sábado, 2 de novembro de 2019



O pé de jujo
Verônica tirou minha dúvida: jujo é planta medicinal. Olhou na internet. Tudo que está na internet é verdade! Todo mundo sabe. Olhei também, para conferir. Sério? Nunca tinha ouvido falar. Por mais tirocínio que se tenha, sempre haverá termos desconhecidos. A ansiedade do jovem aprendiz, de querer aprender logo tudo, se transforma ao longo da vida na serena humildade do traquejado mestre. Mas o conhecimento precisa ser cultivado, como uma planta. Não basta plantar, tem que regar, adubar, tirar inços, expor ao sol. Aos poucos ela vai crescendo. Ao final de sua vida pode estar enorme ou minúsculo, depende das escolhas que fazes. Regou? Pessoas que se encantam com o aprendizado se reúnem nalguns lugares para juntos partilharem o que sabem. A erudição, como o amor, é uma daquelas coisas que quanto mais se dá, mais se tem. Estive ontem novamente na Sala Jazz Geraldo Flach, lugar de público erudito. Ao meu lado, assistindo ao show, professores universitários, médicos psiquiatras, jornalistas, artistas, pessoas que vivem no coração intelectual da sociedade, nenhum ribeirinho. No livro A invenção do ar, Steven Johnson relata como se dá os avanços do pensamento. A atmosfera necessária para mudanças paradigmáticas sempre contém ingredientes parecidos. As grandes cabeças de uma época se reúnem no mesmo lugar, comem, bebem e fumam juntos, experimentam estados alterados da consciência, escutam música, tocam, riem e cantam. Parece bobo, mas mais ou menos assim que o pé de conhecimento cresce: um gênio debocha do outro que está meio bêbado cantando melodias com letras engraçadas. Enfadonhas salas de aula nos ensinam o que já existe, mas para mudar o que se pensa tem que ser noutro tipo de ambiente. Paulo Freire dizia que o aprendizado só se dá numa relação afetiva positiva. O que testemunhei ontem foi isso. Zelito, artista de Santo Antônio da Patrulha, tocou seu violão e nos fez rir. Angela e Roni cultivam ali naquela sala, com muito zelo, amor e cuidado, a plantinha da erudição. Reuniram os amigos, como sempre fazem, para comer, beber e se divertir. Escutamos cantigas de ninar e Mamonas Assassinas, milongas e rock. Um caldeirão de conhecimento musical onde mergulhamos para nos embebedar. O afinado dueto entre Zelito e Marcelo Delacroix, foi emocionante. O ponto alto do show foi “O pé de jujo”, uma engraçada canção que trata da legalização da maconha como planta medicinal e diferenças legislativas entre países. O pé de jujo, a Sala Jazz e um professor universitário ébrio são coisas que a sociedade vê como clandestinas, porém, nada mais importante para a revolução acontecer do que a existência delas. Os conservadores sempre perdem a batalha contra a inteligência. A evolução social sempre acontece. As mulheres votam, a escravidão é proibida, a homossexualidade não é doença, os indígenas não são selvagens. Mas tudo demora, os intelectuais são minoria, ilhas de saber, a idiotice é oceânica e opressora. A Sala Jazz é um lugar pequeno, a estupidez enche estádios. É com ajuda da arte, o humor, a música e os pés de jujo que a inteligência vai se sobrepondo a ignorância. Mas temos que cultivar, na Geraldo Flach a ignorância não passa da porta porque é inço, tem que ser arrancado de lá. Me sinto muito honrado quando me deixam entrar. Imagina o que será que está sendo criado ali?! John Lennon frequentaria o lugar, imagine there’s no countries, não deveria ser preciso atravessar fronteiras para cultivar um pé de jujo.

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