terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Jesus

Jesus catou os apóstolos entre os trabalhadores. Ele rapidamente os conheceu bem porque conviveu muito com eles. Caminhavam, caçavam, pescavam, colhiam, cozinhavam e comiam juntos, até dormiam juntos pelas estradas. Era uma vida dura de muita pobreza, mas não muito diferente daquela que os apóstolos estavam acostumados antes de encontrar Jesus. Cada apóstolo tinha uma qualidade, mas as que quero fazer referência hoje são as qualidades de Judas e de Simão. Jesus viu logo que Judas era o mais inteligente de todos e confiou a ele todo dinheiro do grupo, Judas saberia administrar bem. Judas também era o que melhor compreendia as implicações políticas das palavras de Jesus, de modificação do mundo, era seu braço direito. Jesus confiava muito nele, sempre planejavam juntos a estratégia de disseminação da palavra, aonde iriam e o que fariam para passar suas idéias. Já Simão era o que acreditava e confiava mais nas coisas que Jesus falava, era o que tinha mais fé. A fé de Simão era inabalável, ele acreditava mais naquelas idéias que o próprio Jesus. Então Jesus disse que ele seria a pedra sobre a qual construiriam sua igreja. Jesus não quis dizer igreja no sentido de templo, de prédio de tijolos e argamassa, mas igreja no sentido de arcabouço de idéias, no sentido do conjunto de pessoas que acreditavam nas mesmas idéias, igreja no sentido das pessoas que são fiéis àquelas idéias, que professam a mesma fé. Jesus quis dizer que a igreja, aquelas idéias, deveriam ser sólidas e inabaláveis como uma pedra, como a fé de Simão, por isto ele disse que Simão se chamaria Pedro.
Muitas vezes, durante as longas viagens a pé, Jesus e os apóstolos paravam em algum lugarejo para descansar e beber água. Os lugarejos eram pobres, seus moradores subsistiam como dava com uma pequena roça ou criação. Por onde passavam o grupo atraia a atenção dos moradores. Naquela época não havia televisão, nem rádio ou internet, então os viajantes é que traziam as notícias de outros lugares e todos se aproximavam para escutar. Um grupo grande então, era um verdadeiro show. Toda vez que paravam, Jesus aproveitava e passava suas idéias para o povo. Todos ouviam porque Jesus trazia uma boa nova (boa nova é o que a palavra evangelho significa) e era igual a eles, filho de um carpinteiro, um aprendiz de carpinteiro, um trabalhador, como eles. Todos os moradores dos vilarejos se vestiam, falavam, agiam e, provavelmente, fediam como Jesus ou qualquer um dos apóstolos, eram todos pobres e naquele tempo não havia omo dupla ação nem desodorante nívea. Depois de descansar, beber e conversar, Jesus ajudava no que podia e seguia viagem. Jesus e os apóstolos eram viajantes que não estavam só indo de um lugar para o outro, não levavam mercadorias para vender aos aldeões ou somente informações, eles levavam idéias para o povo.
O povo judeu era explorado pelos romanos. Para que as legiões comessem, os judeus plantavam. Para que os centuriões vestissem, o povo judeu tecia. Para que os césares se deliciassem com mel o povo enfrentava as abelhas. Para que o império romano comesse carne, os pobres pastoreavam. O povo judeu sonhava com a libertação daquela opressão. Sonhava com uma terra onde não seriam feitos escravos, onde tudo o que plantassem e colhessem fossem deles mesmos. Por isto que nesta terra o leite e o mel jorrariam, porque toda a produção do povo seria para eles mesmos e não para pagar algum imposto imperialista. As idéias de Jesus eram subversivas para a época, iam contra o que os ricos e poderosos falavam, iam contra até das idéias do próprio povo. Jesus dizia que o povo pobre e explorado deveria se unir, mas a luta contra os opressores não seria um levante armado e nacionalista como todos queriam. Jesus dizia que, contra o opressor e seus exércitos, a vitória seria conseguida através do exemplo de conduta: solidariedade, amor e comunhão de alimentos, bens e ideais. Todo mundo deveria dividir sua comida, sua água e até seus bens com qualquer um, mesmo sendo um desconhecido, mesmo sendo só um mendigo caído na rua, até mesmo se fosse um opressor imperialista romano. Tudo deveria ser comum a todos, Jesus era um comunista. Ninguém deveria buscar acumular bens. Se alguém tem mais do que precisa para viver, teria as coisas de alguém. Se alguém come mais do que precisa para viver, estaria comendo a comida de alguém. Jesus dizia que isto não é justo. O que é importante é o processo comunitário de trabalho fraterno para o cuidado e sobrevivência de todos. Ele pregava a comunhão de tudo, da terra, da lavoura, da água, da criação, da casa. Todo mundo deveria ter fome e sede de justiça, amar o próximo. Justiça social: todos merecem um quinhão igual do esforço da humanidade. Ele dizia que todos tinham que tratar qualquer pessoa com respeito, com amor, com cuidado. A fraternidade do povo venceria a opressão e até converteria os opressores em solidários cidadãos. Se todos dividissem com todos o resultado de seu esforço, não haveria fome, sede ou qualquer outra privação para ninguém. Eram estas as idéias que Jesus passava por onde caminhava. Se todos agissem assim, todos seriam salvos e viveriam para sempre no paraíso. Jesus era bem eloqüente quando falava e as pessoas passavam a acreditar no que ele dizia.
Naquela época já era difícil de entender estas idéias de amor ao próximo, de comunhão de bens e aceitar. Hoje em dia então! Quem para seu carro nos pontos de ônibus para perguntar se alguém quer carona para o centro? Será que quem tem uma TV de plasma 42 polegadas deixa quem quiser entrar em sua sala para assistir a novela? Será que quem vai a um restaurante convida alguém que está com fome para também participar de seu banquete e se saciar?  O fazendeiro divide a produção com seus empregados? E o industrial? É, ser cristão não é fácil! Jesus sabia que convencer o povo seria difícil. Ele sabia que, para todo mundo entender, ele tinha que dar o exemplo. Ele sabia da sua missão. Depois de muito pensar, ele se reuniu com Judas, o apóstolo politizado e inteligente, juntos planejaram um ato público para que suas idéias, suas causas, se tornassem mais conhecidas. Jesus combinou com Judas que ele o entregaria aos romanos. Judas relutou, mas percebeu logo que era um modo de ganhar muita visibilidade. As idéias seriam levadas a mais gente e o povo se salvaria. Jesus relutou, porque era o dele na reta, mas também se resignou com sua missão, ele sabia que só assim seriam ouvidos para além da palestina. O resto dos apóstolos nem ficou sabendo do plano de Jesus e Judas, justamente porque eles contavam com a indignação dos apóstolos pela morte do mestre que motivaria ainda mais os discípulos para divulgar a palavra. Também ficou claro para os dois, os dois cabeças do movimento, que mais cedo ou mais tarde eles seriam mesmo pegos. Jesus aceitou o sacrifício, poderia ter fugido, mas ele queria dar o exemplo de luta e resistência, de quanto alguém deve se comprometer com a causa do amor ao próximo. Ele sabia que a partir daí, Pedro e os outros sairiam pelo mundo a divulgar a boa nova, ainda que ele não estivesse mais lá, e o povo seria salvo.
Os textos bíblicos foram escritos na sua maioria em aramaico, depois traduzidos para o grego clássico ou para o latim. Depois traduzidos para o hebraico, etrusco, alemão, espanhol e destes para o português castiço. Finalmente, para o nosso português contemporâneo. Nestas traduções muitas coisas foram sendo perdidas. Cada tradutor tinha uma crença diferente e muitos omitiram coisas, acrescentaram, modificaram como lhes pareceu mais conveniente. Muitos textos foram apócrifos, principalmente os que foram escritos por mulheres ou os que as citavam com a devida importância. Fica na cara de quem lê os evangelhos apócrifos que Madalena foi esposa de Jesus, assim como muitos apóstolos tiveram esposas e filhos que os acompanhavam nas viagens. A interpretação dos textos também foi sendo esmaecida pelo tempo, se modificando. Judas, de grande estrategista político, virou traidor. Pedro, de guardião da fé nas idéias de comunhão e amor ao próximo, virou o primeiro papa de uma nova religião que Jesus nunca teve intenção de criar. Então, o que lemos hoje em dia na bíblia escrita em português tem que ser cuidadosamente interpretado.
Por exemplo: Jesus disse que era para dividir o pão e fazer isto em seu nome. O que ele quis dizer foi que é para dividir o alimento com todos sempre, em todas as refeições. E, ao fazer isto em todas as refeições, sempre lembrar das idéias de comunhão de tudo, para que todos se lembrem sempre do que é justo fazer e quão importante é cuidar das pessoas do entorno, do próximo. Ele não quis dizer: ó pessoal, toda a semana vocês devem se reunir especialmente num templo, cantar, rezar, dar uma hóstia para cada um, dizer várias vezes meu nome, me adorar... Depois cada um vai para sua casa, o pobre para a maloca, o rico para a mansão, e todos irão para o céu. Não, Jesus não quis dizer isto.


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