sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Bola de neve

Há 24 anos, fiquei desempregado logo depois do ano novo, aluguei o quartinho mais barato de um hotelzinho de quinta, era a cumeeira do telhado. No inverno, a coisa mais esperta a fazer em Amsterdam é hibernar, eu dormia bastante. Uma vez, acordei no meio da manhã com frio, a calefação do quartinho era uma bosta. Estava recém clareando o dia, tinha nevado a noite inteira. Abri a janelinha para ver melhor o espetáculo. Senti o frio entrando, sem licença, sem vento, sem nada. Olhei a linha dos telhados de Amsterdam, tudo branco e silencioso, o único movimento era do ar que saía de meu nariz, o único ruído era o que eu fazia na tramela da janelinha. Fiz um punhado com a neve que acumulou ali sobre as telhas e joguei longe no canal lá embaixo. Eu estava sozinho, sem dinheiro, sem nada para comer, com frio, sem passagem de volta, ilegal no país, sem perspectiva de emprego. Mas, naquele momento, vivi um êxtase eufórico e comecei a rir sozinho. Rir não, gargalhar. Foi minha primeira bola de neve. Eu tinha vinte anos e estava vivendo intensamente! Percebi como eu era um privilegiado de estar ali sentindo aquele frio, aquela fome, aquela angustia. Percebi como meu coração se enchia de esperança exatamente por isto. Percebi o manacial de alegria que aquele momento de vida generosamente me oferecia. Era um momento épico, de filme mesmo, e eu tive a felicidade de perceber isto na hora. A gargalhada ficou soluçada e logo não sabia mais se estava chorando ou rindo. Vinte anos foi para mim a idade em que o riso e o choro eram indistinguíveis e muito intensos. Como eu queria caminhar de novo em Amsterdam! Sentir de novo aquelas emoções.

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