sábado, 12 de dezembro de 2015

Ainda frutos da arqueologia textícular, esse de 1999:
Hoje fui andar de bici com uma gurizada nova que orbita aqui pela rua. Eram três, entre dezoito e dezenove anos. Um deles era o Dani, meu ex funcionário da oficina, ele está servindo a marinha lá em Rio Grande, saiu de folga no feriadão. Fomos até o morro São Pedro, atrás da Restinga. Lá tem a subida mais íngreme da cidade. Antes de começar a subir, paramos numa banca de frutas na beira da estrada, 50 centavos o copo de um suco de laranja puro e bem gelado, baratíssimo. Delícia refrigerante para nossos corpos ardentes. Tomamos dois cada um. A estradinha é asfaltada, tem um asfalto todo roto, feito a mão. Acho que se não tivesse o tal do asfaltinho vagabundo nenhum veículo seria capaz de subir. Sobe todo o morro em linha reta, coisa de português, decerto, mas que neste caso a estupidez no passado faz a alegria dos ciclistas de montanha no presente. O morrão tem uns 250 metros de altura. O subidão é tão íngreme que a bicicleta empina a cada pedalada e, apesar de não ser muito longo, parece não terminar mais. É de matar o velho. A gurizada, cheia de saúde e com bicicletas boas, em pleno gozo do pico de suas capacidades físicas, começou a subir feito louca. Eu, que a muito já troquei o fôlego pela experiência, fui bem lento, sentado e girando na marchinha mais leve. Via eles de longe, já indo lá em cima. Aos poucos fui me aproximando, no mesmo ritmo constante e paciente. Lá pelo meio da subida passei o primeiro, ele parecia estar com o pulmão queimando e as pernas ardendo. Era o marinheiro Dani, que treina corrida todo dia, mas junto do resto da tropa o nível é muito baixo. Depois passei o segundo, e, bem antes do fim, o terceiro, que já estava empurrando a bicicleta e ventilando duzentas vezes por minuto. Na hora pensei: O bom e velho Tiagão strikes again! O equilíbrio entre experiência e capacidade física, num esporte como o ciclismo, chega aos 30 anos. Foi uma gostosa vitórinha pessoal. Paramos de novo lá em cima, para admirar a paisagem, respirar, beber e comer umas bananas que levei. Dava para ver tudo lá de cima, da Barra do Ribeiro a ponta do gasômetro, o Rio Guaíba dourado. Filosofei um pouquinho com os guris, como sempre faço, aproveitando aquele sentimento de vida a flor da pele das bicicletiadas longas. Diante daquela cena, com aquele monte de endorfinas circulando na nossa cabeça, é fácil virar filósofo. Depois do infinito, do tempo e do espaço, do ser e do nada, falei do único motivo que leva, três jovens e um ancião como eu, a se esforçar tanto para subir uma rampa daquelas, num dia tão quente: o prazer. That’s all! If I have to explain, you wouldn’t understand. Os guris ficam meio quietos, as vezes sai algum comentário estapafúrdio, seguido de um “tá ligado” meio nervoso. Não sei se eles gostam ou me acham um psicopata e ficam sem jeito para falar. A seguir começamos a descer, 6 km de trilhas pelo meio do mato. Foi aí que o bom e velho Tiagão tomou um laço violento. Com a idade vem a experiência, mas vai toda a coragem. Os três desciam rodando com facilidade trechos onde eu, cagalhão, descia e carregava a bicicleta com medo de cair. Mesmo assim, cai, várias vezes, e fiquei todo arranhado por espinhos.

Tudo é tão barato no interior do município. Dia destes fui sozinho até a estrada São Caetano, lá no fim da Lomba do Pinheiro. Senti que o bonk estava se enrolando nas minhas pernas. Segundo o dicionário Webster de Inglês, to bonk quer dizer to hit one’s head against something. Na gíria da Inglaterra sei que é foder, trepar (ver “Quatro casamentos e um funeral”). E segundo a gíria ciclística, significa que o sujeito depletou as reservas de glicogênio muscular e está hipoglicêmico, ou seja, quase morreu de cansado. É quando o cara fica meio tonto (the head was hit) e a bici parece que está atolada em trinta centímetros de lama, com os pneus furados e os freios pegando nos aros, ou seja, não anda mais (o cara tá fudido). É preciso tocar para dentro alguma coisa bem fácil de ser digerida para levantar a glicêmia, e isto tem que ser rápido. É bem como encher o tanque de gasolina de um carro, na hora o cara volta a andar como se nada tivesse acontecido. Eu não tinha levado nada para comer e estava a uns trinta quilômetros de casa. Então parei e comprei dois cacetinhos numa padaria super ribeirinha, mas bem limpinha. Na hora de pagar, a surpresa, 10 centavos os dois.  Mais barato que somente um cacetinho aqui na esquina de casa, que custa 15. Depois segui e fui até a estrada dos Alpes. Nova parada, o bonk não morreu, tinha que comer mais para chegar em casa. Comprei duas massinhas, daquelas doces, feitas com leite, que tem uma gosma amarela em cima. Nova surpresa, a conta deu 25 centavos, menos que dois cacetinhos d’água numa zona mais urbanizada. E hoje, mais esta surpresa, o super suco a meio real. Incrível. Hidratante, isotônico e cheio de carboidratos, na temperatura ideal e quase na boca da trilha.

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