sexta-feira, 25 de outubro de 2019


Osório e sua cultura exemplar
Por conta de algum daqueles acasos da vida que nos levam a lugares que nunca imaginamos sequer parar, fui trabalhar em Osório. Não tinha nenhuma ligação com a cidade, ela só me pagava o salário. Nem família, nem amigos, nada. Quando comecei a circular por suas ruas não conhecia ninguém, não sabia nada sobre o lugar. Aos poucos, por força da profissão, fui me aproximando das pessoas, da história da cidade e de seu meio ambiente. Atualmente, estou tão envolvido ao município que passei a admirar muito tudo que envolve a cidade. Como fui ciclista e um militante em favor da bicicleta como modal de transporte urbano, logo me chamou atenção a quantidade de ciclovias espalhadas pela cidade. Mesmo onde não há ciclovia, as vias são bem cicláveis e agradáveis de pedalar.  Outra coisa que é extremamente positivo na cultura local é o respeito aos pedestres, as faixas de pedestres são respeitadas! Os carros realmente param quando percebem alguém com intenção de atravessar a rua. Cadeirantes e cegos também tem vez, as esquinas tem rampas de acessibilidade e as calçadas tem piso tátil. Há um esforço do poder público também para estimular as artes. Ontem pela manhã, as crianças da escola assistiram uma peça de teatro na câmara dos vereadores e hoje à noite vai ser eu que vou usufruir desse prazer, conforto público e gratuito.  Fantástico, uma pequena cidade do interior gaúcho que aparenta ser norte da Europa. Muito desenvolvida. O meio ambiente também é valorizado, talvez porque a cidade está encravada entre um cordão lagunar de águas doces, algumas ainda potáveis, o começo da mata atlântica, com encostas de serra cobertas de florestas e o mar. O cidadão de Osório tem acesso ao ambiente natural com facilidade. Todos os cidadãos estão em paz na cidade, “de boa”, expressão que aprendi lá.
Trabalhando nas escolas do município, aprendi o hino de Osório. As crianças são ensinadas desde cedo a cantá-lo e o fazem com entusiasmo, principalmente o refrão. Como já aprendi a letra depois de velho, demorei a entender sua filosofia, completamente diferente de qualquer outro que aprendi na infância. Se prestares atenção nas letras dos hinos de outros lugares ou instituições, verás que são agressivas ameaças. Os hinos geralmente falam assim: ó, a gente é legal, moramos num lugar bonitinho, tem umas plantinhas aqui e um por do sol bacana, daí vem a parte que interessa, mas quem ousar invadir nosso território, um tiquinho que seja, vai tomar um pau!!! “Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta, nem teme, quem te adora, a própria morte”, diz, sutilmente, o hino nacional brasileiro. “Mostremos valor, constância, nesta ímpia e injusta guerra; sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra”, fala o rio-grandense, já nada delicado. O hino francês é ainda mais explícito: “Às armas, cidadãos! Formai vossos batalhões! Marchemos, marchemos! Que um sangue impuro banhe nossos campos!” São lindas composições, emocionantes, mas refletem a ideologia dominante no tempo em que foram escritas. Sempre é através da guerra que se chega à paz. A glória da vitória parece ser o valor mais importante, sempre aparecem essas palavras, olhe nos hinos de times de futebol brasileiros. Se eu for escrever o hino da minha casa num dia ruim de brigas com os vizinhos que põe som alto, vai sair coisa bem parecida. Quem escreve os hinos é alguém pequeno, triste, angustiado, com medo de ser ou mesmo já tendo sido roubado ou violentado, se fala muito em justiça nos hinos. Por isso chama a atenção o hino de Osório, que também fala de guerra, nem podia ser diferente porque até o nome da cidade vem do patrono da cavalaria, mas é diferente em essência: “onde a paz combate a guerra”. Através da paz e do amor que se percebe a possibilidade de evitar a guerra. Além disso, admite transitoriedade, fala mais ou menos assim: ó pessoal, nem sempre foi assim, agora tá assim, mas pode mudar, sei lá... “Mesmo que mudem divisas, será conservada a memória, ainda que mais se divida, Osório é marco da história!” É incrível a diferença, quem escreveu estava tranquilo, “de boa”, feliz, seguro de si. Eu me pergunto: será que o hino é assim porque o povo de Osório anda de bicicletas e vai ao teatro desde pequeno ou é o contrário, o povo respeita faixa de pedestre por que pensa e escreve assim? Não sei, sei que a combinação é boa.
Mas claro, essa cultura de paz da cidade, sempre pode melhorar. Tem tão poucas árvores nas calçadas de Osório, poderíamos plantar mais. Poderíamos tomar o exemplo do hino e em vez de ensinar o ódio, a vingança e a guerra, podíamos ensinar o amor, a empatia, o envolvimento com a natureza e a solidariedade. Que tal ensinar sobre alguns filósofos famosos na sua luta pela moralidade das sociedades. Que tal São Francisco e sua oração “onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver discórdia que eu leve a união”? Que tal Jesus e seu “amai-vos uns aos outros”? Em vez de ensinar competições nas escolas, poderíamos ensinar a cooperação. Em vez de promover eventos esportivos, podíamos promover eventos cooperativos. Que tal Kant e seu “não faça para o outro o que não gostarias que fizessem para ti”? Alguém são, “de boa”, não gostaria de impor derrota a ninguém. Tenho certeza que em Osório o povo está preparado para entender esses ensinamentos. Vamos fazer brotar a cultura da paz e do cuidado uns com os outros e com a natureza. Vamos tornar a cidade um exemplo internacional de paz social. Eu, como professor de Educação Física e religião, ateu, estou tentando. Senhor, fazei-me instrumento da vossa paz.

"Hino de Osório"

(Lei Municipal nº 3.120, de 14.12.99) 
Letra: Osvaldo Vieira de Aguiar 
Música: Loreno José dos Santos 

Braços abertos aos pontos cardeais 
E tendo o Sul à esquerda do peito 
Na encosta da serra, margeando o mar 
Está aqui o lugar que é perfeito. 

Ao sopro suave da brisa nordeste 
CONCEIÇÃO DO ARROIO, o princípio 
Da Vila, na ESTÂNCIA DA SERRA 
Que a OSÓRIO passou a município. 

Mesmo que mudem divisas 
Será conservada a memória 
Ainda que mais se divida 
OSÓRIO é marco da história 

Alto dos morros com visão natural 
Pairando qual pássaros no vôo a vela 
Espelham lagoas e seu manancial 
Geografia divina, repleta e bela. 

Esta cidade é mesmo um encanto 
Que integra a nação brasileira 
Cintilam verde, vermelho e branco 
No tremular de nossa bandeira 

Refrão... 

Onde a paz combate a guerra 
Se conserva em harmonia 
Lembrando ilustre filho da terra, 
Osório, o patrono da cavalaria. 

Refrão... ( 2 x)

Um comentário:

  1. És um exímio observador e escreves com propriedade e maestria. Parabéns!

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