras de arte e performances de artistas com nus. Mas porque não vão chupar um parafuso até virar prego, seria mais útil para a humanidade. Agora, repare bem na pintura. Michelangelo retrata o ser humano maior que Deus. Além disso, Deus e toda a maçaroca do Céu estão dentro de um troço que parece um cérebro!!! Cérebro ou alguma víscera, um estômago, alguém poderia dizer. Michelangelo era obviamente ateu e, genialmente, enganou os padrecos todos. Deus só existe nas tripas de quem crê.
quarta-feira, 12 de julho de 2017
Ligo a televisão e me choco com a cena. Paulo Maluf
defendendo Temer na comissão de constituição e justiça: “Esse homem correto,
decente e honesto está sendo acusado de maneira absolutamente imprópria”... Oi????
Vi isso mesmo? Maluf na CCJ?? Esses dez segundos de Jornal Nacional já deixaram
claro a encrenca que nos metemos. Maluf, o maior ícone da corrupção nacional, cidadão
que se for para qualquer país do mundo é preso pela interpol (menos no Brasil,
onde tem foro privilegiado por ser deputado), prefeito biônico da ARENA, partido
dos golpistas de 64, depois PDS, depois PFL e agora PP, longa linhagem de
conservadores golpistas e corruptos, ainda vive, não está preso e está na CCJ??
Ora, diante disso fica evidente e cristalino o momento político nacional. O
país alterna décadas de democracia com décadas de ditaduras, agora é a vez da
ditadura. Quando os oprimidos começam a se organizar e obtém sucesso em suas
demandas, os opressores de sempre vem e tomam o poder de volta as golpeadas. Getúlio,
Jango e Lula/Dilma. Fora os Estados Unidos, que nos quer vassalos servis, quem
mais sustenta os golpes? O judiciário, claro. Com ares de total normalidade
institucional, vestem a toga e escrevem longas laudas sobre a legitimidade do
golpe. Tá dominado, pessoal, tá tudo dominado, o golpe foi totalmente bem
sucedido: As leis foram escritas para que sejamos escravos, nossas terras e
riquezas naturais serão doadas a estrangeiros e as lideranças que podiam conduzir
a uma revolta são presas ou mortas. Somos ovelhas, como nas igrejas
evangélicas, tocados para o abate por ardilosos pastores. Todos os legisladores
atuais foram democraticamente eleitos. Por nós. Obviamente, a elite conta com
um aparato de propaganda de suas fabulosas ideias para que as ovelhinhas entrem
caminhando voluntariamente no brete. Penaremos.
domingo, 25 de junho de 2017
Sociedade Kafkaniana
Um amigo me devolveu um livro que já nem lembrava tinha emprestado. A Metamorfose de Franz Kafka. É bom ter amigos honestos. Tenho ainda outro livro do mesmo autor em casa, O Processo. Fui procurar no gabinete e reli alguns trechos das obras para matar a saudade. Num instante, já estava perdido em reflexões sobre a vida e o que acho que o autor queria que pensássemos. No primeiro, o protagonista acorda uma manhã e descobre que tinha se transformado num “inseto monstruoso”. O segundo inicia do mesmo jeito: o personagem desperta e percebe que sua vida mudou, tem sua privacidade invadida e é acusado de um crime mas nem sabe qual. No meu entender os dois livros são sobre o mesmo tema. Tratam do momento que alguém se conscientiza de uma situação social opressora e começa a ser perseguido por isso. Por isso o autor utiliza a metáfora do despertar. O sair de um estado de dormência passiva, para uma vigília consciente e ativa. Quando li pela primeira vez A Metáfora, imaginei que Kafka fosse gay e, ao revelar para família seus desejos homossexuais, passou a ser tratado como uma criatura horrenda que tem que ser escondida no quarto até morrer. Depois, ao ler O Processo, minhas suspeitas aumentaram. A orientação sexual seria o crime intangível, mas condenável. Porém, lendo os anexos dos próprios livros, percebi que não era isso. Kafka era mulherengo. Também era judeu, talvez isso o levasse a escrever sobre excluídos, mas, essa foi mais uma hipótese descartada, porque toda sua família também era. Falava um dialeto alemão não muito bem visto em Praga, sua cidade natal, outra teoria. Relação difícil com seu pai. Não sei, o fato é que seus contos nos falam de lutas sociais, ou melhor, resignação diante de exclusões absurdas.
Comecei a relacionar os dois livros sobre a mesa com conversas recentes que tive na escola. Na sala dos professores, durante o recreio, meus colegas de trabalho descobriram que larguei a Engenharia Mecânica da UFRGS no meio. Já incrédulos com minha aparente burrice, ficaram atônitos ao saber que falo outras línguas. Uma colega me perguntou até o porquê de eu estar ali, diante de tantas outras opções “melhores”. Ao longo da vida fui fazendo escolhas e, como todo mundo que consegue, escolho sempre me afastar das opressões e me aproximar das coisas que me agradam. Quando as coisas que te agradam são as mesmas que agradam a sociedade, tu segues tranquilamente a ordem social, és ordinário, é fácil, basta seguir o fluxo e serás feliz, realizado e bem gratificado. Mas, se tens ideias diferentes da maioria, és extraordinário, tua vida será um calvário. Ser um engenheiro, católico, casado, morar numa casa ou apartamento em Porto Alegre e com carro foram os planos da sociedade para mim quando nasci. Acredito que todos esses atributos são ótimos, mas não para mim. Essas perspectivas me enchiam de tristeza. Aos quinze anos comecei a suspeitar que meus desejos mais profundos eram diferentes daqueles projetados sobre mim. Aos vinte, passei a lutar por eles. Fugi para longe, para onde não me conheciam, para longe da tristeza, para onde poderia descobrir quem realmente eu era. Passei dois anos viajando pela Europa e descobri um cara totalmente extraordinário, diferente do que me diziam que eu deveria ser. Acredito que, a partir desse momento, também eu me transformei em um inseto monstruoso para a sociedade. Me percebi ateu e, como Kafka, um mulherengo, alguém que não quer casar, queria morar no mato, além de não ter a menor vontade de ser engenheiro e andar de carro. Ao voltar para o Brasil, sai de todas as trilhas que estavam abertas para mim e me embrenhei numa selva desconhecida. Isso horrorizou minha família e, devo admitir, a mim também. Minha história, que já estava toda pronta, teria que ser reescrita do zero. Nem eu sabia como seria. E para falar a verdade, ainda não sei, estou sempre em dúvida, temeroso de cometer erros, pois estou em pleno processo de reescrevê-la. Se permanecer no caminho “certo”, já escrito, “do sucesso”, era entristecedor, sair também não foi nada alegrador. O indivíduo extraordinário, “desviante” da ordem, encontra a mais sólida barreira a ser ultrapassada, a social. Nada é mais difícil do que nadar contra a corrente das imposições sociais. Pergunte aos gays, aos negros, aos deficientes, aos judeus, aos tatuados, aos ateus como eu ou outro grupo minoritário qualquer se suas vidas não têm sucessivos encontros com a estranheza, com o preconceito e com a opressão. Teus pais, teus irmãos, teus amigos, teus filhos e sobrinhos, todos agora vão te olhar com reprovação ou piedosa compaixão: “Ele tem problema...” Pior que tem mesmo, é um problema, nossa educação dificilmente contempla o diferente como normal. Nós somos incomuns, mas nos tratam como párias anormais.
Outro livro que li sobre os incomuns e me marcou muito, foi de um destes “párias” da sociedade. John Wray, um neozelandês que escreveu Os Vagabundos dos Mares do Sul. Ele desiste de trabalhar e viver em sociedade e resolve construir um barco para se isolar. Ao final do livro, num capítulo chamado Conclusão, ele aconselha seus leitores a ser ordinários e não agir como ele, nunca construir um barco. Se construírem, nunca mais conseguirão se encaixar numa vida comum. Eu não sou Wray, nem Kafka, divirjo deles. Wray reage e parte voluntariamente do convívio social, como eu fiz, mas se arrepende e aconselha outros a não seguir seu exemplo. Kafka fica, mas sofre até a morte a opressão. Já eu não, acredito que devemos tentar sair da opressão e buscar construir um exemplo para que outros se encorajem a fazer o mesmo. Isso é crucial. Somente quando for comum os incomuns saírem do armário, nós seremos considerados normais.
Se tu és comum e gosta da vida que leva, vá fundo, estás correto, não construa barcos. Mas, meu caro leitor, aconselho que assuma teus desejos, construa teus barcos, viaje de bicicleta pela Europa, saia do armário se é o que desejas. Pois tu, apesar dos temores, dúvidas e erros que venhas a cometer, estarás escrevendo a tua história e não a de alguém que escreveu por ti. A felicidade não existe, os raros momentos felizes que vivemos são aqueles que estamos em busca dela.
Um amigo me devolveu um livro que já nem lembrava tinha emprestado. A Metamorfose de Franz Kafka. É bom ter amigos honestos. Tenho ainda outro livro do mesmo autor em casa, O Processo. Fui procurar no gabinete e reli alguns trechos das obras para matar a saudade. Num instante, já estava perdido em reflexões sobre a vida e o que acho que o autor queria que pensássemos. No primeiro, o protagonista acorda uma manhã e descobre que tinha se transformado num “inseto monstruoso”. O segundo inicia do mesmo jeito: o personagem desperta e percebe que sua vida mudou, tem sua privacidade invadida e é acusado de um crime mas nem sabe qual. No meu entender os dois livros são sobre o mesmo tema. Tratam do momento que alguém se conscientiza de uma situação social opressora e começa a ser perseguido por isso. Por isso o autor utiliza a metáfora do despertar. O sair de um estado de dormência passiva, para uma vigília consciente e ativa. Quando li pela primeira vez A Metáfora, imaginei que Kafka fosse gay e, ao revelar para família seus desejos homossexuais, passou a ser tratado como uma criatura horrenda que tem que ser escondida no quarto até morrer. Depois, ao ler O Processo, minhas suspeitas aumentaram. A orientação sexual seria o crime intangível, mas condenável. Porém, lendo os anexos dos próprios livros, percebi que não era isso. Kafka era mulherengo. Também era judeu, talvez isso o levasse a escrever sobre excluídos, mas, essa foi mais uma hipótese descartada, porque toda sua família também era. Falava um dialeto alemão não muito bem visto em Praga, sua cidade natal, outra teoria. Relação difícil com seu pai. Não sei, o fato é que seus contos nos falam de lutas sociais, ou melhor, resignação diante de exclusões absurdas.
Comecei a relacionar os dois livros sobre a mesa com conversas recentes que tive na escola. Na sala dos professores, durante o recreio, meus colegas de trabalho descobriram que larguei a Engenharia Mecânica da UFRGS no meio. Já incrédulos com minha aparente burrice, ficaram atônitos ao saber que falo outras línguas. Uma colega me perguntou até o porquê de eu estar ali, diante de tantas outras opções “melhores”. Ao longo da vida fui fazendo escolhas e, como todo mundo que consegue, escolho sempre me afastar das opressões e me aproximar das coisas que me agradam. Quando as coisas que te agradam são as mesmas que agradam a sociedade, tu segues tranquilamente a ordem social, és ordinário, é fácil, basta seguir o fluxo e serás feliz, realizado e bem gratificado. Mas, se tens ideias diferentes da maioria, és extraordinário, tua vida será um calvário. Ser um engenheiro, católico, casado, morar numa casa ou apartamento em Porto Alegre e com carro foram os planos da sociedade para mim quando nasci. Acredito que todos esses atributos são ótimos, mas não para mim. Essas perspectivas me enchiam de tristeza. Aos quinze anos comecei a suspeitar que meus desejos mais profundos eram diferentes daqueles projetados sobre mim. Aos vinte, passei a lutar por eles. Fugi para longe, para onde não me conheciam, para longe da tristeza, para onde poderia descobrir quem realmente eu era. Passei dois anos viajando pela Europa e descobri um cara totalmente extraordinário, diferente do que me diziam que eu deveria ser. Acredito que, a partir desse momento, também eu me transformei em um inseto monstruoso para a sociedade. Me percebi ateu e, como Kafka, um mulherengo, alguém que não quer casar, queria morar no mato, além de não ter a menor vontade de ser engenheiro e andar de carro. Ao voltar para o Brasil, sai de todas as trilhas que estavam abertas para mim e me embrenhei numa selva desconhecida. Isso horrorizou minha família e, devo admitir, a mim também. Minha história, que já estava toda pronta, teria que ser reescrita do zero. Nem eu sabia como seria. E para falar a verdade, ainda não sei, estou sempre em dúvida, temeroso de cometer erros, pois estou em pleno processo de reescrevê-la. Se permanecer no caminho “certo”, já escrito, “do sucesso”, era entristecedor, sair também não foi nada alegrador. O indivíduo extraordinário, “desviante” da ordem, encontra a mais sólida barreira a ser ultrapassada, a social. Nada é mais difícil do que nadar contra a corrente das imposições sociais. Pergunte aos gays, aos negros, aos deficientes, aos judeus, aos tatuados, aos ateus como eu ou outro grupo minoritário qualquer se suas vidas não têm sucessivos encontros com a estranheza, com o preconceito e com a opressão. Teus pais, teus irmãos, teus amigos, teus filhos e sobrinhos, todos agora vão te olhar com reprovação ou piedosa compaixão: “Ele tem problema...” Pior que tem mesmo, é um problema, nossa educação dificilmente contempla o diferente como normal. Nós somos incomuns, mas nos tratam como párias anormais.
Outro livro que li sobre os incomuns e me marcou muito, foi de um destes “párias” da sociedade. John Wray, um neozelandês que escreveu Os Vagabundos dos Mares do Sul. Ele desiste de trabalhar e viver em sociedade e resolve construir um barco para se isolar. Ao final do livro, num capítulo chamado Conclusão, ele aconselha seus leitores a ser ordinários e não agir como ele, nunca construir um barco. Se construírem, nunca mais conseguirão se encaixar numa vida comum. Eu não sou Wray, nem Kafka, divirjo deles. Wray reage e parte voluntariamente do convívio social, como eu fiz, mas se arrepende e aconselha outros a não seguir seu exemplo. Kafka fica, mas sofre até a morte a opressão. Já eu não, acredito que devemos tentar sair da opressão e buscar construir um exemplo para que outros se encorajem a fazer o mesmo. Isso é crucial. Somente quando for comum os incomuns saírem do armário, nós seremos considerados normais.
Se tu és comum e gosta da vida que leva, vá fundo, estás correto, não construa barcos. Mas, meu caro leitor, aconselho que assuma teus desejos, construa teus barcos, viaje de bicicleta pela Europa, saia do armário se é o que desejas. Pois tu, apesar dos temores, dúvidas e erros que venhas a cometer, estarás escrevendo a tua história e não a de alguém que escreveu por ti. A felicidade não existe, os raros momentos felizes que vivemos são aqueles que estamos em busca dela.
quinta-feira, 15 de junho de 2017
Eu devia ter uns trinta, ela um pouco mais. Ainda éramos jovens,
mas nem resíduo de ilusão romântica ainda existia em nenhum de nós. Nos
deleitávamos um no outro despudoradamente, por mero prazer e isso bastava para ambos.
Morávamos longe, mais de 300km, cada encontro era de muita sede. Ríamos muito e
conversávamos, trocávamos carícias e fluidos corporais e, exaustos,
descansávamos com mais risadas. Era uma amizade maravilhosa, de muita troca e
respeito pela individualidade de cada um. Uma madrugada daquelas, aí por duas
da manhã, plenamente saciados de tudo, ela manifestou um desejo guloso qualquer,
talvez sorvete ou chocolate, não lembro. Propus sair, era verão e eu tinha recém
comprado uma moto. Armados somente com nossos capacetes e nossa alegria de
viver, saímos noite adentro. Na primeira lojinha de conveniência encontramos o
que queríamos. Mas porque voltar para casa, quatro paredes fechadas, se temos o
mundo todo para conhecer? Tive uma ideia boa: mostrar a ela os lugares que
gosto de Porto Alegre. Subimos os morros, serpenteando no velho asfalto da zona
rural do município. Fomos a Belém Velho, fizemos a volta na pracinha pouco iluminada
do vilarejo. Mostrei o cemitério e a igrejinha, as figueiras e as casinhas e
como parecia uma cidadezinha do interior. Conversamos sobre meu desejo de um
dia me “interiorizar”. A noite era fresca e estávamos felizes, então seguimos o
passeio. A levei ao Morro da Polícia e pedi para que fechasse os olhos. Lá em
cima abriu e, de um só golpe de vista, o quadro de toda a cidade brilhando no
escuro a estarreceu. O Guaíba refletia o céu estrelado e o contorno das ilhas era nítido.
Ela se emocionou e eu por ela. Contemplamos um pouco a paisagem e partimos para o
Belém Novo, outro bairro distante. Íamos conversando, devagar, acompanhados do
ronronar da moto. As estradas todas vazias, só nós as usufruíamos àquelas horas
e não com pressa, mas sim saboreando os momentos juntos. Paramos na beira da
praia e de novo contemplamos o infinito, as sombras das árvores, a lua e as
estrelas, a voz um do outro, a delícia do convívio. Muita gente devia estar
trabalhando àquela hora, ou dormindo, ou sofrendo num hospital e nós ali, em
descontraída reflexão, bebendo a noite com calma. Percebemos o quão especial
era o instante e comemoramos nossa sorte as gargalhadas. Voltamos para casa quase
seis da manhã. Finalmente nos acomodamos para dormir. De quando em quando
reencontro essa mulher, agora uma senhora. Para mim também o tempo passou,
tenho cabelos brancos e uns 30 kg a mais que tinha. Mas, magicamente, sempre
que nos encontramos, às vezes com anos de intervalo, parece que ainda estamos naquela
madrugada. Lembramos juntos coisas engraçadas e rimos de bobagens, comemos,
dividimos dramas pessoais e tentamos ajudar no que pudemos. Eu chamo isso de
amor. Feliz é a criatura que não se encarcera num casamento, num bom emprego, num
concurso público, numa fé dogmática de alguma religião ou partido político.
Porque o que tu vais lembrar com gosto daqui 20 anos ou na hora da morte são os
pontos fora da curva, as coisas que tu não planejaste. A vida está aí: nos momentos
vãos que tu passas com alguém que gostas. Perceba e aproveite.
terça-feira, 30 de maio de 2017
Quem quiser saber os benefícios da distribuição de renda sobre o PIB de um país, pesquise no google: PIB Brasil. Vai aparecer um gráfico interativo, do próprio google, muito interessante, onde mostra o crescimento do país em contraste com outras duas economias emergentes de tamanhos semelhantes, México e Índia, desde os anos 60. Passe o mouse sobre as curvas do gráfico e podes acompanhar o crescimento dos valores em cada ano nessas três economias. Essa experiência simples destrói qualquer argumento coxinha desinformado como "o PT quebrou o Brasil" ou "não tem que dá dinheiro para vagabundo", pois o PIB brasileiro passou de 508 bilhões em 2002, primeiro ano de Lula, para 2,6 trilhões em 2011, segundo ano de Dilma. Um crescimento de mais de 500%. Então entra num Platô até 2014 (2,4 trilhões) quando assume o congresso com maioria de direita, mais corrupto da história, que começa uma implacável desconstrução do país para doar tudo ao capital internacional. A queda passa a ser vertiginosa. Pena. Gráfico muito ilustrativo e esclarecedor. Obs.: Eu sou Psol.
segunda-feira, 29 de maio de 2017
Acabo de assistir na integra o fantástico de domingo pelo youtube, já que roubaram minha TV e não pude assistir no dia. Impressionante a total mudança de rumo da Globo. Noticiou até o ato pelas diretas no Rio. Aí tem sapo enterrado porque a emissora não dá ponto sem nó. O que mais chama a atenção mesmo é o massacre, antes destinado a Lula e Dilma, agora destinado a Aécio e Temer, até então queridinhos blindados e intocáveis. A mesma situação já ocorreu antes com Collor: a Globo distorceu tudo que pode para Lula perder a eleição de 89, mas um ano depois já tinha se aborrecido com o fantoche de alagoas e promoveu seu impeachment. Moro sumiu da revista televisa semanal já que pode estar implicado também. O ridículo PRN de Collor acho que teve somente um eleito em toda sua história, um herói fabricado, um ator "caçador de marajás". Quem será o próximo indicado pelo plimplim: Bolsonaro? Acho que não se sustenta pela brutal ignorância, despreparo e destempero. Dória? Está fazendo uma trapalhada atrás da outra em sampa. Estou apostando em outro ator, alguém jovem, que saiba representar bem diante das câmeras, alguém com o passado imaculado. Minha aposta é em Luciano Huck. A Globo está limpando o terreno para emplacar mais um tolinho neoliberal. Ando ansioso pelos desdobramentos da novela...
domingo, 12 de março de 2017
Numa
dessas últimas feiras do livro de Porto Alegre, estava eu a fuçar naqueles
balaios de ofertas de cinco reais, despreocupadamente, nunca tem nada bom
naquelas caixas. Mas igual, como todo mundo, examinava as lombadas deixando o
fluxo de pensamentos aleatórios me guiar. Lá pelas tantas acho um Alain de Botton
novinho, examino e está inteiro, o copyrights é de três anos atrás. Confiro com
o vendedor e, sim, está certo o preço, cincão. O título acho que explica o
encalhe do livro - Religião para ateus. Ser ateu é uma raridade e religiosos
encontram esse título como a lesma encontra o sal, melhor evitar. Mas, como sou
ateu de carteirinha e gosto muito do que já conheço do Alain, paguei e fui
embora meio rápido para o livreiro não ter tempo de dizer: ah, não, péra!
Ateus
são pessoas diferentes de agnósticos. O agnóstico não vê relevância em
responder se existe ou não uma força superior, uma divindade criadora e
cuidadora, portanto não se faz a pergunta. Ou acredita que é uma pergunta
impossível de ser respondida, além da razão humana, por isso não é pertinente,
nem precisa ser feita. O ateu, ao contrário, se perguntou e se convenceu que
não existe nada no além, estamos sós no universo, por nossa conta mesmo. Na
verdade, um ateu, como eu, acha a crença em deus uma tolice total, uma muleta
metafísica, uma criancice: Não existe nenhum amiguinho imaginário, nenhum papai
do céu vai te ajudar nunca, te vira! Teus familiares morreram mesmo, estão sendo
comidos por bactérias no caixão e tu nunca mais vais vê-los, aceite o fato. Ateus
adultos abdicam de consolos bobos como ursinhos de pelúcia para dormir. Não tem
céu, nem inferno tampouco. Um ateu assume resignado suas cagadas e acidentes,
não é um deus te dando uma lição! Só mais um substantivo masculino, deus não
tem letra maiúscula. De formas que as religiões são um verdadeiro mistério para
um ateu. Como alguém sadio da cabeça perderia algum tempo ou energia se
dedicando a algum culto ao sobrenatural? Alain de Botton nos dá a resposta no
seu livro. As religiões são produtos culturais, cada cultura tem a sua. Dentro
do seu contexto, faz todo sentido, mas, aos olhos dos outros que vivem distante
daquela sociedade, é no mínimo bizarra. No entanto, todas as religiões tem
pontos em comum que são muito acolhedores para qualquer ser humano. Todas
organizam encontros diários ou semanais. Todas costumam entoar canções quando
juntos. Todas incentivam a ajudar seus próximos. Todas tem um calendário de
comemorações que relembram seus valores. Essas iniciativas contribuem
decisivamente para que a comunidade fortaleça seus laços sociais e conserve sua
unidade. Alain de Botton, ateu militante, ensina que temos muito o que aprender
com as religiões e deveríamos seguir seus bons exemplos.
Quando
estava na faculdade, achava tudo uma festa. Nos víamos diariamente e
celebrávamos a vida com alegria. Organizavámos festas quase toda semana e
sempre tocávamos e cantávamos juntos. Nós nos ajudávamos no que podíamos, desde
o dinheiro para a passagem do ônibus, lanches, trabalhos de alguma cadeira,
estudos para as provas ou arrumar uma namorada. Eu achava aquela comunidade uma
maravilha sem males e os de fora não sabiam o que estavam perdendo! A ESEF da
UFRGS era minha religião e eu botava muita fé nela. Completamente laica, nunca
ouvi falar em outra fé por lá, no entanto sei que quase todos tinham alguma
crença do lado de fora da universidade. E eram as mais diversas! Eu me
esforçava para atrair e reunir todo grupo para nossas celebrações e não foram
poucas as vezes que organizei festas embaixo do flamboyant florido na frente da
garagem dos meus pais. Aquilo me deixava sempre muito feliz. Nesse sentido, eu
seguia as orientações de Alain de Botton antes mesmo dele ter escrito seu
livro. Mas, depois de sair da faculdade, fui perdendo o contato com os colegas
e os laços sociais desapareceram. Minha “religião” acabou.
Minha
irmã mais velha sempre gostou de viver em grupo. Sempre participou de corais,
grupos de igreja, grupos de poesia ou simplesmente amigos de bar. Se esforça
para manter vínculos afetivos importantes durante décadas e não mede esforços
para isso. Um dos grupo que ela está engajada atualmente é de canto. O que as
une, quase todas são mulheres maduras, é o prazer em cantar. Parece pouco, mas
é o suficiente para uní-las de uma forma consistente. Se reúnem semanalmente para
ensaiar, verdadeiras papa-hóstias do grupo e, obviamente, pela alegria dos
encontros, todas acreditam que fazem parte de um todo maior. O grupo Sol de Si
é vibrante e espiritualmente pleno. Sempre me sinto bem observando a fé das ditosas
beatas ao grupo, irradiam alegria! Essa semana, organizaram uma festa na
garagem da casa dos meus pais em Porto Alegre, como eu e minhas irmãs
costumávamos fazer há 20 ou 30 anos. Me convidaram para celebração. Cheguei antes,
faceiro com o convite e ajudei um pouco na organização do espaço. Alguém me
mostra uma foto da gente arrumando a garagem para a festa e vejo aquele senhor
de cabelos brancos, apertado numa camiseta polo, com um tronco massudo, não de
músculos, mas de graxas, suando, perfeitamente integrado aos outros veteranos
personagens da cena. Não me assusto nem me choco, só me resigno serenamente, aquele
senhor estranho do retrato sou eu.
A
festa foi marcada para às 19:30 e, em ponto, essa foi a hora que os convidados
religiosamente começaram a aparecer. Bem diferente das festas da juventude que
começavam a meia noite, agora ninguém precisa provar mais nada para ninguém,
mas precisamos todos dormir bem e cedo. As músicas vão se sucedendo noite
adentro. Desde Latino, Sidney Magal e trilhas sonoras de velhas novelas como
Estúpido Cúpido e Saramandaia, até Raul Seixas, Blitz e Rita Lee, passando por
Gloria Gaynor, Beatles e Bee Gees. Acho todas boas, parece que estou ouvindo
minha vida toda de novo. Me encaixo perfeitamente na festa e meu corpo se
embala junto com o resto do povo. Logo estou viajando no tempo, fora as
luzinhas coloridas girando no teto e os corpos experientes, tudo é igual. Vi êxtase
eufórico, gozo, júbilo e regozijo. Vi beijo na boca e olhares apaixonados. Vi
homens de braços cruzados nos cantos, eu inclusive, mulheres dançando animadas
em círculo. Vi hustle e todo mundo cantando e dançando junto. Estava todo mundo
celebrando a simples existência. De novo o grupo Sol de Si me surpreende e me
ensina a ter fé e um amor religioso pela vida.
Observando
a festa do grupo Sol de Si, aquele monte de mulher coroa rebolando ao ritmo do
Abba, começam a surgir pensamentos machistas na minha cabeça. Aquela eu comia,
aquela também, aquela não. Mulher cinquentona é tudo de bom. Todas já passaram
por diversos relacionamentos, já não tem expectativas de encontrar principes
encantados. Todas já passaram por diversas dietas e cirurgias, seus corpos já não
lutam pela ilusória beleza e nem procuram algum Adonis perfeito. Até eu e meu
tronco massudo posso estar no páreo! Todas já não tem preocupações de gravidez
indesejada. Todas já pagam suas contas com relativa facilidade sozinhas. São
atraentes, charmosas, cheirosas, gostosas, bonitas e inteligentes e tem muitas
histórias para contar. Todas já estão no “mode” tô viva, me comando e foda-se. Ou
seja, põe os homens em pânico.
Estou
ali na festa olhando as bundas que passam e deixando o fluxo de pensamentos aleatórios
me guiar, exatamente como quem examina as lombadas de livros procurando uma boa
oferta acessível. Como um jacaré que pacientemente espera imóvel a presa passar
perto o suficiente, estou pronto para o bote machista. Eu quero, estou excitado,
desejante. Mas, em pânico. Os pensamentos atrapalham minha caçada, maldita
consciência. Toca Help, dos
Beatles. I'm not so self assured. Now I find I've changed my mind and opened up
the doors. Se fizer isso para saciar meus apetites de homem,
vou possivelmente me queimar no grupo todo. Já estou quase cinquentão e a mulher
vai estar com uns 50 anos de bagagem emocional também. A negociação vai ser
densa e tensa. Posso sair machucado ou pior, machucar alguém. Agora me considero um feminista. Estrategicamente,
recuo a tropa, saio de fininho da festa e resolvo escrever para elas, me
declarar. Não posso dizer na cara: olha, vamos trocar carícias íntimas e
melecas corporais de forma lúdica e sem fins reprodutivos? Tenho que começar de
mansinho, falar do gato que subiu no telhado. Acho que já sei como começar a
conversa: Tu és agnóstica? Li um livro, muito interessante, do Alain de
Botton...
terça-feira, 7 de março de 2017
Mexendo
na Regra
Promovendo
a Inclusão nos eventos esportivos da cidade de Osório
Tiago
de Moraes Alfonsin
Professor
de Educação Física
E.M.E.F
José Paulo da Silva
Osório,
7 de março de 2017
“Não existe imparcialidade, todos são
orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é
inclusiva ou excludente?” Paulo Freire.
Introdução
Uma
regra não escrita, mas muito rígida mesmo assim, permeia os eventos esportivos ao
redor do mundo e não é diferente naqueles promovidos pela Prefeitura de Osório
para os alunos das escolas municipais: A exclusão. Completamente na contramão
das tendências mundiais dos direitos humanos e imoral na essência, a regra da
exclusão é inconscientemente perpetuada pelos organizadores e professores
envolvidos. Este projeto tem por objetivo rever essa regra e transformá-la no
seu inverso: A inclusão. Todos os alunos devem estar presentes nos eventos
esportivos e participando plenamente, não somente marginais espectadores das
atividades.
“É
nas certezas doutrinárias, dogmáticas e intolerantes que se encontram as piores
ilusões.” Edgar Morin.
Justificativa
Nos
dois anos que participo como professor da rede municipal de ensino, observei
que por mais disposto que eu esteja em incluir todos os alunos nos eventos
esportivos, não me é possível. Somente uma pequena seleção de cada escola para cada modalidade é convidada. Cerca de
20% dos alunos é incluído e, assim mesmo, por um pequeno momento. As provas vão
ocorrendo nas diferentes modalidades ao longo dos dias do evento e as crianças
devem sentar e esperar atentas pelo momento de sua competição. Ficam passivas
assistindo às provas, durante horas e, somente durante os breves instantes que
competem, são convidadas a participar. Curiosamente, eventos assim são comuns
no Brasil e no mundo. Todo professor de Educação Física ou qualquer outra
disciplina, tem que estar em constante questionamento de sua prática para melhor
adaptá-la a um mundo em permanente transformação. O docente tem que estar preocupado
com o que os estudantes estão aprendendo, sua criticidade e que valores está
ensinando a seus alunos. Diante da exclusão evidenciada nos jogos esportivos, que
a própria palavra “seleção” já denuncia, o educador começa a se perguntar por
que acontecem e por que se dá tanta importância a eles.
Dois
mega-eventos esportivos para adultos, separados por duas semanas, recém ocorreram
no Brasil: as Olímpiadas e as Paraolímpiadas. O sucesso de ambos foi reconhecido
mundialmente. Curioso é que os atletas de um evento não se encontraram com os
do outro em nenhum momento, apesar de os dois eventos ocorrem na mesma cidade,
no mesmo parque olímpico. Não se cruzaram nos corredores da vila olímpica, não
fizeram refeições juntos, nem apareceram numa mesma foto e muito menos competiram
juntos. É evidente o esforço dos organizadores para que o encontro não ocorra.
Apesar de utilizarem os mesmos espaços de competição, concorrerem muitas vezes nos
mesmos esportes, uma muralha no tempo os separa. Qual o motivo de existirem
dois eventos separados? A resposta é evidente, a compleição física dos atletas:
uns são deficientes e outros não. Não há nem um mínimo de constrangimento nessa
segregação.
A
segregação dos deficientes já é considerado um avanço, pois antes de 1960, nos
jogos de Roma, a regra era a simples exclusão. As parolimpíadas só foram
criadas para devolver a autoestima dos jovens soldados americanos mutilados na
Guerra do Vietnam. Somente nos jogos de Barcelona, em 1992, que o Comitê
Olímpico Internacional aceitou planejar em conjunto com o Comitê Paralímpico
Internacional que havia sido recém criado, em 1989. Observe que o avanço foi
bastante limitado. Os dois mega eventos esportivos seguem buscando incluir
somente os mais aptos no desempenho de uma prática esportiva, tanto deficientes
quanto não deficientes. O resultado é que são premiadas as aberrações
genéticas. Usando como exemplo um atleta da atualidade, Michael Phelps,
cultuado como herói por ser o maior vencedor de todos os tempos, segundo a wikipedia:
“A proporção da altura de uma pessoa para a medida do comprimento da cabeça até
o umbigo é, normalmente, 1,618 (a razão áurea). Michael Phelps apresenta-a
superior a 1,7 - tronco longo, linha de cintura baixa e pernas curtas. Ele tem
braços excepcionalmente compridos, com envergadura de 2,01 m, desproporcionais
para sua altura de 1,93m. Seus pés têm 29,8 cm aproximadamente, equivalente a
calçados número 43. Além disso, Phelps é portador de hipermobilidade — sua
flexibilidade de braços e pernas é comparável à de um bailarino clássico.” Já
nosso herói Arthur Zanetti é um adulto tampinha de 1,52m, com cintura escapular
acima da média, facilitando sua mobilidade e controle nos aparelhos ginásticos.
Os vencedores, tanto entre os atletas deficientes como entre os não
deficientes, não são pessoas comuns, são as exceções. As pessoas comuns não conseguem
desempenhos próximos às aberrações, por mais que treinem. Isso sem nem lembrar
de idosos e crianças. A esmagadora maioria é “naturalmente” excluída. São as
regras não escritas dos jogos, mas sua ideologia é tacita e culturalmente
aceita como justa, virtuosa e altruísta. De onde vem nossa cultura de premiar
as aberrações genéticas? Bom, resumidamente, bebemos de duas fontes principais:
dos mananciais grego/aristotélico e romano/cristão.
Na
Grécia antiga, lugar onde nasceram os Jogos Olímpicos, o pensamento hegemônico
era de que uma ordem cósmica, perfeita e indiscutível, fez cada um diferente do
outro para cumprir uma função. Como diversas tarefas são necessárias numa
sociedade, desde limpar banheiros até governar, os gregos tinham essa cultura
aristocrática de acreditar que já se nascia apto para a função a ser exercída.
Ao longo da vida, alguém deveria somente descobrir qual era sua função e
desenvonvê-la para melhor cumprí-la. Cada indivíduo era como uma engrenagem de
uma máquina perfeita e maravihosa, o cosmos. Portanto, a vida virtuosa deveria ser
aquela que busca se encaixar da melhor maneira possível. Assim, os escravos já
nasciam aptos para trabalhar, as mulheres para procriar, e aqueles que tivessem
a sorte de nascer filhos de cidadãos, privilegiados 10% da população, já
nasciam aptos para pensar, estudar e aprender. A situação era curiosa,
descobrir os mais aptos em cada tarefa era a preocupação grega mais importante.
As
mulheres, era óbvio, já nasciam prontas para procriar, vinham equipadas para
tal, impossível de argumentar contra tamanha evidência. O cosmos as fez homens
do avesso, com vaginas para dentro no lugar de pênis para fora, com úteros para
abrigar e seios para alimentar a prole. Não havia debate de gênero na Grecia antiga
porque não havia gêneros. Como a crença era que já se nascia com a forma certa
para a função, as mulheres eram vistas somente como homens que o cosmos fez
nascer “invertidos”, desprovidos de virtudes, amorais por natureza. Servem só de
terra onde os que nasceram “direito” depositavam gentilemente suas sementes. As
mulheres só entraram nos jogos olímpicos, marginalmente, depois de 2500 anos,
já na era moderna. Assim mesmo, havia um evento paralelo, semelhante ao que
ocorre hoje em dia com os deficientes e as paraolimpíadas. Barão de Coubertain,
o aristocrata que resgatou os jogos da Grécia antiga, saiu da presidência do
Comitê Olímpico Internacional em 1928 porque seus seguidores, nas palavras
dele: “trairam o ideal olímpico permitindo a participação de mulheres.”
Já
os escravos, na cultura aristocrática grega, já nasciam filhos de escravos,
como laranjas nascem de laranjeiras, eram naturalmente menos virtuosos. Isso
era considerado normal, bom e justo, porque o cosmos os fez peças de máquina
capazes de melhor e mais rapidamente desenvolverem suas capacidades de obediência
aos seus amos ou de manejar enxadas e foices. A moral de alguém já estava
determinada ao nascer!
Aqueles
privilegiados dez por cento de cidadãos, homens livres, que já nasciam
moralmente mais virtuosos, eram os mais complicados de descobrir a função, porque
não era óbvio, tinham que experimentar várias coisas antes de aprofundar-se em
alguma. Mas, descoberta a função da pessoa, todos os esforços da sociedade
deveriam ser na direção de favorecer o pleno desenvolvimento daquela
habilidade. Um bom flautista deveria ganhar a melhor flauta, além de tempo para
a prática e tempo para estudos, para melhor desenvolver sua função de tocador
de flauta. Era como lubrificar a máquina cósmica. Na direção contrária, um
matemático ruim, nem deveria ser ensinado a calcular, seria como sabotar a
máquina cósmica colocando peças em lugares errados, não funcionaria. Gastar
dinheiro educando mulheres e escravos, por consequência, era um desperdício que
nenhum governante deveria cogitar, pois já nasceram sem a capacidade de
aprender. No pensamento grego, berço da cultura ocidental, era evidente e
cristalino que temos que privilegiar os já privilegiados para não atrapalhar a
harmonia cósmica. Era importante descobrir quem eram os mais aptos, as
aberrações genéticas, premiá-los, pois eram merecedores visto serem moralmente
mais virtuosos.
O
cristianismo é a outra fonte cultural da qual bebemos. A regra aristocrática de
que a moral é inata começou a ser questionada a partir das idéias subversivas
de Jesus de Nazaré. Não foi a toa que foi crucificado numa tentativa de abafar
sua revolução, completamente distoante da cultura hegemônica da época, a grega.
Por sorte, seguidores de sua ideologia seguiram difundindo sua filosofia. Jesus
sugeriu que somos todos iguais, filhos de um único deus criador. A virtude não
é inata, como acreditavam os gregos, mas sim deve ser cultivada ao longo da
vida. O indivíduo deve se esforçar e, a partir das habilidades gentilmente
presenteadas pelo criador, desenvolver as qualidades desejadas. Os mais
virtuosos são aqueles que mais se esforçam para desenvolver suas habilidades.
Assim, o esforço é que deve ser premiado, qualquer um pode ser virtuoso, até
mesmo mulheres e escravos.
Os
gregos foram só mais um povo dominado pelo Império Romano e sua organizada
máquina de guerra. As legiões romanas e sua logística refinada, uma espécie de
Estados Unidos da época, atropelavam qualquer resistência e seu rastro era uma
homogenização cultural. Desde leis, costumes, gastronomia, até a arquitetura,
os romanos iam engolindo tudo e metabolizando num só corpo as diversas culturas
que subjugavam. Assim, ofereciam aos dominados uma cultura muito rica e
diversa, fazendo a opressão parecer até uma benção e os impostos serem pagos
até com satisfação. Estradas, aquedutos, saneamento básico, agricultura,
máquinas, legislação clara, os romanos traziam inovações importantes. Mas, uma das
razões principais que fizeram com que os romanos conseguissem se expandir tão
eficazmente por todo mundo conhecido, era que respeitavam as religiões dos
povos dominados, permitindo que as praticassem livremente. Era um império
laico. Porém, perto de seu colapso, numa tentativa de unificar um império que
se fragmentava e enfraquecia, o imperador Constantino resolveu adotar uma
religião oficial. Escolheu uma religião pequena e obscura, praticada por poucos
cidadãos do império. Assim, a oposição seria menor, pois nenhuma grande religião
seria privilegiada. Foi assim que a religião cristã se espalhou por todo
Império Romano contaminando todo o mundo ocidental. Por decreto e a força,
todas as outras religiões foram proibidas. Uma fusão das filosofias grega e
cristã se fez necessária aí.
Assim,
a crença de que a forma física inata, perfeita para a necessidade cósmica,
herdada da cultura grega, combinada com o esforço ao longo da vida para
aprimorar os dons presenteados por Deus, defendida pelos cristãos, fazem com
que nossa cultura, a fusão dessas duas, valorize, como moralmente elevado, um
atleta olímpico. Aquele indíviduo que nasce aberrante e treina ardentemente para
cumprir com excelência a sua função cósmica/dom presenteado por deus. Esses são
vistos como semi deuses, puros, altruístas, dignos. São premiados, exaltados,
gratificados, publicizados. Desses perdoa-se erros, minimiza-se defeitos,
dignifica-se qualidades, amplifica-se virtudes. A cultura de procurar esses
indivíduos para pô-los num podium, elevado do solo e com degraus hierárquicos
para que todos percebam quem está num nível superior se disseminou no mundo
todo. Assim, a sociedade tolera perder muito tempo e dinheiro para descobrir
que são os eleitos cósmicos e distinguí-los do resto da humanidade com
medalhas.
Por
incrível que possa parecer, precisamos dar um passo além dos filósofos gregos e
cristãos. A Educação Física também precisa se encaixar no contexto atual da
humanidade. A obesidade, segundo a FAO, é o maior problema de saúde da
população mundial. O crescimento populacional atingiu níveis alarmantes que
demonstram que o modelo de desenvolvimento está em colapso. No lugar de uma
sociedade ganha-perde, baseada na competição, precisamos lutar por uma sociedade
ganha-ganha baseada na cooperação. Os recursos naturais estão ficando escassos.
O Ser Humano faz parte do meio ambiente e não é melhor ou pior que qualquer
espécie. Além disso, já é tácito o conhecimento que a atividade física deve ser
natural e diária para a promoção da saúde e não reservada somente para os momentos
de competição. A menor célula de vida humana é o grupo e, para a sobrevivência
da espécie, o grupo deve ser compreendido como toda a humanidade no planeta
numa ideologia complexa, como nos ensina Edgar Morin e não só um time ou um
país. Estudando o Código de Ética da Educação Física de 2003, percebemos que o
profissional da área tem que estar em constante problematização de sua atuação
profissional, deve buscar formação continuada e aperfeiçoamento moral, deve
manter um grande respeito a vida, a dignidade, a integridade e os direitos dos
indivíduos, não pode ter preconceitos de
qualquer natureza ou promover qualquer discriminação entre seus alunos, precisa
buscar a sustentabilidade do seu meio ambiente e tentar prestar um melhor
serviço a um número cada vez maior de pessoas. Com essas coisas todas em mente
é que formulei esse projeto.
Muitas
pessoas justificam a presença de competições nas escolas porque as crianças
enfrentarão competições excludentes ao longo da vida, então seria uma forma de
elas já irem se habituando à lei da selva da existência. Mas, um argumento
contrário a isso e que considero mais pertinente é que elas também terão que
trabalhar futuramente, nem por isso as convidamos à labuta na infância, ao
contrário. Muitas leis agora existem para proteger as crianças do mourejar. Mas
isso foi uma evolução, um aperfeiçoamento moral da sociedade, nem sempre foi
assim. Já houve um tempo em que as crianças trabalhavam longas horas diárias. As
crianças também enfrentarão várias doenças, mas evitamos, o tanto quanto
possível, de expô-las ao risco de contrair qualquer uma. Tomamos as precauções
necessárias para evitar os males, cuidamos da higiene, vacinamos, ministramos
os medicamentos necessários, impedimos o bullying, reprimimos os abusos sexuais.
A exclusão promovida pelo esporte também não deveria ser castrada? Acreditamos que
sim.
Não
estaremos impedindo que os excepcionais sigam podendo desenvolver seu potencial
atlético, mas os alunos comuns também terão a chance de conhecer a Vila Olímpica,
experimentar a pista de atletismo, assistir as competições, fazer atividade
física divertida fora da escola, em local seguro e com seus colegas.
“As vezes falamos como se não houvesse
alternativa para um mundo de luta e competição, e como se devêssemos preparar
nossas crianças e jovens para esta realidade. Tal atitude se baseia num erro e
gera um engano.
O
que fazer? Não castiguemos nossas crianças por serem, ao corrigir suas ações.
Não desvalorizemos nossas crianças em função daquilo que não sabem; valorizemos
seu saber. Guiemos nossas crianças na direção de um fazer (saber) que tenha
relação com seu mundo cotidiano. Convidemos nossas crianças a olhar o que fazem
e, sobretudo, não as levemos a competir.” Humberto Maturana
A
proposta
Convidar
todas as crianças, de todas as
escolas do município, para três semanas de diversão e movimento ao longo do ano.
Uma concomitante ao Jogos Escolares do Rio Grande do Sul em abril, outra em
agosto na volta as aulas depois do recesso de inverno e a terceira em outubro,
concomitante com os Jogos da Primavera. Todos os alunos poderão brincar na
pista, nas quadras, nos ginásios, nas salas de oficinas, nos gramados e no
bosque do Centro Esportivo Davi José Fleck (Vila Olímpica). Várias atividades
serão oferecidas. Quem quiser competir, compete. Quem quiser, brincar, brinca.
Os professores e funcionários das escolas também serão convocados a estar lá,
com elas, interagindo, trocando experiências, brincando também.
O
transporte dos alunos será feito com os mesmos ônibus escolares e nos mesmos
horários de sempre, mas se dirijirão à Vila Olímpica. A refeições serão feitas
no refeitório do complexo, assim como distribuídos pelas outras dependências e
até mesmo, em caso de tempo bom, sob as árvores do bosque, como um convescote,
cabendo a cada escola planejar a alimentação.
Paralelo
as competições desses eventos, poderiamos ter teatro, brincadeiras, música, artes
plásticas, palestras da polícia, bombeiros e Brigada Militar, palestra do posto
de saúde, exames com médicos e dentistas e atividades do Programa Jogando Limpo
com Osório, cabendo a cada escola planejar alguma apresentação. Como é um
evento que promove a atividade física poderiam ser feitas “estações”,
espalhadas pelo terreno onde podem ser oferecidos: Skate, arvorismo, slackline,
modelagem em argila, ping-pong, ginástica olímpica, dança, judô, bicicleta,
desenho e pintura, pular corda, bambolê, instrumentos musicais, jogos diversos
(caça ao rabo, gato e rato, queimada, corrida do saco, corrida da colher,
estafetas, gol humano...), capoeira, pintura de rosto, cama elástica, piscina
de bolinhas e até mesmo promover um revezamento de escolas que dormem lá: “noite
do pijama” com um acampamento nos ginásios.
Palavras
Finais
Nosso
projeto foi no sentido de promover a inclusão entre todos os alunos da nossa comunidade,
acreditamos que é um valor moral que não pode ser negligenciado nos eventos
esportivos da cidade de Osório, compreendendo suas individualidades e
permitindo o pleno desenvolvimento de suas habilidades. Promoverá uma socialização
altruísta e engajada na luta por uma sociedade mais justa, fraterna e
ecologicamente mais sustentável. Além disso, projetará a Educação Física no
imaginário popular para um momento de alegria e confraternização ao invés de
competição e exclusão. Assim agindo, estaremos construindo a sociedade mais
virtuosa e sustentável que desejamos. Nos esforçamos mais na redação da
justificativa para melhor convencer os professores de diferentes opiniões e
ideologias da necessidade do projeto, mas deixamos mais aberto a parte
logistica e pragmática da proposta para poder receber contribuições da
diversidade de pensamentos dos educadores da cidade. Muito obrigado pela
consideração e até nosso primeiro encontro do Mexendo na Regra.
Bibliografia:
Barros Filho,
Clóvis de. A Filosofia Explica as Grandes Questões da Humanidade. Casa do
Saber, São Paulo, 2014.
Freire,
Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa. Paz e
Terra, São Paulo, 1996.
Freire,
Paulo. Nogueira, Adriano. Que Fazer –
Teoria e Prática em educação popular. Vozes, Petrópolis, 1991.
Maturana,
Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Editora UFMG, Belo
Horizonte, 2002.
Morin,
Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez Editora, Brasilia,
2002.
Morin,
Edgar. A Cabeça Bem Feita – Repensar a reforma, reformar o pensamento. Bertran
Brasil, Rio de Janeiro, 2001.
Sites
da WWW:
http://www.fao.org
http://wikipedia.com
http://www.confef.org.br
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm
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