segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Dizem, tanto as más quanto as boas línguas, que a mãe do Freud era bonita, jovem, rica, inteligente, com bastante estudo e gostosa. Era uma dondoca da alta sociedade vienense que vivia em festas. Como ela deu antes de casar, a família, conservadora, apavorada com a gravidez da tchanga, a atirou, com 17 anos, mais um saco de dinheiro, para um viúvo do interior, um véio guasca e pobre, duas vezes viúvo, que já tinha muitos outros filhos, chamado Jacob Freud. (Parênteses nada há ver com nada: sabias que Jacob em alemão é Tiago?) O Jacob era véio mas taradão, ele adorou o casamento arranjado, dizem que ele já estava tendo filho com as filhas. Parece que nem seis meses depois de casada ela pariu o Freud que a gente conhece. O Freudinho foi registrado pelo pai três meses depois, para não pegar mal, com o nome de Schlomo Sigismund Freud. Quando cresceu e voltou para Viena, Freud mudou seu nome para Sigmund Freud, acho que envergonhado: Além de ser filho da puta, seu pai era um aproveitador incestuoso e seu tio era um notório falsário! Ah, estas famílias... Toda obra do Freud é influenciada pela sua louca família, os biógrafos são unânimes em afirmar que ele é o maior exemplo, até caricato, de todas suas teorias.
Li um livro, uma vez, indicado e emprestado para mim pela professora de Psicologia das Relações Familiares da minha segunda especialização, que era uma releitura dos escritos de Freud, mas com o olhar feminino. Na sociedade Vienense as mulheres eram mobília ou, no máximo, motivo de desonra. Então, para o filho da puta do Freud, a sexualidade feminina se resumia ao "penis neid": a inveja do pênis. O livro tenta, então, fazer o que ele não fez: examinar a sexualidade feminina. O que mais ficou para mim de tudo que li lá, é a insatisfação feminina com a aparência. Segundo a autora, uma psiquiatra francesa, as crianças ao nascer e ao longo da infância são, geralmente, cuidadas por mulheres. Assim, os meninos têm sua pulsão sexual plenamente satisfeita: uma fêmea massageia toda sua genitália de macho mais de uma vez por dia para limpá-la. Já as meninas, ficam sempre sentindo falta de algo, elas não têm sua pulsão sexual satisfeita: além de ser outra fêmea quem limpa, não limpa toda a genitália, mal passa um paninho por fora. Elas vão crescendo, então, insatisfeitas e, para piorar, elas percebem que o macho presente, que poderia satisfazê-las, o pai, vai para cama com outra, a mãe. As guriezinhas concluem que há algo errado no corpo delas, porque ninguém parece disposto a satisfazê-las. Elas, então, lutam para logo se independizar para buscar a satisfação almejada por suas próprias pernas. As mulheres falam antes, caminham antes, crescem antes e chegam a puberdade e maturidade sexual antes que os homens. Mas estão para sempre desconfiadas que deveriam ser diferentes. Daí aquelas maluquices das mulheres: as peitudas tiram, as despeitadas põem, as de cabelo crespo alisam, as de cabelo liso fazem permanentes, as baixinhas colocam plataformas enormes, as altas usam solas monomoleculares, as morenas pintam de loiro, as loiras fazem mexas escuras, as coxudas fazem lipo e as saracuras põem calças largas, etc.etc.etc. e etc. Insatisfação sim, mas penis neid não! By the way, o livro se chama "Os filhos de Jocasta, a marca da mãe" e o nome da autora é Christiane Olivier.
Fui sempre um caçador de mim, como naquela música do Milton. Sempre senti uma angustia de fundo, sou o único homem dos quatro filhos dos meus pais. Talvez, uma grande responsabilidade pese sobre mim, não sei, maior que a minha capacidade. Fugi para a Europa. Hoje me dou conta, aquilo foi uma fuga. Lá, afastado da opressão, comecei a me dar conta de algumas coisas. Encontrei um pouco de mim. Mas claro, não bastou. Fiz cinco anos de terapia e encontrei outro pouco. Mas claro, não bastou. Li muito e estudei, fiz conjecturas mis, achei um pouquinho mais. Mas claro, isto tudo, não bastou. Quando vim aqui para Floripa foi um alívio, a família estava lá longe. Quando voltava para Porto Alegre, muitas coisas, claro, voltavam também. Padrões de interação e estratégias que trouxeram todo mundo vivo e rico até aqui, ou seja, a família obteve sucesso. O pobretão da família sou eu. Eu falava algumas coisas que percebia agora e era imediatamente repreendido, taxado de louco ou ignorado. Os agentes da minha família pareciam hipnotizados a agir sempre da mesma maneira conforme a situação se apresentava e era exatamente o que eles faziam independente da argumentação utilizada. Eles estão ricos, eu pobre. Neste sistema adaptativo complexo da minha família, estar adaptado ao sistema paga bem, subverter o sistema não paga nada. Ou eu me adaptava ao sistema como ele é, ou eu me candidatava a sair do sistema. Era assim que eu via a família antes de fazer a cadeira de Organizações como sistemas adaptativos complexos.
Passou o tempo e senti necessidade de ler algumas coisas de novo daquele livro da Jocasta. Como tinha lido emprestado da minha professora eu ficava só no desejo. Minha tia Lucia é doutora em psicologia. Pensei que talvez ela tivesse o tal do livro, liguei para ela e realmente, ela o tinha. Combinei de ir buscar no gabinete dela, lá na PUC de Porto Alegre. No novíssimo suntuoso prédio da psicologia, encontrei minha tia, peguei o livro e fui tirar xerox. Na mesma tarde, voltei lá com o xerox para devolver o livro e agradecer. Puxei conversa sobre o livro, apesar de ela parecer atarefada, e comentei como as mulheres parecem hipnotizadas na sua busca por uma aparência diferente, ainda que já sejam bastante atraentes para os homens. Ela disse, desinteressada, sem me olhar: -"É..." Eu prossegui, lembrei que lá em casa também, meus familiares agiam como se estivessem hipnotizados por mais que argumentos contrários àquelas estratégias fossem colocados. Ela, então, me olhou e decretou para fim de conversa: -"É inconsciente." Sai com o rabo entre as pernas. Ah, tá, agora está claro, é inconsciente. Sendo inconsciente tu moras e trabalhas em prédios suntuosos e é reconhecido e chamado de doutor. Sendo consciente tu és um pé rapado, ribeirinho ao sistema!
Dia destes fui à Livraria Catarinense, ali da Felipe Schimdt, gosto de estar atento a novos lançamentos. Não que eu vá comprar qualquer coisa, mas sempre dou uma folheada para pescar alguma coisa legal. Desta vez achei um livro do Feynman, o título é: "O senhor está brincando, Sr. Feynman?". Como eu já tinha lido um livro dele (Seis lições fáceis), e achado bem bom, acessível e engraçado, abri e li alguns trechos. Parece que o nome dele é Richard Feynman, não tenho certeza, mas ele é um famoso físico teórico. Talvez tu já saibas quem é, dizem até que ele é mais importante que o Einstein, ou tão importante quanto, isto eu também não sei. Mas para mim ele é famoso porque descreve questões teóricas difíceis da física de uma maneira compreensível para o leigo, ou seja, eu. Para mim, quem faz isto é uma pessoa inteligente. Bueno, tava eu lá na Catarinense, então, sentado num pufi, roubando umas lidinhas grátis do livro do Feynman. Lá pelas tantas, ele conta um causo de uma vez que se deixou hipnotizar numa demonstração que houve na universidade que trabalhava. Ele diz que todo tempo pensava que podia não obedecer às ordens do hipnotizador, mas que obedecia só para não estragar a brincadeira. Fecha os olhos, levanta a mão esquerda, abana para o público, etc. No fim, o hipnotizador manda o Feynman voltar ao seu lugar, mas não diretamente e sim dando a volta por todo auditório. Ele pensou: "Ah, vai tomar banho, vou para o meu lugar direto, já enchi desta brincadeira". Começou a se sentir muito mal e deu a volta em todo auditório! Então ele conclui que dizer que se pode fazer tal coisa mas só não se faz por tal outra é a mesma coisa que dizer que não se pode fazer. Li isto, fechei o livro assustado, o guardei e fugi da loja.
Estou fazendo outro curso técnico no CEFET. Sim, à noite, grátis, aqui ao lado de casa, sabe como é. É um curso que acho me ajudará nesta empreitada do mestrado. Sistemas da informação. Ensina tudo sobre computadores, sistemas operacionais, programas, redes, internet e até ensina como fazer programas! Neste curso me dei conta que inconsciente é um computador, quando tu programas de um jeito não tem a menor possibilidade de ele agir de outra forma! E tu sabias que os computadores foram desenhados para imitar o design humano? Sim, é verdade. Deve ser o tal do design inteligente dos conservadores americanos! Tu já percebeste que nos locais mais ricos do mundo existe um grande computador no meio, gerenciando tudo? Bancos, receita federal, governo e até universidades. O negócio é perpetuar o sistema, quanto menos erros, melhor. Quanto mais inconsciente, melhor. Para mim é tudo uma sujeirada.
No Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra, o MST, tem uma escola, uma cartilha, que é para ensinar novos membros do movimento o arcabouço teórico que o sustenta. Lá eles pregam que existem três tipos de consciência: a alienada, que é ignorante do problema, a consciente, que sabe do problema mas não vê motivo para se mexer, e a mobilizadora, que não só sabe do problema mas luta para resolvê-lo. Então eles reprogramam as pessoas pela cartilha do MST. As pessoas têm que passar a agir de uma maneira completamente diferente do que sempre ouviram que era certo. Os críticos chamam isto de lavagem cerebral. Eu acho que é bom, fica tudo bem limpinho. A respeito da minha família eu, por muito tempo ignorava o problema, achava que a vida era assim mesmo, ruim. Depois da viagem a Europa eu passei a perceber que existia um problema, mas achava que o problema era eu e não tinha como mudar. E, finalmente, depois dessa cadeira das Organizações como sistemas complexos, acho que me tornei um agente mobilizador, capaz de modificar o sistema aplicando uma estratégia inovadora e modificando os padrões de interação. Essa cadeira fez uma lavagem cerebral em mim, ficou tudo limpinho.
Hipnotizado, programado ou inconsciente é tudo a mesma coisa, um artifício da evolução para aumentar as chances de se perpetuar a vida. Acho que a evolução fez o cérebro hipnotizável, programável mesmo, para o bem da espécie, não do indivíduo. O indivíduo deve ser um autômato que obedece aos genes e memes do Dawkins. Os genes e os memes têm uma programação rígida que passam de geração para geração com pouquíssimos erros. O indivíduo deve passar despercebido pela existência, não contestar nada. A espécie é que deve se perpetuar. Podes ver que a grande maioria dos indivíduos humanos passa pela existência completamente despercebidos. Os que são lembrados são os contestadores, uma minoria que obviamente tem um problema na cabeça. É um freak, um marginal do MST. Como qualquer ser humano eu fui hipnotizado ao longo da vida para fazer a volta em torno de todo auditório. E faço isto sempre, sem nem perceber, ainda que ao observador externo isto pareça uma bobagem desnecessária. Quando ouso agir de maneira contrária ao modo como fui inconscientemente programado, me sinto muito mal. Como o Feynman que, mesmo sendo tão brilhante, se rendeu a um hipnotizador de auditório. Como qualquer mortal. Como o Freud, que não vê as mulheres e até muda de nome para se adaptar ao sistema. Como todas as mulheres, que mesmo sendo atraentes não estão satisfeitas com sua aparência.
Mas isto está mudando (acho). Não me rendo! Mas não é assim de um dia para o outro que eu vou parar de me boicotar. Não é um processo muito simples. A cadeira lavou tudo, eu sei, mas ainda estou secando. Estou tentando ser um freak, mas não está fácil. Tenho certeza que todo integrante do MST se pergunta a todo o momento, será? Pelo menos agora já me percebo um agente capaz de mudar a estratégia, de agir de maneira diferente, de criar padrões de interação. Eu já estou na fase mobilizadora da consciência e isto para mim já é um grande avanço.

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