domingo, 8 de dezembro de 2019



Festa em família
Assisti Feliz Aniversário, com Caterine Deneuve, uma tradução ruim do título em francês Fête de familie, festa de família. Esse ano a indústria cinematográfica mundial resolveu cair na real, muitos filmes da vida como ela é. O Coringa, americano. Bacurau e a Vida Invisível do Brasil. Coréia nos presenteou Parasita. Todos filmes que explicitam mazelas sociais, exclusão, subversão a ordem e questionamentos ao status quo. No centro de tudo sempre está a doença mental que os protagonistas sofrem causada por, os roteiros nos levam a concluir, uma sociedade doente.
O cartaz do filme na porta do cinema iludia, assim como as famílias fazem, as fotos são lindas e o que se fala é bem diferente do que se vive. Quando se estuda a família, assim como as conhecemos hoje, se percebe que é uma construção histórica. Nem sempre existiu. Família passou a ser debatida junto com as primeiras cercas. Tradição, família e propriedade é uma novidade antropológica. É inegável que a agricultura e a necessidade da vida sedentária, a indústria e agora a informática, trouxeram grandes avanços para a humanidade. Porém, a mudança da espécie de caçadora coletora para sedentária, trouxe também muitas patologias mentais como efeito colateral. A defesa da família como sagrada ocorre nas sociedades que tem também a propriedade privada como dogma. Não é a toa que na televisão, desde às quatro da tarde, no vale a pena ver de novo, até dez da noite, quando acaba a última novela, as emissoras de maior prestígio ficam enaltecendo a família como valor moral inquestionável. Ainda que as histórias sempre sejam dramáticas, com mazelas terríveis durante a trama, no fim tudo se ajeita quando os membros maus das famílias são finalmente vencidos e os bons ficam unidos num paraíso terreno. Não por acaso também, é que o final mais clichê de novela é um casamento. Como um exemplo de patologia mental temos o nosso presidente atual, aquele psicopata nazista, defende a família “tradicional” apesar de já estar na terceira esposa e ter filhos extraconjugais, sem falar na corrupção e banditismo. A hipocrisia é o que as famílias tem de mais tradicional.
O filme é uma caricatura de família. Os papéis necessários a “boa” vida familiar estão todos lá: o bobo da corte, o certinho, o bode expiatório, os agregados que reproduzem as mazelas, a matricarca, o omisso e, é claro, a propriedade. O roteirista quis dar uma aula de psicologia das relações familiares. A vida como ela é. Brigas, acidentes de carro, drogas, crises nervosas, discussões. Lembra muito os contos do dramaturgo Nelson Rodrigues. Não tem final feliz. Família é um esforço coletivo para se encenar uma peça que seja palatável para a sociedade. Vou contar o final, pare de ler aqui se pretende assistir ao filme. Na última cena, a família acende as velinhas e canta parabéns para matriarca como se nada tivesse acontecido apesar do pesadelo vivido. O espetáculo tem que continuar, mesmo que a plateia seja só a própria família.
Quando se percebe quem defende a família, os interesses envolvidos, temos que, pelo menos, nos questionar sobre sua pertinência. Assim como muitos fazem sobre a propriedade e tantos outros valores sociais dogmáticos da atualidade. O que todos os filmes dessa última leva tentam fazer é exatamente isso. Mostrar que família é uma festa somente no final das novelas. A realidade é bem diferente dos que os hipócritas tentam nos fazer acreditar.

Um comentário:

  1. Todos estes filmes nos trazem ensinamentos valorosos. Tua reflexão externa tua sensibilidade no tocante as temáticas abordadas.
    É um prazer ler teus textos.

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