domingo, 22 de março de 2015

Lembrei de umas histórias engraçadas agora. Namoradas médicas! Coincidentemente já tive várias, sei la porque, áreas afim, talvez. A primeira que arrumei foi na faculdade. Ela era muito bacana com meus pais. Sentava para comer sopa à noite com eles, assistia jornal nacional sentada no sofá com eles, conversava sobre qualquer assunto com eles, trazia mimos para eles. Ou seja, a nora perfeita que eles amavam. Questões materiais para os médicos, todo mundo sabe, não são problema e ainda tinha toda aquela aura de pajé mágico em torno da profissão. De forma que, para meus pais, eu estava saindo de uma vida ribeirinha e entrando direto para o olímpo sem escalas com aquele relacionamento. Lá em casa tinha uma regra que ninguém podia transar com seus namorados, mas, para nós, a regra era totalmente ignorada e vista grossa se fazia para nos dar total liberdade. Afinal, a coisa era dada como certa e a nora maravilhosa já era de casa. Um almoço o pai perguntou o nome todo dela e eu falei. Era um baita nome, família quatrocentona de Porto Alegre, tinha uns dois nomes e uns quatro sobrenomes. O pai ouviu em silêncio e continuou a comer. Dali a pouco ele levantou a mão direita espalmada a sua esquerda, apontando para um horizonte imaginário e, como se estendesse uma faixa diante de si, moveu a mão para a direita no ar repetindo em voz alta todo o nome para si mesmo. Mascou mais um pouco do arroz com feijão, olhou para minha mãe e disse: "Ouviu, Belinha?" Repetiu o gesto da faixa e falou o nome todo de novo para ela. Seguiu comendo em silêncio, feliz com a certeza que aquele filho estava encaminhado! Para desapontamento dos três, pai mãe e namorada, eu não tinha planos de casamento e o namoro durou mais uns dois meses só. Quando levei lá em casa uma outra namorada médica, ela era minha colega num pós graduação em medicina do esporte. Queria mostrar para ela que, apesar de professor, eu tinha algum estofo. No imaginário popular, professor já é uma profissão ridícula. Na hierarquia social só ganha de coveiros, lixeiros ou limpadores de fossa, lugar de gente burra e pobre, resultado dos salários minúsculos recebidos pela categoria. Na hierarquia interna do ofício, os mais ridículos de todos são os de Educação Física, os que servem para tapar os buracos, organizar festa junina e coisas assim. Eu tinha que provar para aquele partidão que talvez eu seria uma exceção. Na sala da frente já comecei a me exibir mostrando os livros de meu avô, Carlos Dante. A namorada, atenta! Abri alguns só para mostrar a encadernação trabalhada em couro, feita por minha mãe, Bebel, para melhor conservar os livros antigos. E guria ali, me escutando. Eu empolgado, parecia um pavão exibindo sua cauda, percebi que ali tinha um grande capital cultural. Lá pelas tantas, a médica falou: "Meu avô também era escritor." Eu, enebriado com meu próprio orgulho, parcialmente desmascarado na minha singularidade especial de neto de escritor, mas, ainda cheio de arrogância, retruquei no ato: Ah, mas ele não era nenhum Érico Veríssimo! E ela, calmamente, falou: "Sim, era ele mesmo." Nossa, minha cara rachou e caiu em milhões de pedacinhos, maior mico que vivi na vida! Em quatro palavras a mulher me atirou no chão duro da realidade. Te liga peão! Hoje, resignado de minha condição social, relembro esses momentos com alegria. Eu já vivi o auge, estive tão perto da realeza, mas agora são só memórias engraçadas.

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