quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Pegada Ecológica

Não sei se tu já ouviste falar da pegada ecológica. É um conceito simples, mas as pessoas têm dificuldades de entender. Cada ser humano tem um impacto no meio ambiente, ocupa espaço e deixa marcas nele. Este impacto, esta marca na terra que a pessoa deixa é chamado de pegada ecológica. Umas pessoas têm uma pegada maior e outras menores. Tu vês, pega eu como exemplo. Hoje eu cozinhei uma vez e fiz bastante comida para o dia inteiro. Comi um pouco no almoço e o que sobrou coloquei na geladeira. Preparei batata doce e duas cenouras cozidas, um punhado de arroz com meio tomate e meio pimentão para dar uma corzinha, cortei uma cebola para fazer três bifes acebolados e usei algumas folhinhas de espinafre de salada, usei um pouquinho de sal, umas gotinhas de óleo de oliva e um dente de alho para temperar. Muito bem. Estas coisas todas tiveram que ser plantadas em algum lugar que não foi aqui no meu apartamento do centro da cidade. Foram plantadas por alguém que não fui eu, porque eu estava dormindo ou trabalhando com as crianças. Cada cenoura precisou do que para nascer? Acho que uma cenoura precisa de no mínimo um quadradinho de uns vinte por vinte centímetros de terra fértil em algum lugar que bata sol e tenha água para que ela cresça. Acho que a raiz da cenoura não explode no chão pronta de uma hora para outra, ela precisa de uns quarenta dias para sair da semente e ficar do tamanho das que eu peguei no super. Então, só para eu comer cenoura no dia de hoje, um pedacinho de 20 por 40cm (duas cenouras) da superfície do planeta precisou ficar quarenta dias a minha inteira disposição. É como se eu tivesse ficado em pé, lá no campo, quarenta dias com meus dois pezões ocupando esta área. Esta área do mundo não pode ser usada por mais ninguém durante todo este tempo. Eu, na verdade não fiquei lá em pé, a marca dos meus pés não está lá na terra fofa, mas a pegada destas duas cenouras é inegavelmente minha. Se eu comesse só duas cenouras a cada quarenta dias e vivesse pelado na rua, minha pegada ecológica no mundo ia ser só esta mesmo: dois quadradinhos de vinte por vinte centímetros. Mas eu como mais coisas, me visto com alguma roupa, e moro em algum lugar. Batata, arroz, espinafre, cebola, tomate, alho e até azeitona pro azeite eu comi só hoje. Vamos imaginar que alguém plantou uma hortinha especial só para mim comer hoje. Digamos que ocupei um espaço de um metro quadrado de mundo durante quarenta dias, para me alimentar somente hoje. Somente um exercício mental, para fins didáticos, porque só a oliveira ocupa um espaço grande por muito tempo. Vamos pensar em termos de fração ideal de espaço e tempo. Bom, alguém teve o cuidado de plantar e tratar desta horta ideal para mim, porque eu não precisei fazer nada. Digamos que esta pessoa que ficou lá cuidando da minha horta seja parecido comigo, mesmo tamanho, mesmo peso. Ele também vai ter que comer, tanto quanto eu. Então, para que eu e ele tenhamos comido hoje, dois metros quadrados de mundo vão ter que ficar a minha disposição. Mas, se eu quiser comer amanhã e nos dias seguintes, daí as coisas começam a complicar. Não posso plantar as coisas da refeição de amanhã no mesmo terreno das de hoje, as plantas não crescem empilhadas em edifícios como nós. Então, outro metro quadrado ensolarado de terra fértil bem irrigada terá que ser ocupado para mim e outro para o agricultor que planta e cuida da minha hortinha ideal. Somente passados quarenta dias, desde que plantei até o momento da colheita do alimento, eu posso começar a repetir o terreno. Fazendo as contas, quarenta metros para mim e mais quarenta para o agricultor, dá oitenta metros quadrados, só para eu comer. Minha pegada ecológica já se mostra bem grandinha, né? Um terreninho de oito por dez metros. Na verdade é bem mais que isto, mas, para fins didáticos, está bom. Isto, claro, se eu só comesse vegetais. Se eu quiser comer carne daí minha pegada ecológica quadruplicará. As vacas, porcos, galinhas, estes danados, comem muito. As coisas que eles comem também tem que ser plantadas e cuidadas. Eles tem pegada ecológica própria e é muito maior que a humana. Se eu como animais, a fração ideal da pegada ecológica deles tem que ser incorporada a minha. Eles só são criados porque eu os compro. Os animais também tem que ser cuidados por alguém, que seja o pecuarista, o avicultor, ou o suinocultor. Eles também comem e eles só não estão fazendo outra coisa porque eu desejo comer carne, ou queijo, ou presunto, ou ovo, ou beber leite ou até passar uma manteiguinha ou requeijão no pão. Como eu como carne em quase todas as refeições, não cuido de nenhum bicho eu mesmo, a pegada ecológica dos cuidadores de bicho tem que ser somada a minha.
Ao fim, para te resumir, a pegada ecológica de um vegetariano é cerca de dois hectares, mesmo com os modernos meios de produção agrícola de alimentos que existem atualmente. Antigamente eram vinte hectares. A de uma pessoa que come carne aumenta para algo em torno de nove hectares.
Sabias que agora que a população do mundo já está batendo em sete bilhões de pessoas (além das sete bilhões de cabeças de gado e 18 bilhões de porcos) a ONU está pensando em como fazer para que o consumo de carne diminua. Eles se flagraram que não dá para todo mundo comer carne. E eles só se deram conta disto quando os chineses e indianos passaram a comer carne de uma hora para outra com a melhoria e abertura de sua economia. Eram só um bilhão de pessoas que comiam carne no mundo, de repente virou três bilhões. A Amazônia está sendo desmatada para plantar soja que vai alimentar o gado que os chineses e indianos passaram a comer. A pegada ecológica daqueles esquisitos asiáticos pisoteia até o Brasil se eles comem carne. Não é que a ONU quer evitar que o pobre coma bem. A ONU só percebeu que aquele bilhão, aquelas pessoas privilegiadas que comiam carne antes, viviam numa opulência imoral e insustentável que simplesmente não pode ser compartilhada por todos os habitantes humanos do planeta.
A humanidade vem evoluindo aos poucos. Primeiro lutamos contra o xenofobismo, a discriminação e exploração de pessoas de outras culturas. Depois lutamos contra o racismo, a exploração e discriminação de pessoas de outras raças. Depois a humanidade lutou contra o sexismo, a discriminação e exploração de mulheres. Agora estamos lutando contra o especismo, a discriminação e exploração de outras espécies animais. Quem luta pelos direitos dos animais agora é arrogantemente debochado, desdenhado e ridicularizado exatamente como quem lutava pelos direitos dos negros ou pelos direitos das mulheres um dia foram. Os pioneiros, sensíveis, inteligentes e extraordinários, sempre sofrem com a ignorância e brutalidade da grande massa de ordinários. Até a ONU, aquele bando de brutos ordinários, só admitiu agora que a luta dos vegetarianos era de extrema importância para a sobrevivência da espécie humana. E eles só estão admitindo porque não tem mais como escapar disto. Os vegetarianos agem localmente, mas pensam globalmente. Fazem o mínimo que cada um deve fazer. Detalhe: eu como carne, não sou nem sensível, nem inteligente ou extraordinário.
Outra coisa interessante do conceito de pegada ecológica é que não se limita somente aos alimentos. Ela engloba tudo que tu consomes. Te veste? De onde vem o algodão para fazer tuas roupas? Foste tu que fiou e teceu o algodão? Ah! É de lã? Onde que criaram a ovelha? Foste tu que cortou e costurou o tecido? Tens casa? De onde veio os tijolos para fazer tua casa? E o cimento? Foste tu mesmo que construíste? Algum morro teve que ser cortado para tirar as pedras da fundação de teu inocente lar. Tua pegada está lá também! Tens carro? De onde veio o aço e o alumínio usado na sua fabricação? Para cada quilo de aço, quatrocentos quilos de minério tiveram que ser extraídos de algum lugar por alguém. Um carro pequeno tem mil quilos. Isto são quatrocentos mil quilos de morro que tiveram que se deslocar para fabricar um único carrinho. Tua pegada está começando a pesar no mundo. Depois de alguém ter minerado, outro alguém aqueceu este minério a 1600 graus para que o ferro derretesse e se separasse da terra. Depois alguém levou este ferro bruto a uma siderúrgica onde aqueceu de novo para fazer o aço. De novo alguém levou os lingotes de aço para laminar e fazer chapas e barras. Depois ainda outro alguém teve que moldar as chapas para fazer o carro. Alguém teve que transportar o carro para a revenda, alguém teve que ficar lá na loja esperando para te vender o carro, alguém tem que manter o carro, alguém tem que abastecer o carro, alguém, alguém, alguém. Alguém que não é tu e tu estás cagando para quem seja, desde que não seja tu. Além de toda a destruição ambiental da fabricação do carro, sem falar no petróleo e dos rejeitos que gera seu uso, uma fração ideal de toda esta gente que trabalha para que tu usufruas o luxo do carro vai entrar na conta da tua pegada ecológica pessoal. Ao fim, feitas as contas, a pegada ecológica de quem come carne e anda de carro particular é de aproximadamente 18 hectares. Uma pequena fazendinha. Por isto que se diz que se todo mundo consumisse como os americanos, precisaríamos de quatro ou cinco planetas terra para prover de insumos toda a população.

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