segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Textinho descontextualizado: 
 
Logo que vim morar aqui em Floripa, em 2002, fui morar na casa do Tio Luiz. Lá era até bom, casa e comida de graça, mas a privacidade era zero. Obviamente, em um mês ele me expulsou de lá. Aluguei uma quitinete, então, lá na Lagoa. Era minúscula, só eu morava lá, mas dava para ouvir perfeitamente tudo que o vizinho falava e, claro, a recíproca era verdadeira, privacidade um. Depois de um ano consegui uma vaga numa república de estudantes do mestrado que eu cursava na época, era uma apartamento enorme com três quartos grandes. Além de ficar mais barato a privacidade aumentou, não se ouvia as coisas faladas nos quartos vizinhos, salvo, claro, gozadas mais explosivas. No começo, além de mim, morava na república um arquiteto, que tinha uma namorada com uma casa bem grande a algumas quadras dali, e uma matemática lésbica, que não sabia que era lésbica, então era assexuada e virgem. O arquiteto nunca transava lá e a assexuada virgem não fazia barulho. Eu era o único, portanto, que desejava uma privacidade maior, não dava para eu gritar de tesão e logo depois sair pelado pelo corredor até a cozinha pegar uma coca gelada na geladeira. Ali era privacidade dois.
Naquela casa, a rotatividade dos moradores era grande. Logo a assexuada saiu e entrou outra lésbica, esta assumida e praticante da sua sexualidade. Era uma chata que não trabalhava, não estudava, só tocava violão o dia inteiro se dizendo musicista profissional. Parecia a Raquel. Logo em seguida, um amigo do arquiteto veio passar uma semana, dormia na sala. Era comum, todos nós recebíamos visitas temporárias. Mas passou a semana e ele foi ficando, se apaixonou pela lésbica chata e sua “arte” profissional. Era uma situação esquisita porque, para nós, ele era gay. Mas os dois se deram bem, ele também era vagabundo e magérrimo, como ela (mulheres, bichas e lésbicas são os que gostam de corpos magros). Seu nome era Alexandre, nós o chamávamos de Alex. Ele era engraçadíssimo, alegre, teatral, imitava vozes e gestos, tinha vários personagens próprios, mas era ótimo mesmo em fazer paródias das diversas pessoas que freqüentavam a casa. O Alex inventou que seria o produtor da artista lá de casa. Ela achou o máximo ter tal empresário e logo deixou que o Alex também dormisse no seu quarto. O arquiteto e eu ficávamos imaginando o que acontecia, porque não ouvíamos nada. Chegamos a conclusão que era ela que comia ele! Mas, se chegaram a ter algum orgasmo, não foi nada explosivo. Depois de três meses, o Alex tinha conseguido agendar e “produzir” dois “shows” para a guria. Era um banquinho e um microfone duma caixa amplificada num quiosque de cachorro quente na esquina. Assim mesmo, fomos todos prestigiar o evento! O Alex irritado e nervoso, como todo bom produtor, porque nem tudo estava saindo conforme o planejado. As pessoas insistiam em passar pela esquina, na frente da grande musicista lésbica, conversando normalmente, às vezes sem nem perceber que estavam no meio de um recital de uma instrumentista virtuose. Metade do gordo cachê foi gasto com o caríssimo carreto para levar a caixa amplificada duas noites seguidas até o quiosque. Os negócios não iam exatamente bem, digamos. Passou mais uns dias e a lésbica chata arranjou uma namorada. O Alex teve que voltar a dormir na sala. A situação toda deixou o cara bastante abalado, com o orgulho ferido e a auto-estima baixa. Emagreceu ainda mais, sem dinheiro só comia quando alguém oferecia alguma coisa. Qualquer golinho de vinho, naquele corpinho magro, já ficava bêbado. Bêbado o Alex era chatíssimo, como todo bêbado. Naquela época, eu dava aula a noite e chegava em casa tarde. Um dia, resolvi cozinhar ao chegar, estava com fome. Ia fazer um rápido miojo, mas como o Alex estava por ali, abatido, resolvi fazer uma massa mais substancial. Fiz bem rápido, coloquei um salame que estava por ali, tomate e pimentão, requeijão e até queijo ralado. Servi dois pratos e ofereci ao Alex. Sentamos na frente da TV para comer. O Alex deu duas garfadas e disse que não estava bom. Percebi de cara que ele tinha bebido, normalmente ele achava ótimo qualquer cacetinho seco, ria e fazia alguma paródia engraçada com a situação de pão seco. Ficou olhando o prato no colo e disse: “tu não sabe fazer, tu deveria ter...” daí deu uma baita explicação de como eu deveria ter cozinhado a massa, escorrido, colocado os vegetais, etc. Eu me desculpei, continuei comendo o que para mim estava bom e acrescentei que numa próxima vez eu faria o que ele estava me dizendo. Ele pegou no garfo de novo e deu uma desanimada remexida na massa. Largou o garfo, suspirou e repetiu toda a baita explicação. Eu disse: tá, Alex, eu entendi, desculpe, na próxima eu acerto. Ele de novo pegou o garfo, deu mais uma garfada, mastigou desanimado e afastou o prato repetindo, de novo, toda a ladainha. E assim foi, umas quinze vezes, ele dava um discurso enorme de como eu não sabia fazer massa, sempre igual. Entre cada discursada dele eu tentava argumentar alguma coisa, sempre de uma forma diferente, primeiro tentei me desculpar, depois gozei ele, depois xinguei o cara, cheguei até a empurrar para dar uma sacudida, nada adiantou. Mal eu terminava minha manifestação ele começava o mesmo discurso: “tu não sabe fazer, tu deveria ter...” Terminei de comer, passei a ignorá-lo, mas mesmo assim ele começava o discurso de novo, pegando o prato, remexendo na massa fria, largando o prato com nojo. Sai da sala e me meti no quarto, no outro dia ele estava sóbrio e nem lembrava do acontecido, duas semanas depois foi finalmente embora.

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