quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Porque escolhi Maquiné para viver

Desde pequeno gosto muito de mato. Foi minha mãe que me incentivou a curtir a natureza. Sempre que passeávamos, íamos para a praia, para Tapes e sua lagoa ou para a serra. Adorava caminhar nalguma estradinha rural, conversando com a mãe e ouvindo aquele silêncio, coisa rara para mim. As paisagens, os cheiros, os gostos e até os barulhos da roça me encantavam. Mugidos, vento nas árvores, céu estrelado, queijo colonial, vizinhos loooonge. Ao voltar para casa ficava sonhando com o dia que poderia escolher, depois de crescer e ser “grande”, morar no interior. Estar na cidade, com seu ruído e sua grande população, me era um pouco desconfortável. Quando eu a questionava porque nós morávamos na cidade se tinha opções tão melhores por aí, minha mãe, criada na Riachuelo, no centro de Porto Alegre, me explicava que nós só morávamos na cidade porque o pai era de Tapes e tinha horror do interior, além de seu trabalho ser na cidade. Assim mesmo, eles foram morar nos cafundós da cidade quando casaram. Tinham até que pegar trem! Muita gente achava a Tristeza um arrabalde, o interior da capital.
Na faculdade de Educação Física, que estuda basicamente como manter a saúde, aprendi mais razões para morar no interior. A cidade é insalubre, pelo menos para nossa espécie. Para baratas e ratos o ambiente cidade é muito salubre. Dos amplos espaços abertos das estepes africanas, nossa nômade espécie, caçadora coletora com hábitos migratórios, se viu obrigada a construir colônias como formigas e abelhas. Isso aconteceu somente por força de um grande aquecimento global há 10.000 anos. Por penar a fome em grandes secas, fomos obrigados a fixar residência próximo aos mananciais e trabalhar como insetos. Evoluímos, ou melhor, involuímos para viver confinados em pequenas áreas, cercados por muros, com direito a poucos banhos de sol durante a semana. Isso quando não temos que sobreviver empoleirados em grandes gaiolas de vinte andares, sem direito nem de pisar a terra! Todos trabalham confinados em serviços que servem só para perpetuar a cidade e não produzem nada além diferenças sociais, neuroses e paranoias. Aliás, foi a urbanização da humanidade que fundou a diferença social. Mas, essa vida virtual do Homo Urbis possibilitou aos indivíduos dessa nova espécie que ficassem maiores, mais gordos e mais longevos, num ilusório estado de não doença, mas não de saúde. O organismo vivo “cidade” é que ficou saudável. Um organismo enorme, tentacular, sedento de energia, que precisa buscar seus nutrientes muito longe, fora de seu corpo. É esse ser vivo, a cidade, que passou a ser o indivíduo da espécie Homo Urbis. Os seres humanos são apenas células desse todo maior.
Foi na época da faculdade que conheci Maquiné. Visitei alguns de seus vales, com florestas, rios e cachoeiras, de carro e por somente uma tarde. Estive lá só por curiosidade, depois de ler na Zero Hora que era o município gaúcho com maior número de cachoeiras, maior oferta de água doce potável por habitante e maior área de mata atlântica preservada. Achei lindíssimo o lugar e me imaginei morando ali, naquelas pequenas e humildes casinhas de madeira. Pensava cá comigo: Se não posso mais sair caminhando com meus amigos e amigas, por um mundo sem fronteiras, cercas ou porteiras, catando e caçando, cantando e dançando ao redor do fogo num eterno verão, se realmente tenho que me tornar um hegemônico homo urbis, porque homo sapiens não me permitem mais ser, então quero fazer isso num ambiente mais salubre, belo e agradável como Maquiné.
No mestrado, lá em Florianópolis, continuei a perceber o quanto morar em cidades é maléfico para a humanidade. Aprendi que o modo de vida da humanidade era insustentável. Tanto socialistas como capitalistas pregam que é preciso extrair recursos naturais para construir suas cidades. Cidades são bichos enormes, que ocupam um nicho ecológico muito breve em termos geológicos. Elas não se sustentam por muito tempo. Expressões ridículas, que aparecem e rapidamente se espalham na mídia como verdades, são sintomas da esquizofrenia de uma sociedade que não quer admitir sua impotência. Como falar em “crescimento sustentável” se o mundo é finito? Dá para crescer infinitamente num planeta finito? Não! E as leis da termodinâmica foram revogadas para haver uma “energia renovável”? Os carros elétricos e os aero geradores então tem o poder de revogar as leis da física? Não, a entropia ainda existe! É impossível o modelo de desenvolvimento atual da humanidade não colapsar. Estamos vivendo um total colapso econômico por absoluto esgotamento dos recursos naturais necessários ao organismo cidade. No começo do século XX se extraia petróleo do chão do quintal das casas americanas e os Estados Unidos era o maior produtor e exportador do mundo. Agora estão achando ótimo que se achou petróleo no pré-sal brasileiro a 350 km da costa e a 7 km de profundidade no mar. A gasolina do pré-sal vai custar R$15,00 o litro! Basta ler os jornais para perceber que estamos próximos a um momento de virada no rumo da humanidade. Mesmo países ricos estão demitindo funcionários públicos, cortando salários e aposentadorias e assim mesmo se endividando exponencialmente. Quando nasci, em 1969, a humanidade somava 3 bilhões de indivíduos no planeta. Somente durante o tempo de minha breve vida mais que dobramos esse número, chegando a 7 bilhões agora em 2012. Houve um professor muito sábio lá em Florianópolis que nos deu uma aula que me marcou muito. Ele dizia que agora, na modernidade em que vivemos, o que tem valor, ou seja, os ativos da modernidade são dinheiro, ações, bens. Futuramente, após o colapso da modernidade, os ativos dessa pós-modernidade serão quatro: água potável, contato com a natureza, silêncio e conhecimento serão as coisas mais caras e valorizadas pelas pessoas. Na hora, enquanto o professor falava, me lembrei de Maquiné e de meu desejo de morar lá. Água tem, silêncio tem, contato com a natureza tem, conhecimento pode ir com a internet até lá. Pronto, havia decidido! Chegaria o dia, quando arrumasse dinheiro para comprar um terreninho e construir uma casinha, que eu moraria em Maquiné. No futuro, seria rico!
Segui estudando lá em Florianópolis e aprendi muito sobre as mudanças climáticas. Como elas são abruptas e devastadoras para todas as espécies de seres vivos. Na natureza, grandes mudanças são rápidas como um terremoto, um tsunami ou um furacão. Uma hora está tudo calmo e na outra está tudo de cabeça para baixo. A energia vai se acumulando num sistema (uma nuvem de chuva é um bom exemplo) até chegar num ponto de instabilidade quando ocorre uma crise (um relâmpago) que muda tudo para um novo ponto de equilíbrio. Com o aquecimento global o mar pode subir abruptamente vários metros. Alguém pode dizer: Mas nunca o mar subiu! Não que tenhamos visto. Nunca tinha havido um furacão no Brasil, mas o Furacão Catarina devastou tudo de Torres a Laguna em 2004 e ele foi só o primeiro. Pergunte a qualquer geólogo e ele lhe dirá que o mar já subiu e desceu diversas vezes ao longo das eras. E sempre abruptamente! A maioria dos cientistas que estudam o clima afirma que estamos passando por um momento de aquecimento global. Mas há cientistas que afirmam o contrário, são céticos a respeito do aquecimento e até suspeitam de um resfriamento global. Eu não sei quais deles estão certos: se o mar subir, vou assistir de camarote, mas mesmo se o mar não subir, Maquiné é um município com um clima privilegiado. Está exatamente entre o mar e a serra. Nem frio, nem quente, perfeito.
A maior razão que me fez optar por morar em Maquiné, entre tantas, talvez seja a possibilidade de comer a comida que eu mesmo colho. Comprei meu terreno no distrito da Barra do Ouro. O lugarejo se chama assim porque se situa onde o Rio do Ouro deságua no Rio Maquiné. O vale do Rio do Ouro já abrigou mais de 600 famílias nos séculos XIX e XX. Ao contrário do que se possa pensar, nunca se extraiu um grama de ouro daquele rio. Mas era tão grande a produtividade da terra daquelas encostas, que o povo dizia que tudo que saia dali virava ouro. Hoje em dia, o mesmo vale abriga somente dez famílias. O êxodo rural de tantas famílias se deveu as mudanças na legislação que inviabilizaram os modos de produção dos agricultores do lugar. As queimadas, praticadas por todos os pequenos produtores, foram proibidas, deixando os agricultores familiares das encostas, que trabalhavam com ferramentas de mão, em grande desvantagem econômica diante de lavouras mecanizadas das planícies. Com a boa intenção de proteger o meio ambiente, os legisladores inviabilizaram uma prática ancestral de produção de alimentos em benefício dos grandes latifúndios da agroindústria. Mas a permacultura, ou agricultura de permanência, não exige queimadas ou tratores. Essa técnica simples e genial ensina a cultivar uma floresta que dá comida. Perceba que ninguém cuida de uma floresta, há insetos, fungos, ervas daninhas, pássaros e outros tantos animais, mas assim mesmo ela cresce sozinha, se aduba sozinha, se irriga sozinha, se reproduz sozinha e alimenta uma grande quantidade de animais. Não precisa herbicida, fungicida, inseticida, adubos químicos, tratores e colheitadeiras, todos produtos a base de petróleo, diga-se de passagem. Porque não cultivamos uma floresta que seja boa e abundante em alimentos para os seres humanos? O susto daquela mudança climática de 10000 anos atrás já passou, podemos voltar a respeitar e conviver com nossa natureza. Desenvolver significa não se envolver. Nós não precisamos mais nos desenvolver da natureza, vamos nos envolver com ela! Sustentável não é morar em cidades, mas sim perto de onde haja alimentos suficientes, durante todo ano, sem agrotóxicos, frescos e sem a exploração da força de trabalho de outras pessoas.
Finalmente, o evento gatilho para que eu decidisse que havia chegado a hora de realizar esse velho sonho de morar em Maquiné, minha Passárgada, foi eu ter me separado. Além disso, andava bastante insatisfeito com meu trabalho como professor de Educação Física. Na verdade estava até com asco dos colegas de trabalho e das instituições que trabalhava. Uma longa série de acontecimentos desagradáveis foi ocorrendo ao longo de 2011 me deixando completamente infeliz. Me sentia preso em todos os lugares, tanto em casa quanto no trabalho. Queria sair de casa e pedir as contas, mas daí o que fazer? As opções que me apareceram eram duas: ou voltar a morar sozinho num apartamento no centro de Florianópolis, ou voltar a morar na casa de meus pais em Porto Alegre. As duas opções me pareciam deprimentes então escolhi nenhuma delas. Percebi que havia chegado a hora de sonhar. Chutei o balde geral!!! Foi uma decisão bem difícil. Eu tinha casa, carro, uma linda esposa advogada, três cachorros, emprego, salário, comida farta e variada na hora das refeições, roupas lavadas e cheirosas no armário, etc. Optei por abdicar disso tudo em nome desse sonho. Estou aqui em Maquiné, na linda Barra do Ouro há cinco meses. Comprei um terreno e uma casinha do jeito que eu sonhei, mas somente agora é que as consequências dessas escolhas vão se fazer sentir.
Estou muito angustiado com todas essas mudanças, mas não é a primeira vez que revoluciono minha vida, sabia que isso iria acontecer. Larguei uma boa carreira de técnico em mecânica na Termolar para passar dois anos na Europa trabalhando ilegalmente em Amsterdam na Holanda como porteiro noturno num hotel. Larguei no meio a faculdade de Engenharia Mecânica na UFRGS para fazer Educação Física na mesma universidade. Fechei uma oficina de bicicletas para virar professor particular. Deixei Porto Alegre e uma boa carreira de personal trainer para fazer mestrado em Florianópolis. Essa impermanência já me custou três casamentos, mas me rendeu muitos novos amigos e muitas experiências que me fizeram crescer. Se fosse morrer hoje, poderia dizer com tranquilidade que vivi.

Sobre o futuro, confio naquela lição dos Beatles: I get by with a little help from my friends. E por isso escrevo essa cartinha para vocês. Abraço pessoal! E venham me visitar na Barra do Ouro em Maquiné.

3 comentários:

  1. Eu quero morar na Barra do Ouro também.
    Tuas experiências narradas são maravilhosas!🌹

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  2. Eu estava aqui no Google dando uma mapeada, para ver opiniões de como é morar em Maquiné, é vi seu relato. Comecei a ler sem mta atenção e acabei apaixonada por sua história. Parabéns por sua coragem e por sua escolha! Conheci Maquiné em novembro de 2020 no meio da epidemia de Covid19, é achei um paraíso! Desde então quero mto poder comprar um terreno e quem sabe seremos vizinhos!
    Moro em Porto Alegre é estou naquela fase da vida onde o " copo " já está transbordando em viver numa capital. Somos engolidos por ela! O trabalho formal nos rouba a vida.
    Um abraço E felicidades!

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